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26 maio 2024

IFRS 18

A IFRS 18 começou a ser discutida em abril de 2016. Três anos depois, em maio de 2019, a Fundação IFRS decidiu que o tópico seria uma minuta de pronunciamento, o que significa um aumento no status do tema. Até então, o tópico era um "discussion paper". Ainda em 2019, em dezembro, foi publicada uma minuta, com prazo para comentários até junho de 2020. Esse prazo foi aumentado para o final de setembro. A partir dos comentários recebidos, a Fundação IFRS divulga, agora em abril de 2024, o pronunciamento IFRS 18, denominado "Presentation and Disclosure in Financial Statements". Foram oito anos para termos o documento, entre a data de concepção e a data de divulgação final. Como o documento entrará em vigor no primeiro dia do ano de 2027, isso corresponde a mais de dez anos.

O objetivo da norma IFRS 18 é estabelecer requisitos de apresentação e divulgação das demonstrações financeiras, denominadas pelo IASB como "demonstrações financeiras de propósito geral". O texto da norma afirma que a IFRS 18 deve garantir que as informações dessas demonstrações tragam informações relevantes sobre os ativos, passivos, patrimônio, receitas e despesas de uma entidade.

Antes de prosseguir, é importante destacar o que o pronunciamento entende por demonstrações financeiras. Pela norma, isso inclui uma demonstração de desempenho financeiro, que corresponde à DRE, além de uma demonstração de resultado abrangente; uma demonstração de posição financeira (balanço); uma demonstração de mudanças no patrimônio (DMPL); uma demonstração dos fluxos de caixa (DFC); notas explicativas e, caso exista uma mudança na política contábil, uma demonstração da posição financeira do início do período anterior, caso pretenda aplicar uma nova política contábil de maneira retrospectiva. Para a norma, as demonstrações listadas acima devem ser apresentadas com igual destaque. Sobre as notas explicativas, estas fornecem informações adicionais para o usuário.

A IFRS 18 é, portanto, uma norma genérica de evidenciação. Mas lida com assuntos como agregação e desagregação de itens, classificação dos mesmos, medidas de desempenho e outros aspectos. A questão da agregação e desagregação afeta as demonstrações de maneira direta. Suponha o exemplo da despesa operacional, dentro da demonstração do resultado. Quando a empresa soma diversos itens para compor a despesa operacional, estamos tratando da agregação. Quando a despesa operacional é apresentada em tópicos específicos por terem características que não podem ser compartilhadas, temos a questão da desagregação. A classificação diz respeito à ordenação dos elementos patrimoniais e dos fluxos de caixa. As medidas de desempenho definidas pela gestão, cuja sigla seria MPM, referem-se a um subtotal de receitas e despesas que a entidade usa nas suas evidenciações e que não estão listadas na IFRS 18 ou em outras normas de contabilidade. Obviamente, não seria o caso do resultado operacional, que é decorrente das receitas e despesas que são consideradas operacionais, mas algo como o EBITDA, que não faz parte da norma, mas é muito usado por entidades no mundo afora.

A principal alteração da nova norma talvez esteja na Demonstração do Resultado. A norma indica cinco categorias: investimento, financiamentos, imposto sobre a renda e operações descontinuadas. Disse cinco categorias e listei somente quatro, pois a quinta categoria é onde devem estar todas as receitas e despesas não classificadas nos demais itens. Essa categoria recebe a denominação de categoria operacional.

Se as categorias apresentadas acima parecem conhecidas é porque já são usadas na DFC. Os itens da DFC estão separados em investimento, financiamento e operacional. E agora isso também aparece na DRE, com o acréscimo do imposto de renda e das operações descontinuadas. Uma DRE típica tem a maior parte dos itens como sendo operacional: a compra e venda de mercadorias estariam nesta categoria operacional. Então é possível dizer que a IFRS 18 está trazendo para a DRE a classificação já usada na DFC.

Há um grande ganho aqui. A partir do resultado classificado na categoria operacional, podemos confrontar com a DFC na mesma categoria e verificar a relação entre os dois valores. Também será possível ter uma norma internacional onde haverá uma comparação no resultado das operações e nos demais itens.

Se existe vantagem na proposta de classificação da DRE, acredito que um problema não resolvido é a subjetividade da classificação. Em vez de ser mais incisiva na classificação, a IFRS 18 permite um grau de flexibilidade e, com isso, uma possibilidade de manipulação nos itens. Segundo a nova norma, a classificação em operacional, investimento e financiamento depende da avaliação do que a entidade considera sua atividade principal específica. Como entendo que o principal resultado será o operacional, a norma cria margem para manipulações. Ademais, na minha concepção, o resultado efetivamente operacional de uma entidade deveria também incluir os valores resultantes dos investimentos realizados em subsidiárias ou resultantes de aplicações financeiras. Mas a norma pede que esses valores estejam dentro da categoria de investimento. Em termos de análise, creio que será importante somar os resultados da DRE provenientes da categoria operacional com a categoria de investimento.

Mas é preciso destacar que a norma afirma que, quando a entidade investe em ativos, as receitas e despesas oriundas dos ativos devem ser classificadas como operacionais, em vez de investimento. Outro caso é das entidades que financiam os clientes. Entendo que isso faz parte da política operacional, sem questionamento. Mas a norma é suficientemente confusa e marca um "depende" nesse caso. No item 18.65 há uma frase com 82 palavras, ocupando seis linhas, para "esclarecer o assunto":

"Those entities that provide financing to customers as a main business activity will classify in the operating category income and expenses from liabilities that arise from transactions that involve only the raising of finance related to the provision of financing to customers and make an accounting policy choice to classify in the operating category or financing category income and expenses from liabilities that arise from transactions that involve only the raising of finance not related to the provision of financing to customers." (vide aqui)

(De curiosidade, pedi o cálculo da legibilidade do trecho acima. Na escala de Flesch-Kincaid Reading Ease, que varia de 0 a 100, foi obtido um valor de 0,425. Um valor de 0.425 é extremamente baixo, indicando que o texto é muito difícil de ler).

A IFRS 18 abre a possibilidade de divulgação de Medidas de Desempenho Definidas pela Gestão (MPMs). Isso inclui uma medida que é usada nas divulgações fora das demonstrações, para comunicar aos investidores sobre um ponto do desempenho da entidade e que não faz parte da IFRS 18.


A IFRS 18 representa uma mudança significativa na forma como as demonstrações financeiras são apresentadas e divulgadas, trazendo uma nova estrutura e uma maior ênfase na clareza e comparabilidade das informações. Apesar dos avanços em termos de classificação e agregação de dados, a norma ainda deixa espaço para interpretações subjetivas, o que pode levar a desafios na implementação e potencial manipulação das informações financeiras. A introdução das Medidas de Desempenho Definidas pela Gestão (MPMs) é um passo importante para fornecer transparência adicional, mas também exige uma análise cuidadosa para garantir que essas medidas sejam usadas de maneira consistente e informativa. Com a adoção plena prevista para 2027, as entidades têm tempo para se adaptar às novas exigências.

24 maio 2024

Rir é o melhor remédio

Quem trabalha bem, trabalha mais.
 

Futebol, razão e paixão

 É possível aplicar a razão para o futebol? Eis uma dissertação onde métodos de avaliação são aplicados a duas equipes de futebol: 

Em seguida através da análise dos relatórios e contas dos últimos cinco anos foram elaborados pressupostos para a elaboração das demonstrações financeiras previsionais de forma a poder calcular o Free Cash Flow to Firm, o primeiro método utilizado nesta avaliação em que se obteve um valor por ação de 2,94€. O segundo método escolhido para avaliar as ações da sociedade foi o método dos múltiplos, de forma a complementar o primeiro método, através do qual se obteve um valor por ação de 2,44€ por ação. Desta forma conclui se que as ações da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD estão sobreavaliadas, uma vez que o seu preço histórico é de 3,43€. Conforme os resultados obtidos na avaliação da empresa não se recomenda a compra das ações da Sport Lisboa e Benfica – Futebol, SAD, precavendo-se, a todos os investidores, que possíveis desvios quer nos resultados desportivos quer dos pressupostos definidos para este estudo colocarão em causa os resultados obtidos.

Auditoria e impacto da ISA 700


Considerando o contexto das modificações implementadas pela ISA 700 revisada, que demandou a inclusão de itens como os Principais Assuntos de Auditoria (PAA), este artigo teve como objetivo verificar os reflexos das mudanças na ISA 700 na qualidade e nos honorários da auditoria. Foram coletados dados contábeis, de mercado e informações sobre as firmas de auditoria responsáveis e as quantidades de PAAs divulgados pelas companhias de capital aberto do Brasil, dos períodos de 2014 a 2017. Em geral, os resultados não demonstraram evidências de melhoria na qualidade de auditoria após a adoção da ISA 700 revisada. Os honorários de auditoria também não apresentaram alterações estatisticamente significantes na comparação do período pré e pós adoção do novo requerimento. Assim, o estudo concluiu que, durante o período de quatro anos em torno da adoção dos novos requisitos, não houve evidências de aumento na qualidade da auditoria ou nos honorários dos auditores para as empresas de capital aberto no Brasil. O presente artigo amplia as discussões acadêmicas para o mercado de capitais brasileiro acerca das implicações da inclusão dos PAAs nos relatórios de auditoria, bem como na análise dos efeitos práticos da aplicação das normas expedidas pelos órgãos reguladores.

O texto completo está aqui

23 maio 2024

O poder do incentivo

Uri Gneezy e John List são dois dos economistas mais criativos da atualidade. Ambos desenvolveram pesquisas experimentais, algumas com foco comportamental. Os trabalhos abrangem campos como discriminação, educação, caridade, competição, entre outros. O livro é uma compilação de algumas pesquisas que eles realizaram, além de pesquisas de colegas da área. Em muitos casos, o resultado é polêmico, como é o caso do estudo de sociedades matriarcais e patriarcais para tentar entender a competição e a discriminação de gênero. Nesse caso específico, os autores concluíram, ao estudar os Khasi, que as mulheres podem ser tão competitivas quanto os homens, desde que existam incentivos culturais. Também estudaram como melhorar a educação através de algo que os professores geralmente não gostam: incentivos.


Na verdade, a obra é sobre incentivo. O título, “Tudo tem um motivo”, reflete exatamente isso. Com o incentivo correto, crianças pobres podem alcançar as ricas em termos de desempenho acadêmico. E a discriminação econômica é a principal discriminação nos dias de hoje. Bom, isso é muito polêmico e leva os autores a rejeitarem as políticas de ações afirmativas como adequadas para os dias atuais. Exatamente por incomodar, por tirar nossas crenças do lugar comum, o livro é importante e merece ser lido. Sem preconceito e sem achar, antes de ler, que os autores são isso ou aquilo. São cientistas que estão buscando soluções adequadas para o mundo.

OpenAI e Johansson

Quando a OpenAI revelou a última versão do ChatGPT na semana passada, um chatbot que pode ouvir perguntas faladas e responder verbalmente, muitos usuários tiveram uma pergunta: É a Scarlett Johansson?



A atriz, que forneceu a voz para uma assistente de IA no filme “Ela” (Her)", agora deixou claro que não fez o mesmo para a OpenAI — e exigiu que a empresa parasse de usar a voz semelhante à dela. É mais um sinal de confiança em erosão na OpenAI, que tem sido criticada por indústrias criativas e ex-funcionários.

"Fiquei chocada, irritada e em descrença," disse Johansson em um comunicado ontem, dias depois do anúncio do produto da OpenAI, que iniciou um debate sobre uma das novas vozes de assistente virtual do ChatGPT, chamada Sky. A empresa não confirmou quem forneceu as vozes, embora Sam Altman tenha tacitamente incentivado a comparação, promovendo o anúncio com uma única palavra — "ela" — nas redes sociais e escrevendo que o novo ChatGPT “parece uma IA dos filmes.” (A diretora de tecnologia da OpenAI, Mira Murati, disse que foi uma coincidência.)

Em seu comunicado, Johansson esclareceu mais sobre o assunto:

No último setembro, recebi uma oferta de Sam Altman, que queria me contratar para dar voz ao sistema atual do ChatGPT 4.0. Ele me disse que sentia que, com minha voz, eu poderia preencher a lacuna entre as empresas de tecnologia e os criativos e ajudar os consumidores a se sentirem confortáveis com a mudança sísmica em relação aos humanos e a IA. Ele disse que sentia que minha voz seria reconfortante para as pessoas. 

Altman tentou novamente dois dias antes do anúncio do produto ChatGPT, acrescentou ela, mas lançou o serviço antes que pudessem se conectar. Johansson — que não é estranha a batalhas contra grandes empresas — sugeriu que estava pronta para tomar medidas legais.

A OpenAI recuou. Enquanto Altman disse, após a declaração de Johansson, que o ator por trás da voz de Sky havia sido escalado antes de ele entrar em contato com a estrela de cinema, sua empresa estava pausando o uso de Sky.

"Pedimos desculpas à Sra. Johansson por não termos comunicado melhor," acrescentou.

A disputa é mais um sinal de confiança em erosão na OpenAI. Johansson explicitamente vinculou sua disputa à luta contra “deepfakes e a proteção de nossa própria imagem, nosso próprio trabalho, nossas próprias identidades.” (Embora a disputa, neste caso, fosse sobre uma voz semelhante, e não sobre uma cópia gerada por IA.) 

E a controvérsia surgiu após alguns ex-funcionários da OpenAI acusarem publicamente a empresa de se importar mais em fazer negócios do que em garantir que seus produtos não prejudiquem a humanidade.