[...]nossos sistemas de incentivo fiscal a doações. Nos Estados Unidos, se alguém quiser doar algum recurso para o MoMA (o Museu de Arte Moderna, em Nova York), poderá abater até 30% de seu rendimento tributável. Para algumas instituições, esse percentual sobe a 50%. No Brasil, seu abatimento é limitado a 6% do Imposto de Renda, se o contribuinte fizer a declaração completa.
O pior, no entanto, acontece do outro lado do balcão. Para receber a doação, o museu brasileiro deverá ter um projeto previamente aprovado pelo Ministério da Cultura, em Brasília. Serão meses em uma via crucis,
listando minuciosamente o gasto futuro com o projeto, e depois mais
alguns meses para a prestação de contas detalhada do que foi gasto com
sua execução. Fico imaginando o que o MoMA faria se, para receber
doações, tivesse de enviar previamente um projeto para ser analisado em
Washington, linha a linha, por um grupo de funcionários públicos. Os
Estados Unidos nem sequer têm um Ministério da Cultura. As doações e os
incentivos são diretos, sem burocracia. Por isso, funciona.
Vamos a outro exemplo: os americanos adotam como principal estratégia
de financiamento de suas instituições – sejam museus, universidades ou
orquestras sinfônicas – os chamados “fundos de endowment”.
A ideia é bem simples: uma poupança de longuíssimo prazo, destinada a
crescer, ano a ano, da qual a instituição retira parte dos rendimentos
para seu custeio. Simplesmente nenhuma grande instituição universitária
ou cultural americana vive sem seu endowment. Há 75 universidades com fundos de mais de US$ 1 bilhão. O maior de todos, de Harvard, tem US$ 36 bilhões em caixa.
Pois bem, vamos imaginar que um milionário acordasse, dia desses,
decidido a doar uma boa quantia para algum endowment no Brasil. Ele
gosta de artes visuais e quer doar a um museu. Em primeiro lugar, ele
não teria nenhum incentivo fiscal para fazer isso. O Ministério da
Cultura simplesmente proíbe que um museu brasileiro apresente um projeto
para receber doações para endowments. Em segundo lugar, não haveria
nenhum endowment para ser apoiado. Nos Estados Unidos, ele encontraria
milhares, e bastaria escolher algum, na internet. Em Pindorama, nenhum.
As leis não favorecem, os incentivos inexistem, as instituições não
estão organizadas para receber as doações. E a culpa segue por conta de
nossa “formação cultural”.
Outra razão diz respeito ao modelo de gestão de nossas
instituições. O Brasil teima, em pleno século XXI, a manter uma malha
obsoleta de universidades estatais. Elas consomem perto de 30% dos
recursos do Ministério da Educação, mas nenhuma se encontra entre as 200
melhores do mundo, no último levantamento da revista Times Higher Education.
Enquanto isso, os Estados Unidos dispõem de 48 das 100 melhores
universidades globais. Princeton, Yale, Columbia, MIT seguem, em regra, o
mesmo padrão: instituições privadas, sem fins lucrativos, com largos
endowments, cobrando mensalidades e oferecendo um amplo sistema de
bolsas por mérito (em âmbito global), e ancoradas em uma rede de alumni e
parcerias públicas e privadas. Não é diferente do que ocorre com museus
e instituições culturais.
O ponto é que o Brasil pode mudar. Há exemplos de líderes empresariais que fazem sua parte. Há o caso exemplar do banqueiro Walter Moreira Salles, fundador do Instituto Unibanco, voltado à educação, e do Instituto Moreira Salles, voltado à cultura. Há a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, há o Museu Iberê Camargo, criado por Jorge Gerdau, e há a Fundação Roberto Marinho, à frente do maior projeto cultural do Brasil, nos dias de hoje, que é o Museu do Amanhã,
no Rio de Janeiro. Há uma imensa generosidade e espírito público, no
país, ainda bloqueados pelo anacronismo dos modelos de gestão pública
que adotamos. Instituições, mais do que a história. Incentivos, mais do
que uma suposta genética cultural. Essa deve ser nossa aposta.
Fonte: aqui
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