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28 junho 2023

Nova Estrutura Conceitual do IFAC para o setor público

O IFAC, em maio de 2023, divulgou uma alteração na estrutura conceitual para o setor público. O documento que apresenta os elementos das demonstrações financeiras tem 40 páginas, enquanto o documento que aborda as considerações sobre o processo de mensuração possui 175 páginas. Neste texto, iremos analisar somente o primeiro documento, destacando seus principais elementos.

Inicialmente, o IFAC considera seis elementos nas demonstrações financeiras: ativo, passivo, receita, despesa, contribuição do proprietário e distribuição do proprietário. Portanto, não há uma definição separada para o patrimônio líquido, seguindo a mesma lógica da estrutura anterior. Além disso, não existe uma categoria "separada" para superávit e déficit, os quais serão abordados posteriormente.

Ativo:

Anteriormente, o ativo era definido como um recurso controlado no presente pela entidade como resultado de um evento passado (do livro "Teoria da Contabilidade", quarta edição, p. 214). Na proposta apresentada, o ativo é um recurso atualmente controlado pela entidade como resultado de eventos passados. Ou seja, a definição continua essencialmente a mesma.

Conforme mostrado no capítulo sobre ativo do livro "Teoria da Contabilidade", há três elementos principais na definição mais conhecida de ativo: a capacidade de gerar riqueza no futuro, decorrente de um evento passado e controlado atualmente pela entidade. Portanto, na definição clássica de ativo, temos o passado, o presente e o futuro. No entanto, existe uma vertente da teoria que contesta a necessidade do evento passado, dando maior destaque à capacidade do ativo em gerar riqueza.

No caso de uma entidade pública, essa capacidade não recebe tanto destaque, uma vez que existem ativos no setor público cuja finalidade não é gerar riqueza. No entanto, a definição mantém o termo "recurso", embora não o qualifique como "econômico". Isso diferencia a definição da proposta recente do IFR4NPO, que considera um ativo como um recurso econômico presente, controlado pela ONG, como resultado de eventos passados.

Portanto, para o setor público, um ativo é um recurso atualmente controlado pela entidade como resultado de eventos passados. Assim como ocorreu na estrutura conceitual do setor privado, que no Brasil recebeu a denominação "CPC 00", é necessária uma definição de recursos. Na estrutura do IFAC, um recurso é um direito tanto ao potencial de prestação de serviços quanto à capacidade de gerar benefícios econômicos, ou um direito a ambos. Essa definição não muda substancialmente em relação à estrutura anterior.

Em termos de redação, há duas mudanças. A primeira foi a colocação do termo "eventos passados" no plural. Isso parece ser um detalhe sem importância. Há outra diferença no fato de o termo "presente" estar vinculado ao controle, no setor público, enquanto seu vínculo maior, na definição da IFRS, é com o recurso econômico. Portanto, a definição final é a seguinte: recurso é um direito tanto ao potencial de prestação de serviços quanto à capacidade de gerar benefícios econômicos, ou um direito a ambos.

No entanto, é importante observar que existem três componentes principais na definição de recurso: direito, potencial de serviço e benefício econômico, e controle atual decorrente de eventos passados. Vamos abordar cada um deles na ordem.

Os direitos podem estar associados ou não a uma obrigação da outra parte. Por exemplo, um direito que envolve uma obrigação da outra parte é o direito de receber dinheiro, bens ou serviços. Mas há direitos que não correspondem a uma obrigação da outra parte, como os direitos sobre propriedades. A mera existência do direito não garante que um item seja considerado um ativo. Isso também é válido para uma entidade privada. É necessário que a definição completa de ativo seja atendida, e não apenas parte dela. Em outras palavras, um ativo precisa ser um direito, mas também deve ter potencial de serviço ou benefício econômico e ser controlado pela entidade. Portanto, um direito que está disponível para todas as pessoas sem custo significativo, como o acesso a certos bens públicos ou conhecimento de domínio público, não é considerado um ativo.

Um mesmo ativo pode dar origem a vários "direitos". Por exemplo, a propriedade de um terreno pode gerar o direito de vendê-lo, o direito de usar o imóvel ou o direito de oferecê-lo como garantia. No entanto, para fins contábeis, o ativo é tratado como único. Na verdade, o que caracteriza o terreno como ativo são exatamente esses conjuntos de direitos, e não o objeto físico em si. Isso é destacado adequadamente na estrutura do IFAC.

O segundo elemento é o potencial de serviço do ativo. No setor público, isso significa fornecer serviços que ajudem a alcançar os objetivos da entidade. Ao contrário do setor privado, não é necessário gerar fluxo de caixa. Por exemplo, a construção de um parque é um ativo que não gerará fluxo de caixa, mas pode atender aos objetivos do setor público. O mesmo ocorre com serviços comunitários, segurança pública, entre outros.

A prestação do serviço pode ocorrer em atividades em que não há interesse do setor privado. Apesar dessa característica, nada impede que o setor público tenha ativos que geram entradas de caixa. Aqui, faço uma ressalva ao documento, que manteve o conceito de benefício econômico no título e no item 5.10. Embora os itens anteriores parecessem deixar claro que a produção de benefício econômico não é a essência do ativo no setor público, a presença desse termo no título e em um item específico torna o texto confuso.

O terceiro elemento do ativo é o fato de ser controlado atualmente pela entidade como resultado de eventos passados. Isso significa que a entidade deve ter a capacidade de usar o recurso para obter o potencial de serviço. A questão do controle pode envolver não apenas os ativos que estão dentro do escopo da entidade, mas também aqueles em que existe questionamento sobre o controle.

Determinar o controle de um ativo envolve verificar a propriedade legal, o acesso ao recurso, o uso do recurso para alcançar os objetivos e a existência de um direito.

O IFAC considera, assim como a Fundação IFRS, que é necessário que esse controle seja decorrente de uma ou mais transações ou eventos que ocorreram no passado. Um aspecto específico do setor público é que um ativo pode surgir de uma transação não comercial, como o exercício de poderes soberanos. Isso inclui, por exemplo, o poder de emitir uma licença para um terceiro. Quando o setor público concede a uma empresa a possibilidade de explorar a telefonia celular, isso representa um poder específico do setor público, que pode ser considerado um ativo caso seja usado.

Nesse caso, o setor público deve ter a capacidade de estabelecer uma lei ou criar um direito reconhecido que possa resultar na obtenção de recursos futuros.

Em resumo, a definição do ativo para o setor público manteve a essência da Estrutura Conceitual do Iasb. Talvez fosse interessante observar a definição do Fasb: ativo é um direito presente a um benefício econômico. Caso fosse necessária uma adaptação para o setor público, talvez pudesse considerar o ativo como sendo um direito presente a um serviço potencial.

Passivo

Na estrutura anterior, o passivo estava definido como sendo uma obrigação presente, derivada de um evento passado, cuja extinção deva resultar na saída de recursos da entidade. Assim como no ativo, a definição nova sofreu alterações sutis. Senão, vejamos: passivo é uma obrigação presente da entidade de transferir recursos, como resultado de eventos passados. Permanecemos com o triângulo do passado (eventos), presente (obrigação) e futuro (transferir recursos). Assim, a crítica da definição ser redundante – afinal, se a obrigação é presente isto decorre de um evento passado – não foi considerada aqui. É bom lembrar que o Fasb já fez esta eliminação.

Duas pequenas alterações que passariam despercebidas. A primeira é a troca do termo “saída de recursos” por “transferir recursos”, que parece ampliar o escopo do conceito. Uma concessão talvez não seja, na sua essência, uma saída de recursos. A segunda pequena alteração é o plural para eventos passados.

Vamos começar analisando o fato do passivo ser uma obrigação. É importante salientar que um passivo pode ser exigido por lei. Entretanto, há o poder soberano, onde o governo pode criar, alterar ou revogar disposições legais. Neste sentido, há autores – vide o livro de Teoria, nos seus exercícios – que lembram deste fato para indicar que a existência de um passivo no setor público não é relevante. A EC considera que a figura do poder soberano não é suficiente para excluir uma obrigação em razão de não atender à definição de passivo. Esta parte da EC ainda não conseguiu resolver algumas questões como a existência de uma obrigação, na constituição, de que o governo deva assumir certos passivos, embora na prática o faça. Neste caso, a constituição já seria suficiente para reconhecer o passivo?

O texto da EC do IFAC realmente é confuso na questão das obrigações, criando termos como “obrigações não legalmente vinculativas” e “obrigações legais”. O primeiro termo considera que a outra parte não pode tomar medidas legais para exigir a liquidação, ao contrário das obrigações legais.

O segundo aspecto da definição de passivo é a transferência de recursos da entidade. Para isto é necessário que se exista algo que possa exigir da entidade o ato de transferir recursos. Não há aqui uma necessidade associada a uma probabilidade. A EC evita esta discussão considerando que existe um passivo mesmo que a chance seja reduzida. Isto seria objeto das orientações sobre o reconhecimento e mensuração, mas não estaria vinculada à definição.

A transferência de recursos pode ocorrer através do pagamento em dinheiro, do fornecimento de serviços, entre outros. Uma das hipóteses prevista na EC é a possibilidade da transferência seja através de troca de recursos em termos desfavoráveis. Isto parece muito estranho, pois admitir, na definição do passivo, esta possibilidade parece perigoso para qualquer governo que adote o texto da estrutura do IFAC.

Uma forma possível de liquidar um passivo, também existente em uma entidade do terceiro setor, é através da liberação da obrigação. Mas também é possível transferir a obrigação para terceiro ou substituir por outra obrigação.

Finalmente, o passivo está vinculado ao passado. Isto pode surgir em diversos momentos do tempo como durante as eleições, no anúncio de um programa de governo, na aprovação do orçamento, entre outros momentos. Ou seja, deve existir uma responsabilidade por parte do setor público em cumprir com a obrigação.

Conforme afirma o texto da EC, o momento em que a obrigação gera uma responsabilidade para o setor público irá depender da natureza da obrigação. Basicamente, a entidade pública não deve ter muitas formas de evitar que a obrigação seja cumprida. Uma promessa eleitoral talvez não seja motivo suficiente para a existência do passivo. Mas em alguns casos, este anúncio pode ter tanto apoio, que há pouca opção ao governo na sua desistência.

Após a definição do passivo, a EC do IFAC apresenta uma novidade, em termos do documento: conceito e aplicação de unidade de conta.

Unidade de Conta

De uma maneira simplificada, a unidade de conta é o ativo ou passivo onde os critérios de reconhecimento e mensuração são aplicados. Apesar da definição – a EC não aborda isto, o reconhecimento e a mensuração serem independentes, a escolha da unidade de conta é influenciada pela relevância e representação fiel das informações. É importante lembrar que estes dois elementos (relevância e representação fiel) são dois elementos desejados da informação, conforme definido no próprio documento.

Também neste item, a EC chama a atenção para um termo técnico, que não possui correspondente razoável em língua portuguesa: offsetting de ativos e passivos. Esta é uma situação onde ativo e passivo são reconhecidos e mensurados em contas separadas, mas agrupados, para fins de evidenciação no balanço patrimonial, em um único valor. Significa classificar itens diferentes juntos, não sendo recomendado. Isto é diferente de considerar um ativo e um passivo dentro de uma única conta.

É interessante notar que este tópico, apesar de estar logo após a definição de ativo e passivo, também se refere às receitas e despesas. Aqui parece que o documento foi infeliz em posicionar o tema. Além disso, não consigo deixar de pensar que a escolha de discutir este tema extrapola uma estrutura conceitual, sendo um elemento muito mais operacional.

Patrimônio Líquido ou melhor Posição Financeira Líquida

Na EC do Iasb há um momento onde apresenta-se a definição de patrimônio líquido. Bom, chamar o texto de definição talvez seja muito. É muito mais o anúncio de que o patrimônio líquido é fruto de uma equação. Na EC do IFAC há um item chamado de posição financeira líquida, outros recursos e outras obrigações.

A posição financeira líquida – leia-se patrimônio líquido – refere-se a diferença entre ativos e passivos, após adicionar outros recursos e subtrair outras obrigações reconhecidas no balanço patrimonial. Parece diferente do conceito do patrimônio líquido. O que seriam estes outros recursos e outras obrigações? Em termos bem simples é o recurso ou obrigação que não atende a definição existente na estrutura conceitual, mas o que o IPSASB entende que seja importante reconhecer nas demonstrações financeiras. E isto pode acontecer quando for desenvolvida ou revisada uma norma.

Assim, temos outro conceito: a posição financeira líquida é a diferença entre ativos e passivos, após adicionar outros recursos e deduzir outras obrigações reconhecidas no balanço patrimonial.

Antes de prosseguir, é importante salientar que a EC já tinha esta figura de outros recursos e outras obrigações. Mas há acréscimos na EC para elucidar melhor a questão. Entretanto, não podemos deixar de admitir que esta opção afasta a contabilidade do setor público das demais entidades.

Vamos agora tratar da Receita e Despesa.

Receita e Despesa e Resultado

Não ocorreu nenhuma mudança na definição da receita e da despesa. A rigor não temos uma definição aqui, mas simplesmente algo resultante da famosa equação contábil: Ativo = Passivo mais Situação Financeira. Assim, a receita é algo que será somado na situação financeira e a despesa é algo que será subtraído. Ou conforme a estrutura conceitual, receita é o aumento na posição financeira líquida da entidade, excluindo aumentos decorrentes de contribuições de proprietários. Despesa é a diminuição na posição financeira líquida da entidade, excluindo diminuições decorrentes de distribuições aos proprietários.

(Uma curiosidade aqui é que o texto do IPSAS usa o termo “Revenue”, ao contrário da EC do Iasb que usa o termo “Income”. Ponto para o IFAC)

Apesar das definições serem oriundas da equação básica, acho que esta escolha sábia. Afinal, quanto mais simples, melhor. No Fasb a definição contempla a origem da receita e despesa. Isto ficou de fora da definição da EC do setor público do IFAC. Mas logo a seguir, o texto informa que tanto a receita quanto a despesa podem surgir de transações de troca e não troca, eventos como aumentos e diminuições não realizados no valor de ativos e passivos e consumo de ativos (como depreciação).

E como seria de esperar, o resultado, denominado aqui de superávit ou déficit do período, será obtido pela diferença entre a receita e a despesa – ambos termos no singular – do período e como apresentada na demonstração do desempenho financeiro.

Contribuições e Distribuições dos proprietários

Fiz uma tradução pessoal aqui. O documento usa o termo "Ownership”, que corresponde à propriedade. Conforme a wikipedia, "is the state or fact of legal possession and control over property, which may be any asset, tangible or intangible". Mas isto me pareceu muito estranho, assim como é estranho a adaptação que fiz aqui. Afinal estamos falando do setor público, onde a figura do proprietário não deveria existir.

Mas minha escolha está coerente com o texto da atual estrutura (a NBC-TSP de setembro de 2016) que usa “contribuição dos proprietários e distribuição aos proprietários”. Esta expressão está lá na definição de receita e despesa do CPC 00 e aqui também. Um exemplo grosseiro dos dois seria o aumento de capital e os dividendos.

Mas a estrutura do setor público diz que as contribuições “são entradas de recursos em uma entidade, fornecidas por partes externas na qualidade de proprietários, que estabelecem ou aumentam a participação na posição financeira líquida da entidade”. E as distribuições seriam o oposto, ou seja, “são saídas de recursos da entidade, distribuídas a partes externas na qualidade de proprietários, que reduzem a participação na posição financeira líquida da entidade”.

Além dos exemplos citados dois parágrafos antes, a transferência de ativo ou passivo entre entidades do setor público estaria nesta condição.

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