No dia 20 de janeiro, o Banco de Compensações Internacionais (BIS, na
sigla em inglês), entidade baseada na Suíça e considerada “o banco
central dos bancos centrais”, divulgou um extenso documento no qual
alerta que as mudanças climáticas podem ser o gatilho de uma nova crise
financeira global. Segundo o BIS, esse risco está associado a eventos
não previstos, que a instituição chama de “cisnes verdes” — numa
analogia aos “cisnes negros”, o termo foi criado por Nassim Taleb,
ensaísta libanês radicado nos Estados Unidos, para se referir a eventos
improváveis com grande impacto. “Abordagens tradicionais de
gerenciamento de riscos, baseadas na extrapolação de dados históricos e
em suposições de normalidade, são amplamente irrelevantes para aferir os
riscos futuros relacionados ao clima”, diz o estudo, de coautoria do
brasileiro Luiz Awazu Pereira da Silva, ex-diretor de política econômica
do Banco Central do Brasil que desde 2015 ocupa o cargo de
vice-gerente-geral do BIS.
Riscos sistêmicos para a economia gerados por prejuízos decorrentes de
eventos como secas, enchentes e furacões justificam a preocupação. Um
estudo da consultoria McKinsey,
divulgado neste ano, afirma que até 2030 os 105 países pesquisados,
responsáveis por 90% da economia global, deverão enfrentar mudanças
ambientais, como aumento de chuvas e de pessoas expostas a calor
extremo. A Índia, um dos países mais expostos a elevação da temperatura,
pode ter de 2,5% a 4,5% do produto interno bruto em risco dentro de dez
anos se o cenário se mantiver. O estudo também alerta que as reservas
do setor de seguros são insuficientes para arcar com os prejuízos
materiais caso a ocorrência de situações extremas continue a crescer no
ritmo atual. (...)
A ideia de usar o poder dos bancos centrais para conter as emissões
ganhou um tom de urgência agora, mas já vem sendo discutida há alguns
anos. “É uma estratégia incomum, mas que pode funcionar”, afirma Sérgio
Werlang, assessor da presidência da Fundação Getulio Vargas e ex-diretor
do Banco Central. Em 2017, oito bancos centrais — de Inglaterra,
França, Holanda, Alemanha, Finlândia, Singapura, México e China —
criaram a Network of Central Banks and Supervisors for Greening the
Financial System, uma rede de reguladores cujo objetivo é a troca de
informações e práticas que favoreçam a mobilização de capital para
setores de baixo carbono. Hoje, 54 instituições fazem parte da
iniciativa (o Brasil não é signatário). Quando assumiu o comando do
Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, ex-chefe do Fundo
Monetário Internacional, classificou o combate às mudanças climáticas
como uma “missão crítica” do BCE.
As medidas práticas começam a despontar. Desde o ano passado, o
Banco da Inglaterra conduz testes de estresse climático com bancos e
seguradoras do país. Estão sendo considerados três cenários. O mais
severo prevê uma elevação de 4 graus na temperatura global até 2080. Os
resultados serão divulgados em 2021. No Brasil, a Febraban, federação
que reúne os bancos, e o Banco Central conduzem um projeto semelhante.
De forma voluntária, as instituições financeiras estão criando a chamada
“régua de sensibilidade climática”, que vai determinar a exposição de
cada uma às mudanças climáticas. Segundo Mário Sérgio Vasconcelos,
diretor de sustentabilidade da federação, os resultados devem sair em
dois ou três anos. “Essa é uma pauta nova para o mercado financeiro,
porém permanente e liderada pelo setor privado”, afirma Vasconcelos.
Em paralelo, existe um esforço das próprias empresas e instituições
financeiras para criar um padrão de divulgação de informações
relacionadas a riscos climáticos, algo que vai facilitar a análise de
riscos sistêmicos. Em Davos, as quatro maiores empresas de auditoria do
mundo, Deloitte, EY (antiga Ernst &Young), KPMG e PwC, assinaram um
acordo em que estabelecem um modelo contábil para os dados de impacto
climático. A iniciativa foi capitaneada pelo presidente mundial do Bank
of America, Brian Moynihan, diretor do International Business Council,
conselho ligado ao Fórum Econômico Mundial que reúne cerca de 100
presidentes de empresas de vários setores. A ideia é unificar diversos
padrões de relatórios existentes, entre eles o Global Reporting Initiative (GRI),
o mais utilizado atualmente, e o TCFD — sigla em inglês para
força-tarefa sobre divulgação de informações financeiras ligadas ao
clima, iniciativa presidida por Michael Bloomberg, pré-candidato
democrata à Presidência dos Estados Unidos, criada em 2015 pelo
Financial Stability Board, órgão internacional que monitora o sistema
financeiro.
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