Considerando o avanço das operações conhecidas como Initial Coin Offerings (ICOs), a CVM esclarece que está atenta às recentes inovações tecnológicas nos mercados financeiros global e brasileiro. A Autarquia divulgou nota na qual explicitou que vem acompanhando tais operações e buscando compreender benefícios e riscos associados, seja por meio de fóruns internos, como o Comitê de Gestão de Riscos – CGR e o Fintech Hub, ou de discussões no âmbito internacional, como em trabalhos desenvolvidos pela IOSCO.
Em linha com as competências definidas na Lei 6.385/76 e considerando seu mandato legal de fomentar a formação de capitais, a CVM busca estimular a introdução de inovações tecnológicas no mercado de valores mobiliários, sempre que alinhados ao norte da segurança dos investidores e da integridade do mercado.
Assim, a Autarquia presta os seguintes esclarecimentos quanto aos riscos decorrentes dos chamados ICOs, tendo por base as dúvidas mais frequentes sobre o assunto, à luz do regime regulatório atualmente vigente no âmbito do mercado de valores mobiliários:
1. O que são Initial Coin Offerings?
r. Podem-se compreender os ICOs como captações públicas de recursos, tendo como contrapartida a emissão de ativos virtuais, também conhecidos como tokens ou coins, em favor do público investidor. Tais ativos virtuais, por sua vez, a depender do contexto econômico de sua emissão e dos direitos conferidos aos investidores, podem representar valores mobiliários, nos termos do art. 2º da Lei 6.385/76.
Os ICOs vêm sendo utilizados como uma estratégia inovadora de captação de recursos por parte de empresas ou projetos em estado nascente ou de crescimento, muitos ainda em estado pré-operacional, o que enseja um componente de risco por si só.
A inovação associada aos ICOs é oriunda de uma sequência de fatores. Primeiro, por utilizar-se de meios exclusivamente digitais, essa forma de captação facilita a captação de recursos de investidores a partir de qualquer localidade, mediante a transferência de moedas virtuais ou moedas fiduciárias, com maior facilidade e agilidade quando comparado às vias tradicionais.
Segundo, a “digitalização” da cadeia de processos operacionais costuma valer-se de criptografia, programação lógica, protocolos de rede de computadores descentralizados e tecnologias de registro distribuído (“distributed ledger tecnology - DLT”), o que em tese possibilita maior velocidade e precisão de registros.
2. Quais são as modalidades de ICO mais comuns?
r. Em certos casos, os ativos virtuais emitidos no âmbito de ICOs podem claramente ser compreendidos como algum tipo de valor mobiliário, principalmente quando conferem ao investidor, por exemplo, direitos de participação no capital ou em acordos de remuneração pré-fixada sobre o capital investido ou de voto em assembleias que determinam o direcionamento dos negócios do emissor.
Em outros casos, quando ocorre a emissão de um “utility token”, a distinção não é tão clara, podendo ou não haver entendimento de que houve emissão de valor mobiliário. A emissão de “utility tokens” ocorre quando o ativo virtual emitido confere ao investidor acesso à plataforma, projeto ou serviço, nos moldes de uma licença de uso ou de créditos para consumir um bem ou serviço.
3. No caso de um ativo virtual a ser emitido corresponder a um valor mobiliário, qual seria a orientação aos possíveis emissores de um “ICO”?
r. O regramento da CVM, em especial a Instrução CVM 400, estabelece que a “distribuição de valores mobiliários nos mercados primário e secundário, no território brasileiro, dirigida a pessoas naturais, jurídicas, fundo ou universalidade de direitos, residentes, domiciliados ou constituídos no Brasil, deverá ser submetida previamente a registro na Comissão de Valores Mobiliários”, exceto nos casos de dispensa de registro ou de requisitos de oferta, conforme dispostos nos Artigos 4º e 5º da referida Instrução.
No que se refere a ofertas de distribuição de valores mobiliários emitidos no exterior, realizadas por intermédio da Internet, para que não se caracterizem como dirigidas ao público residente no Brasil e, consequentemente, sujeitas à regulação, fiscalização e registro pela Comissão de Valores Mobiliários, a CVM já se posicionou sobre critérios a serem observados nos Pareceres de Orientação CVM nº 32 e 33, de 2005.
Recentemente, a CVM regulamentou uma possibilidade de dispensa automática de registro de oferta pública por meio da modalidade de crowdfunding, (Instrução CVM 588), com características próprias.
Ademais, o § 1º, Art. 4º da Lei 6.404/76, estipula que somente os valores mobiliários de emissão de companhia registrada na Comissão de Valores Mobiliários podem ser negociados em mercados secundários de valores mobiliários, com o intuito de fornecer à CVM e ao público um conjunto de informações de interesse de potenciais investidores e assegurar a transparência das informações referentes ao emissor.
Por fim, ressalta-se que os mercados secundários aludidos são aqueles admitidos ao funcionamento pela CVM, em especial conforme estipulado pela Instrução 461. O acesso do público investidor aos mercados regulamentados, bem como a negociação de tais valores mobiliários, deve ser feita por meio de intermediários autorizados pela CVM (corretoras e distribuidoras de valores mobiliários – vide Instrução CVM 505), os quais devem atentar para as exigências de prevenção à lavagem de dinheiro (Instrução CVM 301) e para a adequada identificação do perfil do investidor (Instrução CVM 539), utilizando infraestrutura de mercado autorizada pela CVM (por exemplo, centrais depositárias, custodiantes e escrituradores – vide respectivamente Instruções CVM 541, 542 e 543).
Assim sendo, um possível emissor desejoso de efetuar um ICO no mercado brasileiro deve atentar a todo arcabouço regulatório existente, brevemente descrito acima, de forma a se assegurar quanto à viabilidade jurídica da operação pretendida à luz das normas em vigor.
As ofertas de ativos virtuais que se enquadrem na definição de valor mobiliário e estejam em desconformidade com a regulamentação vigente serão tidas como irregulares e, como tais, estarão sujeitas às sanções e penalidades aplicáveis. A CVM alerta que, até a presente data, não foi registrada nem dispensada de registro nenhuma oferta de ICO no Brasil.
4. O que são as chamadas “exchanges” de ativos virtuais?
r. No Brasil, as chamadas “exchanges” de ativos virtuais são empresas prestadoras de serviços não regulamentadas pela CVM, que oferecem os serviços de negociação, pós-negociação e custódia de ativos virtuais que não caracterizam valores mobiliários.
Essas empresas não são autorizadas pela CVM ou pelo Banco Central para prestar quaisquer serviços relativos a ativos financeiros. Quando o ativo financeiro envolvido for um valor mobiliário, tais empresas devem buscar os registros devidos para o exercício das atividades citadas junto à CVM.
5. O que diferencia um prospecto exigido nas ofertas públicas registradas na CVM dos chamados “white papers” comumente verificados em ICOs?
r. O prospecto é documento essencial em uma oferta pública e regulamentado pela Instrução CVM 400, e disponibiliza informações essenciais padronizadas para que o investidor entenda a proposta da companhia e tome sua decisão de investimento. Dentre outras, encontram-se no prospecto as seguintes informações: perspectivas e planos da companhia; situação do mercado em que ela atua; os riscos do negócio e da oferta; o quadro administrativo da empresa, bem como informações sobre a oferta em si.
Os chamados “white papers” disponibilizados nos ICOs não correspondem aos prospectos mencionados. Além de não terem respaldo da CVM, são mais breves, genéricos, não padronizados e compostos por algumas informações técnicas operacionais sobre o ICO.
6. Qual a posição da CVM sobre alguns aspectos de governança comumente verificados em ICOs?
r. Diversos ICOs utilizam como ferramentas de amparo reputacional estratégias tais como a publicação de seus códigos-fonte, a divulgação de que houve auditoria independente de seus códigos-fonte e a divulgação de opiniões de supostos especialistas técnicos a respeito da oferta e do projeto em questão. Essas técnicas não são exigidas em prospectos de ofertas regulamentadas pela CVM.
Por outro lado, é importante frisar que tais operações de ICOs não contam com mecanismos de governança exigidos para as ofertas sujeitas a registro junto à CVM, tais como diligências do líder da oferta e do emissor do valor mobiliário, auditoria independente das demonstrações financeiras, verificação da regularidade do emissor junto à autarquia, entre outros aspectos que visam conferir segurança ao valor mobiliário emitido.
7. Qual a posição de outros reguladores internacionais em relação aos ICOs?
r. Há reguladores financeiros que adotam uma postura mais restritiva em relação à captação de recursos via ICOs e a negociação de ativos virtuais em “exchanges”, chegando a proibi-las.
Outras autoridades, por sua vez, têm compreendido que as normas do mercado de capitais devem ser respeitadas por possíveis emissões via ICO em um processo de captação pública de recursos no qual há emissão de valores mobiliários.
8. Quais os principais riscos associados à negociação de ativos virtuais e à participação em ICOs?
r. Quanto à participação de potenciais investidores em operações de ICO, alerta-se para os seguintes riscos inerentes a tais investimentos (em especial no que diz respeito a emissores ou ofertas não registradas na CVM):
i. Risco de fraudes e pirâmides financeiras;
ii. Inexistência de processos formais de adequação do perfil do investidor ao risco do empreendimento (suitability);
iii. Risco de operações de lavagem de dinheiro e evasão fiscal/divisas;
iv. Prestadores de serviços atuando sem observar a legislação aplicável;
v. Material publicitário de oferta que não observa a regulamentação da CVM;
vi. Riscos operacionais em ambientes de negociação não monitorados pela CVM;
vii. Riscos cibernéticos (dentre os quais, ataques à infraestrutura, sistemas e comprometimento de credenciais de acesso dificultando o acesso aos ativos ou a perda parcial ou total dos mesmos) associados à gestão e custódia dos ativos virtuais;
viii. Risco operacional associado a ativos virtuais e seus sistemas;
ix. Volatilidade associada a ativos virtuais;
x. Risco de liquidez (ou seja, risco de não encontrar compradores/vendedores para certa quantidade de ativos ao preço cotado) associado a ativos virtuais; e
xi. Desafios jurídicos e operacionais em casos de litígio com emissores, inerentes ao caráter multijurisdicional das operações com ativos virtuais.
A CVM recomenda aos potenciais investidores, como forma de evitar os riscos aqui apontados, verificar no site da Autarquia se o ofertante é emissor registrado na CVM e se a oferta foi registrada ou dispensada de registro. Além disso, a Autarquia, por meio de seus canais de atendimento ao investidor, encontra-se à disposição para responder a consultas sobre ofertas registradas na Autarquia, bem como investigar denúncias e reclamações sobre possíveis irregularidades nessas e em outras operações.
Os investidores devem avaliar atentamente as características de tais operações, de forma a identificar indícios de possíveis irregularidades, tais como: promessas de retornos elevados com baixo risco, pressão para participar das transações imediatamente (sentido de urgência), ofertantes ou ofertas não localizadas no site da CVM, ausência de análise da capacidade financeira e perfil de risco do investidor, entre outros.
A CVM permanece atenta à evolução dos ICOs e, sendo o caso, tomará, no momento apropriado, as medidas cabíveis no âmbito de sua competência legal, de forma a assegurar a estabilidade e o contínuo desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro.
O Banco Central também divulgou um FAQ e Comunicado nº 31.379, alertando sobre os riscos das operações de guarda e negociação das moedas virtuais.
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