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18 fevereiro 2020

City e o Fair Play

O Fair Play financeiro foi criado para tornar as competições esportivas mais equilibradas. Em alguns esportes, as regras limitam os salários dos atletas; em outras, a prioridade na contratação é dada para os clubes que tiveram pior desempenho no passado. Uma forma de conseguir o Fair Play financeiro é através da limitação dos gastos dos clubes, patrocinadores e atletas. Quando a Speedo desenvolveu um traje para seus nadadores, a proibição do uso da roupa em competições, que ocorreu logo depois, era uma forma de permitir que os atletas que não eram patrocinados pela marca tivessem chances em uma competição. Mais recentemente, um tênis desenvolvido pela Nike também foi proibido em competições de atletismo. O Fair Play financeiro evita que um time de futebol contrate os melhores atletas em razão do seu poder financeiro.

No caso do futebol, o Fair Play vai além do salário dos atletas e da contratação dos melhores por parte de um time. As regras procuram evitar que um grupo financeiro seja proprietário de mais de uma agremiação em uma competição; isto pode ajudar em não se ter uma combinação de resultados entre dois times de um mesmo proprietário.

Na sexta tivemos um fato bastante comentado relacionado com o Fair Play financeiro e a contabilidade. A entidade que regula o futebol na Europa, a Uefa, baniu um dos maiores times do continente, o Manchester City, de participar daquela que talvez seja a principal competição do futebol mundial, a Champions League. O Manchester City não poderá disputar a Champions League por dois anos em razão de dois motivos: (a) inflar as receitas de patrocínio; (b) não cooperar na investigação do caso.

No passado a Uefa impôs algumas regras para permitir um jogo justo no futebol europeu. A entidade estava preocupada com o endividamento excessivo de alguns clubes e da potencial redução da competitividade nos torneios. Neste último caso, mesmo em alguns países com longa tradição no futebol (caso da Alemanha e França), praticamente só existe um time (Bayer de Munique e Paris Saint-Germain). Para isto, a Uefa criou uma regra para impedir que um clube recebesse dinheiro de seu proprietário, mesmo com prejuízo. No passado, os donos injetaram recursos nos times, mesmo em situações de prejuízo. A regra da Uefa para o Fair Play é que os clubes não podem gastar mais do que recebem.

O Manchester City era um clube sem muita expressão continental até ser comprado pela família real dos Emiratos Árabes. Eles investiram muito dinheiro, contratando jogadores caros. Parte dos recursos veio do controlador. Mas em um determinado momento, as regras do Fair Play impediam o clube de receber mais recursos. O time fez um contrato de patrocínio com uma empresa aérea, a Emirates, que pagou pelo patrocínio de ter seu nome do estádio e na camisa do clube. O problema é que a empresa aérea também era do controlador e o valor pago foi muito acima do “valor justo”. Ou seja, foi colocado dinheiro no clube de maneira ilegal. Tudo leva a crer que o patrocínio de 67,5 milhões de libras

O que o Manchester City fez parece que foi grave já que a suspensão de participação de uma competição é considerada uma punição máxima. Além disto, o clube deve pagar uma multa de 30 milhões de euros, embora seja possível recurso.

Inicialmente a Uefa deu uma punição branda para o City: multa e algumas restrições. No passado, outros clubes receberam castigos pesados por parte da entidade. A punição inicial da Uefa foi leve. Mas um conjunto de e-mails apareceu e foi publicado pelo Dier Spiegel. Nas comunicações ficava claro a manipulação contábil por parte do City. O processo foi reaberto e daí surgiu a punição divulgada agora.

A segunda punição - A multa pela segunda punição é decorrente da atitude do clube inglês em relação a investigação. Conta-se que o presidente do clube afirmou ao então secretário-geral da Uefa “preferia gastar 30 milhões [em lugar de pagar uma multa] nos 50 melhores advogados do mundo para processar a Uefa nos próximos 10 anos”. Até o momento, o Manchester City não apresentou provas de que não ocorreu doping financeiro. Seu principal argumento é “perseguição”.

O que vai ocorrer - O City terá direito a recorrer, mas a decisão final deve sair em meados do ano, por conta da Champions 2020/21. As contas que foram analisadas não abrangeram até o último balanço publicado, o que significa que o clube pode ter mais punições e multas. Além do City, o PSG pode ser punido pelo mesmo motivo: a contratação de Neymar e Mbappé foi um claro desrespeito as regras da Uefa.

Efeitos colaterais - Além da multa, a punição pode gerar alguns efeitos colaterais. Jogadores podem tentar anular os contratos, alegando má conduta do clube e o técnico Guardiola pode deixar o clube. O clube também pode ser punido pela Premier League, o campeonato inglês, que possui outras regras, mas também pode ter sofrido a mesma “manipulação” da Uefa. Mais ainda, a atual punição cobre o período de 2012 a 2016; períodos posteriores podem ser analisados, com punições adicionais. Por exemplo, se o City for campeão da Champions, o título pode ser cassado.

Defesa do City - até o momento o City baseou sua defesa em uma perseguição da Uefa. Isto é pouco. Um argumento é que a Uefa usou material hackeado para processar o City. Mas basta uma análise na contabilidade do clube para confirmar ou não o material obtido pela imprensa. Como o processo deverá finalizar em meados do ano, mesmo assim, o City deverá continuar lutando - por exemplo, na justiça comum. É bom lembrar que o City aceitou as regras da Uefa antes de começar a competição; ele não foi forçado a fazer o que fez.

Efeito sobre o valor do City - A punição pode custar US$80 milhões em receitas para o clube em 2020, conforme estimativa conservadora da Forbes. A receita do clube é de 678 milhões de dólares, sendo 73 milhões por jogar a Champions. Segunda a revista, isto corresponde a uma perda de valor de quase 300 milhões de dólares. Dependendo do desempenho, a perda com a Champions seria entre 47 milhões a 102 milhões (se vencer o torneio).

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