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28 outubro 2023

Analfabetismo contábil

 Do livro Ignorância, de Peter Burke:

No mundo das finanças, expressões como "educação financeira" e "educação contábil" se tornaram comuns. A Accounting Literacy Foundation (Fundação pela Educação Contábil), que foi criada em 1982 e se tornou uma fundação em 2020, define essa forma particular de instrução como "a capacidade de ler, interpretar e comunicar uma situação ou evento financeiro, normalmente refletida nos cinco elementos do balanço patrimonial e no demonstrativo de renda [sic, da tradução para o português]: receita, patrimônio líquido, passivo, ativo e despesa" [36]

O que nos interessa aqui é o inverso, o analfabetismo contábil e suas consequências, tanto para pequenas empresas que não tem condições de contratar um especialista financeiro quanto para pessoas comuns que planejam sua aposentadoria. Nesse último caso, já se observou que "as mulheres são menos educadas financeiramente do que os homens" e que "os jovens e os idosos são menos educados financeiramente do que as pessoas de meia-idade". [37]

Quando voltamos no tempo, observamos que foi a necessidade de registrar o armazenamento e o fluxo de mercadorias que levou à invenção da escrita em tábuas de argila, na antiga Babilônia. Instruções para se fazer a contabilidade partidas dobradas (débitos de um lado, créditos do outro) podem ser encontradas em manuais para comerciantes na Itália a partir do século XV [sic. Na verdade foi já no final dos anos 1200] e, mais tarde, para chefes de família em muitas cidades europeias. Por outro lado, governantes como Filipe II (discutido no capítulo onze) e sua nobreza se contentavam em ser analfabetos em contabilidade, ao passo que a maior parte da população rural da Europa ainda não sabia nem mesmo ler e escrever no ano 1800. 


No século XIX, os contadores emergiram como uma profissão à parte, enquanto a contabilidade se tornou mais complexa, um processo que vem sendo continuado desde então. [38] Já inclusive se cogitou que a contabilidade é, em si mesma, "uma tecnologia da ignorância". Por exemplo, um estudo de dezessete escândalos de corrupção na Itália relatados entre 2014 e 2018 concluiu que "a contabilidade desempenha um papel importante na produção e na sustentação da ignorância". [39] Contrariamente a isso, pode ser argumentado que, seguindo a analogia do pensamento que diz "as estatísticas não mentem, os estatísticos, sim", a contabilidade não mente, enquanto indivíduos e empresas podem mentir e efetivamente mentem nos balanços. O preço do analfabetismo contábil é a incapacidade de detectar essas mentiras. 

[36] www.accountingliteracy.org/about-us.html. Acesso em 13 de maio de 2022 

[37] Annamaria Lusardi e Olivia S. Mitchell. ´Financial Literacy Around the World'. Journal of Pension Economics and Finance 10 (2011), 497-508

[38] Jacob Soll, The Reckoning: Financial Accountability and the Making and Breaking of Nations (Londres, 2017)

[39] Daniela Pianezzi e Muhammad Junaid Ashraf, "Accountin for Ignorance", Critical Perspectives on Accounting (2020)

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