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31 agosto 2020

Desempenho do Semestre - Melhor do que o esperado - 2

 Na continuação da postagem anterior, uma tentativa de explicação do desempenho das empresas brasileiras:

Fenômeno contábil

A grande questão, diante desses números, é o que levou à queda dos lucros das empresas, se a receita líquida operacional foi positiva no semestre, mesmo sem a JBS e a Marfrig? A resposta, de acordo com os analistas, está na alta do dólar. 

Sequeira diz que, embora muitas das empresas abertas sejam exportadoras, beneficiando-se da alta da moeda americana, grande parte também tem dívidas dolarizadas. Em tese, uma coisa estaria “casada” com a outra e não traria grandes impactos contábeis [1]. Mas, pela legislação, elas são obrigadas a atualizar a dívida nos balanços pelo dólar de 30 de junho, que tinha acumulado uma alta de 36% no semestre [2].

Enquanto as receitas em dólar das exportações virão com o tempo, à medida que as vendas forem efetuadas, os valores da dívida em reais têm de ser atualizados na data de fechamento de cada balanço. “A empresa não tira efetivamente aquele dinheiro do caixa e, muitas vezes, a dívida em dólar nem muda, mas em reais ela cresce muito e isso acaba ‘comendo’ o resultado operacional e transita para o lucro”, afirma Sequeira [3].

A queda no lucro líquido das empresa abertas no primeiro semestre, portanto, foi mais um fenômeno contábil, que mostrou um quadro mais grave do que ele era [4]. Para José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, o lançamento das dívidas em dólar pela cotação atualizada é uma operação semelhante às provisões feitas pelos bancos para cobrir eventual inadimplência dos clientes. “Essa provisão só vai se transformar em algo real se o devedor não pagar. Se ele pagar, parte dela vira lucro”, diz. “Quando chegar a hora de pagar, o impacto no caixa poderá ser muito menor.” [5]

Juro baixo

Em relação à diminuição dos juros, Sequeira diz que, no geral, o impacto nos balanços das empresas abertas é positivo, porque eles estão endividadas numa relação de 1,5 vez as receitas antes das despesas financeiras, dos impostos e da depreciação e amortização (Ebitda) [6]. “Uma parte da melhora do lucro nos últimos anos tem vindo da redução da despesa financeira, porque as empresas estão gastando menos com juros.”

Na visão de Adriano Pitoli, o impacto da redução dos juros, hoje em 2% ao ano [7], nível mais baixo da história, ainda é uma incógnita. Segundo ele, isso explica em boa medida a alta nas vendas de máquinas industriais, já refletida na receita operacional líquida do setor. “Se a taxa de juros é 7% ao ano e eu sei que uma máquina nova tem maior produtividade que uma usada em, digamos, 10%, não troco a máquina porque a conta não fecha”, afirma. “Agora, se o juro é 2% ou 3% ao ano, faço um cálculo financeiro simples e vejo que vale a pena comprar. Pago o financiamento só com o aumento de produtividade da máquina.” Se tal movimento se consolidar, será uma mudança considerável para o País.

[1] Infelizmente não é bem assim. Depende dos montantes. Se uma empresa possui receitas de US$100 e dívida de US$1, parece óbvio que o impacto da alta do dólar será favorável. Se for o contrário, seria desfavorável. 

[2] Isto também ocorre com a receita, que apesar de ser usufruída em dólar, será apresentada em real. Então não é a norma que faz este efeito, como o texto parece indicar. 

[3] Acho que ele quis dizer que a dívida em dólar pode variar ao longo do tempo, mas nem por isto significa um pagamento adicional para empresa, se a cotação do dólar for a mesma da data da captação e na data do pagamento. Acho que é isto. 

[4] Acusam a contabilidade sem entender o que significa. O lucro é lucro, baseado no regime de competência. Se eles tivessem olhado o fluxo de caixa das operações, poderiam até dizer algo mais adequado. Mas sem esta informação, a frase é superficial. 

[5] Isto confirma o item [3] acima? 

[6] Novamente depende. Para a maioria das empresas isto está certo. Mas não para bancos ou empresa com elevada aplicação financeira. 

[7] Há uma grande confusão aqui. Selic é taxa de juros básica; não significa que as empresas estão pagando 2%. Elas pagam a taxa de mercado, que deve ser Selic mais delta. Será que o "delta" diminuiu? 

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