06 abril 2019
Renda Fixa x Variável: o caso do Brasil
A teoria financeira prega que, se há mais risco, o retorno de um investimento é maior, mas a renda fixa, com riscos bem menores, resultou em ganhos maiores do que o Ibovespa no longo prazo.
Uma crença bastante arraigada entre muitos gestores e analistas é que a renda variável gera ganhos maiores do que a renda fixa no longo prazo. Isto é, a cotação das ações pode oscilar, mas sempre vale mais a pena o investimento mais arriscado nos horizontes mais longos. Isso porque, em teoria, ao assumir riscos maiores, investidores exigem retornos maiores. No longo prazo, o retorno maior se realizaria, compensando o risco incorrido.
Há lógica nesse raciocínio, válido para todas as economias desenvolvidas. No entanto, o Brasil tem um longo histórico de taxas de juros altíssimas. Tivemos incríveis 65% ao ano em 1994 e45% em 1999, já com a inflação controlada. Mesmo em anos mais recentes, como 2015 e 2016, as taxas estiveram acima de 14% — bem maiores dos atuais 6,5%.
Para testar essa crença, é preciso antes de tudo definir “longo prazo”. É um conceito elástico, que em economia pode significar o infinito. Alguns gestores e investidores falam em cinco anos, outros, em 10, 20 ou 30 anos.
Além disso, nem todas as pessoas investem no mesmo dia — é preciso levar em conta todos os pontos de entrada e saída de investimentos. Considerando um prazo de 10 anos, uma pessoa pode ter entrado em 2005 e saído em 2015 e o resultado será diferente do que se tivesse entrado em 2000 e saído em 2010 ou qualquer outro período de 10 anos. A maneira mais correta de saber, então, é variar janelas de tempo com todas as possibilidades de entrada.
Para entender melhor essa discussão, resolvemos fazer as contas. Para representar a bolsa, utilizamos o Ibovespa, que reúne 80% das ações mais negociadas. Consideramos o retorno realizado via proventos e dividendos e descontamos o Imposto de Renda.
Já para a renda fixa foi preciso combinar taxas, já que não existe um único índice com histórico tão longo. Utilizamos as Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional (ORTNs), disponíveis no site debit.com.br, para o período de 1968 a 1974. De 1974 a 1986, consideramos a taxa over, que pode ser consultada no site do Ipea (ipeadata.com.br). E a partir de 1986, o CDI, disponível no portal Economática . Nesse caso, foram considerados 100% da taxa.
A comparação foi feita com todas as janelas de investimento em três períodos: desde 1968, ano de criação do Ibovespa; 1986, incluindo o CDI; e 1994, com a estabilização da economia a partir do Plano Real.
Desde 1994, há 14.908.530 diferentes combinações com horizontes de investimento variando de 500 a 5.959 dias úteis. A renda variável ganha só em 4.154.852 (28%) das vezes e a renda fixa, em 10.753.678 (72%). Para 2.520 dias úteis (cerca de 10 anos), há 3.340 combinações, das quais o CDI ganha 2.232 vezes (65%) contra 1.208 vezes (35%) do Ibovespa.
Alguns gestores costumam alegar que os juros nas últimas duas décadas são uma anomalia. Devido à desorganização da economia e a inflação antes de 1994, o Plano Real teve taxas de juros muito altas para controlar a inflação. Recuando ou avançando no tempo, a desvantagem da renda variável permanece.
Para o período de 1986 em diante, há mais de 30 milhões de combinações, contemplando horizontes de investimento entre 500 e 8.267 dias úteis. Nova lavada da renda fixa, que em 75% das vezes, desbanca o investimento de maior risco.
Por exemplo, para 5.040 dias úteis (aproximadamente 20 anos), temos 3.228 combinações; nesse caso o Ibovespa só ganha em 18% das vezes.
Já no maior período começando em 1968, há 74.963.890 combinações possíveis, das quais a bolsa só ganha em 32% das vezes. Para prazos de 7.560 dias úteis (30 anos), há 3.689 combinações; caso em que bolsa perde em 68% das vezes.
Em verdade, paradoxalmente, ao ampliar o prazo de investimentos, a chance de a renda fixa ter retornos maiores que a renda variável aumenta. É verdade que o número de eventos de mais longo prazo diminui, mas é sintomático que isso aconteça sistematicamente.
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