O primeiro curso de Administração da Europa
A Aula do Commercio foi a primeira Business School! E a ideia veio de uma província ultramarina paupérrima em conhecimentos de gestão.
Claudio de Moura Castro, O Estado de S.Paulo - 07 de novembro de 2021
O fascínio da História é que alterna o previsível com desfechos que ninguém esperava. Nunca se sabe quando o óbvio não acontece e somos brindados com surpresas.
Dos cursos superiores que andam por aí, o de Administração é o campeão de matrícula. Por que não surgiu em países de comerciantes, como Inglaterra, França ou Holanda? Em vez disso, apareceu em Portugal, um país mal preparado para o comércio (*). Não foi por acaso.
Na Idade Média tardia se estruturaram as corporações de ofício, nas quais o mestre preparava seus aprendizes. Assim se formou mão de obra para tudo, incluindo operar no comércio.
Portugal sempre foi um país de grandes bravuras nas guerras e competência nas navegações. Porém, sua nobreza vacilante e atrasada não dominava os conhecimentos de como organizar empresas e como gerir sua contabilidade. Os aprendizes não aprendiam os ofícios comerciais, por não haver mestres que os dominassem – o clássico círculo vicioso. Havia até que trazer contadores de fora.
Agressivo e disposto a passar Portugal a limpo, o Marquês de Pombal despontava como o grande estadista da época. O vice-rei do Grão Pará, Mendonça Furtado, era seu irmão, com quem se correspondia. Iniciavam-se as cartas com a saudação: “Ilmo. e Exmo. Sr. Meu irmão do meu coração”.
Mas o vice-reinado estava falido. O comércio estagnava, os comerciantes não sabiam as noções mais elementares de contabilidade. Ademais, já saíam as primeiras faíscas de um monumental curto-circuito com os jesuítas locais.
Diante da crise profunda, ocorre a ele sugerir ao irmão que se criasse uma escola para ensinar as artes do comércio. Ouvidos atentos, Pombal (ainda Conde de Oeiras) resolve criar a Aula do Commercio.
Apoiado por quem sabia do assunto, foi, então, estruturado o primeiro curso de práticas comerciais e contábeis, muito concreto e com os pés no chão. A escolástica e as teologias nefelibatas da Universidade de Coimbra podiam ter seu lugar, mas não ajudavam na contabilidade.
Começava com regra de três, conversão de medidas e valores de divisas. Seguia com o método das partidas dobradas e prática comercial. Curiosamente, grande ênfase era dada à caligrafia. Boas contas e bela caligrafia eram o esperado. O curso durava três anos, com quatro horas de aulas diárias. Um ano a menos que um curso atual da mesma área.
Para contornar a precariedade empresarial e administrativa da aristocracia portuguesa, o curso mobiliza a pequena burguesia do país, mais ambiciosa e à busca de canais de mobilidade. De fato, acorrem a ele jovens com menos brasões e mais energia. Com seu sucesso, tornam-se “comendadores empatacados” e fazem visível a sua riqueza. Vale mencionar, o rei assistia às provas finais, tal qual veio a fazer o seu bisneto, Pedro II, ao assistir às provas do colégio que hoje tem seu nome.
Na França, os graduados da École Nationale de Administration – os notórios “énarques” – por muitos anos supriram os quadros administrativos do país. A Aula do Commercio teve o mesmo papel. O comissariado dos navios recrutava seus graduados. Para a administração do país, seus conhecimentos favoreciam a contratação.
É de crer que o grande salto do país naquele momento teve substancial ajuda da competência profissional desta nova classe. Afinal, havia que administrar as Companhias então criadas. Testemunha a solidez da ideia, meio século depois, o Brasil reivindicar e conseguir uma escola semelhante.
Vejam só, a Aula do Commercio foi a primeira Business School! E a ideia veio de uma província ultramarina paupérrima em conhecimentos de gestão. Esse pioneirismo dos atrasados encontra paralelo em outros países que quiseram andar mais depressa do que daria conta o estoque de profissionais competentes. Para ombrear-se com a Inglaterra, o grande salto industrial da Alemanha de Bismarck foi amplamente apoiado pela criação de cursos técnicos superiores. O nosso Senai foi uma resposta à vibrante industrialização que tomou corpo na Segunda Guerra. Faltavam bons mestres para formar o exército de operários industriais que as empresas demandavam. Não é por acaso que foram os industriais paulistas que lutaram pela criação deste modelo escolarizado de formação profissional.
Quem ficou para trás e quer recuperar o terreno perdido busca soluções alternativas e mais rápidas. No caso de Portugal, era preciso criar uma formação escolarizada, por meio da qual alguns professores pudessem preparar muitos aprendizes de gestão.
Assim caminha a História. Tem suas regularidades, mas também nos surpreende com o inesperado. Até o livro citado traz algumas surpresas. A denúncia nos jornais da compra de documentos públicos por um particular motiva a visita do Presidente da Xerox ao historiador. Do encontro nasce o patrocínio para a sua produção.
(*) O presente ensaio se vale do livro ‘A Aula do Commercio’ (Rio de Janeiro: Xerox, 1982), escrito por meu avô, Marcos Carneiro de Mendonça.
É chamativo afirmar que Portugal teve a primeira escola de "business" do mundo. Não sei se isto seria verdadeiro, já que em muitos países o ensino dos negócios também era praticado. Como já comentamos aqui, a criação da Aula do Commercio foi para suprir um atraso, provocado pelos próprios portugueses. Entre os países europeus, Portugal foi um dos últimos a "traduzir", ou seja, adotar, as partidas dobradas. Já comentamos aqui.
Mas isto, obviamente, não impede de reconhecer a relevância da Aula do Commercio. Se algum leitor tiver uma cópia do livro e puder dispor, agradeço.
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