Quanto vale um aluno de medicina? Para os grandes grupos do ensino superior privado, o cheque fica em torno de R$ 1,4 milhão. Esse foi o preço médio por vaga pago em 13 aquisições de faculdades médicas no Brasil nos últimos 12 meses até agosto.
O dado compõe um estudo da Ondina Investimentos, boutique de fusões e aquisições e dívida estruturada, no Recife. Ele reflete a corrida das companhias educacionais para consolidar os cursos de medicina, caracterizados por baixíssimas evasão e inadimplência - e elevadas mensalidades.
O múltiplo milionário parece alto à primeira vista, mas fica ainda mais assombroso quando comparado ao que tem se pagado por vaga de aluno em aquisições de outros cursos privados [1]. A partir da derrocada do Fies, de 2015 para cá, os compradores desembolsaram apenas R$ 13 mil, na média, por vaga de curso superior (excluindo medicina), mostra levantamento com 15 transações [2].
Segundo estimativa da Ondina, cada vaga de medicina representa cerca de R$ 2,9 milhões do valor de mercado dos grupos educacionais na bolsa de valores [3]. O cálculo considerou o montante de R$ 20 mil para cada vaga dos demais cursos na B3.
A maior parte da transações recentes (70%) na área médica ocorreu no Norte e Nordeste. “São regiões em que há um déficit de médicos, especialmente no interior”, afirma Arthur Machado, sócio-fundador da Ondina.
Embora concentre 27,6% da população brasileira, o Nordeste conta apenas com 17,8% dos médicos do país. No Norte, onde vive 8,6% da população, a quantidade de médicos é 4,6% do total nacional. Enquanto isso, o Sudeste tem, sozinho, mais da metade dos médicos (54,1%) brasileiros e 42% da população. A região tem, com isso, 2,8 médicos para cada 100 mil habitantes. No Nordeste, esse múltiplo é de apenas de 1,4 para cada 100 mil habitantes e, no Norte, de 1,2. Para Machado, por conta da escassez de médicos, a tendência é que o MEC priorize a abertura de vagas no Norte e Nordeste. Mas o processo pode ser lento: nos últimos anos, a liberação de novos cursos de medicina demorou, na média, 11 anos, conta um empresário do setor. [4]
As mensalidades nas faculdades médicas giram em torno de R$ 8 mil, com diferenças pouco significativas entre as regiões. “São negócios com boa margem e resilientes”, diz Machado. [5]
Especializada em educação para o setor de saúde, a Afya comprou no último ano 691 vagas de medicina, em cinco transações, sendo duas no Pará e as outras em Rondônia, Paraíba e Rio. A empresa, que captou R$ 1,1 bilhão em IPO na Nasdaq um ano atrás, é a que tem sido mais agressiva nas ofertas. No mês passado, a Afya chegou a pagar R$ 2,4 milhões por vaga de medicina na aquisição da Faculdade de Ciências Médicas da Paraíba, em transação de R$ 380 milhões. "Variáveis como valor da mensalidade e maturação do curso refletem diretamente no preço de aquisição", afirma Machado
Na maratona de aquisições do último ano, a Ânima veio logo atrás da Afya, com a compra de 522 vagas, em quatro transações: duas na Bahia, uma em Santa Catarina e outra em Minas Gerais. No mesmo período, a Yduqs adquiriu 410 vagas no Piauí, Acre, Rondônia e Mato Grosso, enquanto a Ser Educacional comprou 75 vagas em Rondônia.
Em março, a Cruzeiro do Sul comprou a Universidade Positivo, no Paraná, que atua no ramo, mas o número de vagas de medicina não foi divulgado.
Com relativo atraso, a Cogna (dona da Kroton), maior empresa do setor educacional no Brasil, passou a olhar ativos de medicina. A empresa já atua na graduação de médicos, com quatro faculdades, mas sua exposição ao segmento é baixa em relação ao seu tamanho.
Por conta da disparada nas provisões para inadimplência, a Cogna reportou prejuízo de R$ 454 milhões no segundo trimestre. Negociadas abaixo do valor patrimonial atualmente, as ações da empresa refletem a descrença dos investidores em um modelo de negócio dependente do Fies.
O presidente da companhia, Rodrigo Galindo, disse a investidores e analistas que a empresa vai avaliar a aquisições de cursos “premium” em 15 áreas, incluindo, além de medicina, odontologia e medicina veterinária. Paralelamente, a Cogna vai reduzir sua operação de ensino presencial nos demais cursos, migrando os mais básicos para ensino a distância, onde obtém melhores margens.
Aluno de medicina vale R$ 1,4 milhão - Sem Fies, companhias buscam aquisição de faculdades médicas de olho na resiliência do negócio - Por Marina Falcão — Do Recife - Valor Econômico - 4 de setembro de 2020
[1] Sobre isto, vide um estudo de Silva e Fernandes aqui
[2] O Fies não é a única variável que afeta o número.
[3] Esta frase não ficou claro. Parece que cada nova aquisição de vagas em cursos de medicina, o valor da empresa aumenta neste montante. Mas em alguns casos, a aquisição de uma instituição de ensino significa mais de um curso; como foi feita a separação entre os montantes? Mais, há sempre outros fatores que podem afetar o valor.
[4] Isto torna a venda da instituição bem atrativa. Recentemente, o MEC tentou abrir editais em localidades sem o curso de medicina. O processo foi coordenado pela FGV [leia-se, foi contratada por muito dinheiro] e incluía uma análise econômico-financeira das empresas. Foi um problema, já que isto tornou o resultado controverso em razão da qualidade do modelo usado. O caso chegou ao TCU, que pediu esclarecimentos ao MEC.
[5] Veja que isto é um diferencial. Corresponde ao ticket médio do aluno. Além disto, o nível de abandono deste curso é muito reduzido. Outro ponto, a pressão do CRM impede a abertura de cursos novos, valorizando ainda mais as vagas existentes.
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