Um dos maiores especialistas do mundo em pobreza e desigualdade abraçou outra causa. Um dos formuladores dos programas de combate à pobreza, ainda nos tempos do governo Fernando Henrique, Ricardo Paes de Barros deixou o governo Dilma neste ano e agora se debruça sobre políticas públicas para a educação, como economista-chefe do Instituto Ayrton Senna.
[...]
Hoje usa suas habilidades com números e o conhecimento que adquiriu ao
longo de 40 anos de estudos sobre a sociedade brasileira para avaliar as
políticas de maior alcance, com menor custo, na educação brasileira. Na
entrevista a seguir, fala sobre o Plano Nacional de Educação, o impacto da desigualdade no aprendizado e sobre quanto a ideologia atrapalha o país.
ÉPOCA – O problema da educação é falta de dinheiro ou de gestão?
Ricardo Paes de Barros – A meta é investir 10% do Produto
Interno Bruto (PIB) em educação até 2024. Nenhum outro país coloca tanto
dinheiro na área. Mas o Brasil tem a educação típica de um país que tem
metade da renda per capita brasileira; está 25 anos atrás do
Chile e tem apenas metade dos jovens cursando o ensino médio na idade
certa. São problemas graves. Então, se pedirem 10% do PIB para mexer na
educação, acho que a sociedade brasileira deve dar. Mas deve dar sob a
condição de garantir que a situação mudará, com um plano sério, bem
explicado, com metas.
ÉPOCA – Esse seria o objetivo do Plano Nacional de Educação (PNE), que passou a vigorar neste ano. Qual sua opinião sobre ele?
Paes de Barros – As metas do PNE são muito pouco ambiciosas
para quem quer realmente dar um salto na área. Elas não botam o Brasil
no mapa do mundo da educação mesmo que consigamos cumprir todas. Faltam
no PNE evidências sobre a eficácia das ações que mudarão para melhor o
cenário do país. O MEC tem de dizer: “Pegaremos esse dinheiro, faremos
isso com ele e entregaremos este resultado. E se, no meio do caminho,
não chegarmos lá, acionaremos uma outra coisa, que funcionará assim,
custará tanto e produzirá tal efeito”
POCA – O que o senhor faria se estivesse no Ministério da Educação?
Paes de Barros – Cuidaria da difusão de melhores práticas. Num
mesmo bairro temos escolas com nota 6 do Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), que é uma boa nota, e outras com Ideb
3, que é péssima. Isso não faz sentido. Se uma empresa inventar uma
coisa bacana, o que a concorrência fará? Copiará. Por que a escola de
Ideb 3 não copia a vizinha de Ideb 6? A questão é que criamos um sistema
de educação que não é público, é estatal, e não tem nenhuma dinâmica.
[...]
ÉPOCA – E quanto a condição social influencia nessas disparidades na educação?
Paes de Barros – Muito mais do que deveria. Essa é uma das
coisas que a gente deveria cobrar do governo. Esse é um ponto que está
muito pouco contemplado no Plano Nacional da Educação. É absurdo que o
aprendizado de uma criança esteja condicionado ao lugar em que ela vive,
ao fato de ela ser pobre ou rica, branca ou negra. O sistema
educacional brasileiro permite que essas características tenham um
impacto gigantesco no aprendizado do aluno. Isso é uma fonte de
desigualdade de oportunidade absurda, que alimentará uma desigualdade
ainda maior no futuro.
ÉPOCA – O que pode ser feito para resolver esse problema?
Paes de Barros – Se for bem planejada e bem implementada, a
educação de tempo integral pode reduzir essa desigualdade. Ela pode dar
ao aluno mais pobre aquilo que uma família em melhores condições oferece
para uma criança e que tem tanto impacto positivo no aprendizado. Se
numa família mais rica a criança tem acesso a um lugar iluminado e
tranquilo para estudar, é isso que a escola tem de ter. A escola tem de
desenhar mecanismos para tornar a educação mais independente do ambiente
familiar. Tem de dizer para o pai: eu só preciso que o senhor faça a
criança dormir cedo, faça ela se alimentar bem e seja carinhoso e
encorajador. Não adianta pedir para o pai estudar com ele, para fazer
pesquisas em livros a que ele não tem acesso. É preciso cuidar também da
autoeficácia. O aluno bom é aquele que acredita que é capaz de
aprender. O aluno confiante que tem um professor que acredita nele vai
aprender muito mais.
[...]
ÉPOCA – Na criação do Bolsa Família, houve resistência de
setores do governo Lula ao programa por se tratar de uma política
focalizada, considerada neoliberal por eles. Ainda há preconceito contra
as políticas de focalização?
Paes de Barros – Esse debate sobre a focalização foi superado.
O que continua a existir é uma coisa discriminatória contra o setor
privado. A educação claramente discrimina a universidade privada diante
da pública, como se, por definição, algo estatal fosse melhor do que o
privado. O programa nacional de alfabetização, por exemplo, tem de ser
com as universidades públicas, e não com as privadas. Por quê? É pura
discriminação – e ela tem de ser contestada. Há a ideia de que
privatizar parte da educação é mercantilizar o setor. Esse é o grande nó
dos serviços públicos do Brasil. Na educação essa mentalidade é brutal e
representa um grande problema. Não se pode usar o Fundeb (fundo de financiamento para a educação básica) para
contratar uma rede de escolas de educação média para prover os serviços
de um Estado. Um Estado poderia gastar menos contratando uma rede de
ensino particular. Ele não se preocuparia com infraestrutura, nem com o
quadro de docentes. O foco do Estado seria o controle da qualidade do
ensino. Isso economizaria dinheiro e dor de cabeça. Imagina isso no
Estado de São Paulo, que tem mais de 200 mil professores. As
Organizações Sociais (OS) deram certo na saúde. Mas não se pode
usar OS na educação. Não podemos testar o modelo de charters schools no
Brasil, que são escolas privadas pagas em parte pelo governo e
gratuitas para a população. Na Colômbia estão fazendo isso. A Suécia
está se livrando de todas as escolas públicas. O país paga para a rede
privada prover o estudo. Para a família é gratuito – e só o que importa é
a qualidade
[...]
Fonte: aqui
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