A IFRS 18 começou a ser discutida em abril de 2016. Três anos depois, em maio de 2019, a Fundação IFRS decidiu que o tópico seria uma minuta de pronunciamento, o que significa um aumento no status do tema. Até então, o tópico era um "discussion paper". Ainda em 2019, em dezembro, foi publicada uma minuta, com prazo para comentários até junho de 2020. Esse prazo foi aumentado para o final de setembro. A partir dos comentários recebidos, a Fundação IFRS divulga, agora em abril de 2024, o pronunciamento IFRS 18, denominado "Presentation and Disclosure in Financial Statements". Foram oito anos para termos o documento, entre a data de concepção e a data de divulgação final. Como o documento entrará em vigor no primeiro dia do ano de 2027, isso corresponde a mais de dez anos.
O objetivo da norma IFRS 18 é estabelecer requisitos de apresentação e divulgação das demonstrações financeiras, denominadas pelo IASB como "demonstrações financeiras de propósito geral". O texto da norma afirma que a IFRS 18 deve garantir que as informações dessas demonstrações tragam informações relevantes sobre os ativos, passivos, patrimônio, receitas e despesas de uma entidade.
Antes de prosseguir, é importante destacar o que o pronunciamento entende por demonstrações financeiras. Pela norma, isso inclui uma demonstração de desempenho financeiro, que corresponde à DRE, além de uma demonstração de resultado abrangente; uma demonstração de posição financeira (balanço); uma demonstração de mudanças no patrimônio (DMPL); uma demonstração dos fluxos de caixa (DFC); notas explicativas e, caso exista uma mudança na política contábil, uma demonstração da posição financeira do início do período anterior, caso pretenda aplicar uma nova política contábil de maneira retrospectiva. Para a norma, as demonstrações listadas acima devem ser apresentadas com igual destaque. Sobre as notas explicativas, estas fornecem informações adicionais para o usuário.
A IFRS 18 é, portanto, uma norma genérica de evidenciação. Mas lida com assuntos como agregação e desagregação de itens, classificação dos mesmos, medidas de desempenho e outros aspectos. A questão da agregação e desagregação afeta as demonstrações de maneira direta. Suponha o exemplo da despesa operacional, dentro da demonstração do resultado. Quando a empresa soma diversos itens para compor a despesa operacional, estamos tratando da agregação. Quando a despesa operacional é apresentada em tópicos específicos por terem características que não podem ser compartilhadas, temos a questão da desagregação. A classificação diz respeito à ordenação dos elementos patrimoniais e dos fluxos de caixa. As medidas de desempenho definidas pela gestão, cuja sigla seria MPM, referem-se a um subtotal de receitas e despesas que a entidade usa nas suas evidenciações e que não estão listadas na IFRS 18 ou em outras normas de contabilidade. Obviamente, não seria o caso do resultado operacional, que é decorrente das receitas e despesas que são consideradas operacionais, mas algo como o EBITDA, que não faz parte da norma, mas é muito usado por entidades no mundo afora.
A principal alteração da nova norma talvez esteja na Demonstração do Resultado. A norma indica cinco categorias: investimento, financiamentos, imposto sobre a renda e operações descontinuadas. Disse cinco categorias e listei somente quatro, pois a quinta categoria é onde devem estar todas as receitas e despesas não classificadas nos demais itens. Essa categoria recebe a denominação de categoria operacional.
Se as categorias apresentadas acima parecem conhecidas é porque já são usadas na DFC. Os itens da DFC estão separados em investimento, financiamento e operacional. E agora isso também aparece na DRE, com o acréscimo do imposto de renda e das operações descontinuadas. Uma DRE típica tem a maior parte dos itens como sendo operacional: a compra e venda de mercadorias estariam nesta categoria operacional. Então é possível dizer que a IFRS 18 está trazendo para a DRE a classificação já usada na DFC.
Há um grande ganho aqui. A partir do resultado classificado na categoria operacional, podemos confrontar com a DFC na mesma categoria e verificar a relação entre os dois valores. Também será possível ter uma norma internacional onde haverá uma comparação no resultado das operações e nos demais itens.
Se existe vantagem na proposta de classificação da DRE, acredito que um problema não resolvido é a subjetividade da classificação. Em vez de ser mais incisiva na classificação, a IFRS 18 permite um grau de flexibilidade e, com isso, uma possibilidade de manipulação nos itens. Segundo a nova norma, a classificação em operacional, investimento e financiamento depende da avaliação do que a entidade considera sua atividade principal específica. Como entendo que o principal resultado será o operacional, a norma cria margem para manipulações. Ademais, na minha concepção, o resultado efetivamente operacional de uma entidade deveria também incluir os valores resultantes dos investimentos realizados em subsidiárias ou resultantes de aplicações financeiras. Mas a norma pede que esses valores estejam dentro da categoria de investimento. Em termos de análise, creio que será importante somar os resultados da DRE provenientes da categoria operacional com a categoria de investimento.
Mas é preciso destacar que a norma afirma que, quando a entidade investe em ativos, as receitas e despesas oriundas dos ativos devem ser classificadas como operacionais, em vez de investimento. Outro caso é das entidades que financiam os clientes. Entendo que isso faz parte da política operacional, sem questionamento. Mas a norma é suficientemente confusa e marca um "depende" nesse caso. No item 18.65 há uma frase com 82 palavras, ocupando seis linhas, para "esclarecer o assunto":
"Those entities that provide financing to customers as a main business activity will classify in the operating category income and expenses from liabilities that arise from transactions that involve only the raising of finance related to the provision of financing to customers and make an accounting policy choice to classify in the operating category or financing category income and expenses from liabilities that arise from transactions that involve only the raising of finance not related to the provision of financing to customers." (vide aqui)
(De curiosidade, pedi o cálculo da legibilidade do trecho acima. Na escala de Flesch-Kincaid Reading Ease, que varia de 0 a 100, foi obtido um valor de 0,425. Um valor de 0.425 é extremamente baixo, indicando que o texto é muito difícil de ler).
A IFRS 18 abre a possibilidade de divulgação de Medidas de Desempenho Definidas pela Gestão (MPMs). Isso inclui uma medida que é usada nas divulgações fora das demonstrações, para comunicar aos investidores sobre um ponto do desempenho da entidade e que não faz parte da IFRS 18.
A IFRS 18 representa uma mudança significativa na forma como as demonstrações financeiras são apresentadas e divulgadas, trazendo uma nova estrutura e uma maior ênfase na clareza e comparabilidade das informações. Apesar dos avanços em termos de classificação e agregação de dados, a norma ainda deixa espaço para interpretações subjetivas, o que pode levar a desafios na implementação e potencial manipulação das informações financeiras. A introdução das Medidas de Desempenho Definidas pela Gestão (MPMs) é um passo importante para fornecer transparência adicional, mas também exige uma análise cuidadosa para garantir que essas medidas sejam usadas de maneira consistente e informativa. Com a adoção plena prevista para 2027, as entidades têm tempo para se adaptar às novas exigências.
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