Esta semana, numa série de reportagens, Fernando Torres acompanhou, no jornal Valor Econômico, a decisão do Iasb referente ao reconhecimento da receita por parte das empresas incorporadoras de imóveis (aqui, aqui e aqui)
Com a adoção das normas internacionais de contabilidade, o Brasil deveria passar a reconhecer a receita conforme os critérios estabelecidos pelo Iasb. Entretanto, a CVM optou por permitir que as incorporadoras passassem a usar o critério baseado no andamento da obra, denominado de POC. A partir daí, algumas empresas de auditoria colocaram no relatório que o reconhecimento da receita não obedecia as normas internacionais. O que era, de certa forma, injusto com as empresas. A CVM bem que tentou, encaminhando uma defesa do procedimento adotado no Brasil.
Dois aspectos prévios precisam ser considerados sobre a filosofia do processo de interpretação. Para casos onde a aplicação das normas apresentem dúvidas, como seria este caso, existe um comitê de “interpretação”. De certa forma, a existência de um comitê com este escopo é, de certa forma, uma incoerência. Como o Iasb é baseado em princípios, como a entidade insiste em anunciar, o “espírito” da norma deveria estar claro no seu enunciado. Ao colocar em debate a questão da receita na situação brasileira, o comitê teria o papel de interpretar uma situação prática. Isto pode significar que a norma de reconhecimento da receita não foi clara o suficiente nos seus princípios. Em defesa da entidade reguladora é possível imaginar a grande dificuldade em fazer uma norma que seja suficientemente clara para não existir dúvidas em aplicações específicas, como é o caso da questão das incorporadoras.
Outro aspecto refere-se a quem deveria fazer a interpretação da norma. Sendo específica, os reguladores nacionais não estariam mais aptos a fazerem a interpretação? Em defesa da existência de um comitê de interpretação centralizado no Iasb temos duas desvantagens: a existência de dúvidas sobre a norma é um poderoso feedback para o regulador sobre a qualidade das normas e a necessidade da sua expansão; e a interpretação pode desvirtuar o espírito do padrão.
O caso também conduz a questão política da regulação contábil e um processo de convergência. Este aspecto político foi de grande importância para o recuo dos Estados Unidos em aderir as normas do Iasb, muito embora não seja o único fator. Mas o mercado de capitais desse país é muito mais forte e sua estrutura conceitual certamente é mais tradicional, e talvez de melhor qualidade, que àquela emanada pelo Iasb. Não é o caso do Brasil, onde a opção por usar as normas do Iasb talvez tenha melhorado a qualidade da contabilidade brasileira. Mas um dos preços cobrados pela opção é que o país tem que se sujeitar as normas criadas pelo Iasb. Este seria um dos custos da adoção. Obviamente que a CVM poderia insistir em continuar o critério atual, discordando do regulador internacional. Mas seria coerente e politicamente adequado ir contra o comitê de interpretação, depois de apresentar sua posição? Provavelmente não
A questão contábil decorre do fato do ciclo de produção das empresas serem elevados. O POC permite o reconhecimento ao longo da construção. Pela nova interpretação do Iasb, o reconhecimento da receita será feito na entrega das chaves, num único momento. Isto pode provocar alteração no resultado das empresas no curto e médio prazo. E fazer como que o resultado seja mais volátil.
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