A contabilidade tradicional limitava-se a relatar o passado. Porém, nos dias de hoje, parte dos números que aparecem nas informações divulgadas está voltada para o futuro, como a estimativa de ganho em um processo judicial, a previsão sobre o fluxo de caixa que será gerado por uma unidade de negócio quando se faz um teste de recuperabilidade, entre outros. Quando saímos dos números do balanço patrimonial e da demonstração do resultado, a presença do futuro no conjunto de informações divulgado pelas empresas pode também incluir as promessas que estas fazem em relação ao desempenho futuro.
O surgimento da preocupação mundial com o clima demonstrou a existência de uma ligação entre as atividades humanas e o aquecimento global, o que inclui a necessidade de reduzir a queima de combustíveis fósseis. Como boa parte da queima de combustíveis é realizada pelas empresas, começou a existir uma pressão de investidores e reguladores sobre as entidades.
É nesse cenário que surgem as normas de sustentabilidade. Também se iniciou uma pressão para que as empresas pudessem contribuir com o esforço global no sentido de reverter a tendência de aquecimento global. E como isso poderia ser feito? Usualmente, o foco recai sobre as emissões realizadas pelas empresas.
Nos anos recentes, muitas empresas, especialmente aquelas de grande porte e com ações negociadas em bolsa, começaram a divulgar metas de redução de emissões. Isso pode ter ocorrido pelo desejo de agradar a certos grupos, por excesso de confiança, pressão social, desejo de manter a imagem, impulso emocional, medo de dizer "não", entre outras razões.
Com o tempo, tornou-se claro que muitas promessas feitas eram irrealistas. Veja, por exemplo, o que ocorreu com a Air New Zealand, uma empresa tradicional do setor aéreo. Em 2022, a empresa afirmou que sua meta de emissão de carbono seria uma redução de 29%. Isso é muito para um setor que utiliza a queima de petróleo para obter sua receita. E a meta parece ainda mais absurda quando se sabe que o setor adotou uma meta em torno de 5%. Como a Air New Zealand conseguiria obter tal redução? Parece que a única resposta possível seria através da redução do número de viagens realizadas pela empresa, o que significaria perder mercado. E vale lembrar que a redução da emissão de carbono nos aviões depende do desenvolvimento realizado pelos fabricantes de aeronaves, algo fora do controle da gestão da empresa. Poderíamos pensar que a empresa tem uma frota antiga e que uma eventual troca permitiria atingir a meta fixada.
Lembrando que a promessa foi feita em 2022. Atualmente, as empresas aéreas já estão se recuperando do choque da pandemia e o número de voos realizados voltou a crescer. A Air New Zealand decidiu então abandonar a meta de 2030 para as emissões de carbono. A alegação foi de que haveria atrasos na renovação da frota, conforme argumentou o executivo da empresa, Greg Foran.
Outro aspecto interessante nas promessas é que há uma observação atenta sobre o comportamento das empresas. Naturalmente, a atenção está voltada para seus principais representantes e o que eles estão fazendo para atingir as metas. Uma investigação do ProPublica revelou uma história interessante nesse sentido. O site analisou a Nike, mais especificamente o jato particular Gulfstream da empresa, e verificou que o mesmo utilizou várias vezes um campo de aviação perto da casa do CEO da empresa, John Donahoe. Em três anos e meio, o jato aterrissou mais de cem vezes.
Em seus discursos, Donahoe afirmava que a questão climática exigia uma ação urgente. Chegou a afirmar, em 2022, que "estamos [ele e a empresa] mais comprometidos do que nunca em ajudar a salvar o planeta". O interessante é que isso aparece nas demonstrações contábeis da empresa: os jatos particulares emitiram, em 2023, 20% a mais de carbono do que em 2015, o ano de referência nas metas divulgadas. Sim, os voos são uma pequena parte da contribuição da Nike para o aquecimento global. Mas você acreditaria em executivos que falam em redução de emissões e não fazem nada? E os detalhes divulgados pelo ProPublica incluem as viagens que Donahoe fez para um acampamento de verão para bilionários, pousos nas Ilhas Cayman, entre outros.
O caso da Nike, onde os voos do seu executivo foram mostrados em uma investigação, não é único. Algumas pessoas entendem que promessa feita deve ser cumprida. Algumas empresas estão buscando formas mais criativas de contornar os anúncios otimistas do passado. Uma forma criativa é através das emissões líquidas zero. Lembra da companhia aérea da Nova Zelândia que prometeu uma meta irreal? A maneira de fazê-lo seria através da substituição das aeronaves. Mas isso é muito caro e exige saída de caixa, o que, por sua vez, pode reduzir os bônus dos gerentes e as suas mordomias.
Uma forma alternativa para cumprir as promessas otimistas do passado é através da compra de créditos de carbono. Nesse caso, a empresa paga para alguém fazer o seu trabalho. Em muitas situações, pode ser uma boa solução para a sociedade. Por exemplo, a empresa paga a uma entidade sem fins lucrativos para plantar árvores ou ajudar alguém a instalar painéis solares. No entanto, a solução através da aquisição de créditos de carbono, que pode ser barata e rápida, é um caminho fácil demais. Recentemente, a Amazon informou que sua meta de 2030 de ter eletricidade limpa para seus escritórios, centros de dados e armazéns foi atingida. Mas o Google, também uma empresa de tecnologia, comunicou que não estava mais usando o termo “neutro em carbono” para suas operações e a razão disso foi a inteligência artificial. Agora, em vez de olharem as frases otimistas do passado, os investigadores estão observando também a forma como as metas são alcançadas. Afinal, ser neutro em carbono comprando créditos parece não ser tão difícil assim.
Há uma estimativa de que 78% da energia da Amazon nos Estados Unidos tenha como procedência fontes não renováveis. Assim, o anúncio da empresa de que antecipou uma meta de 2030 parece muito mais uma contabilidade criativa, mesmo que esteja investindo uma boa quantia em energia renovável e adotando outras políticas interessantes.
Parece que há uma aposta aqui: as promessas feitas no passado serão esquecidas ou a dificuldade em alcançar as metas climáticas poderá ser perdoada pelos investidores. Isso lembra muito os políticos que fazem falsas promessas, confiando na memória curta dos eleitores. Depois de receberem seus votos, as promessas são esquecidas ou minimizadas. Será esse o futuro das empresas que fazem falsas promessas climáticas?
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