O método das partidas dobradas só chegou a Portugal com a criação da Aula do Comércio, em meados do século XVIII. No ínicio do século XIX, as tropas de Napoleão invadem Portugal e o rei Dom João VI decidi mudar a corte para o Brasil. Junto com a corte, chegam ao Brasil profissionais formados na escola criada anos antes pelo Marques de Pombal.
A pergunta que iremos responder nesta postagem é o que ocorreu com a Aula de Comércio. Em 23 de agosto de 1808 o príncipe Regente cria o Tribunal da Real Junta do Commercio Agricultura, Fabricas e Navegação (1). Esta Junta seguia os moldes daquela criada em Portugal em 30 de setembro de 1755, sendo um tribunal superior (2). No decreto de criação original estava previsto a preparação dos alunos nas práticas contábeis e mercantis, através da Aula de Comércio (3). Vianna, em 1843, afirmava, sobre a Junta (4):
“(...) Ela ocupa-se hoje da matrícula dos negociantes; tem a inspeção da Aula do Comércio; manda passar certidões; e consulta quando lhe é ordenado (...). As justificativas dos negociantes podem ser feitas perante os juízes territoriais; e as provisões passadas na Corte pela Secretaria do Império, e nas Províncias pelos respectivos Presidentes: a Aula do Comércio lucrará com a direção do Ministro do Império, enquanto não é criada a Universidade; e depois do estabelecimento do Conselho de Estado, a este compete consultar em todos os negócios.
Quando da criação da Junta no Brasil em 1808 não estava previsto a criação da Aula de Comércio no país, mas informava que a Junta deveria regular sobre a matéria em Portugal (5). Entretanto, o Alvará de 15 de julho de 1809 dispunha:
Eu o Principe Regente faço saber aos que o presente Alvará com força de lei virem, que, sendo-me presente em Consulta da Real Junta do Commercio, Agricultura, fabricas e Navegação deste Estado e Dominios Ultramarinos:que havendo eu creado este Tribunal com o designio de fazer prosperar estes objectos de sua incumbencia para augmento da felicidade publica, era de absoluta necessidade, que elle tivesse rendimentos proprios e bastantes, não só para o pagamento dos Deputados e Officiaes empregados no seu expediente, mas tambem e principalmente para as despezas que for necessario e conveniente fazer-se, já para a construcção de uma Praça de Commercio, onde se ajuntem os Commerciantes a tratar das suas transacções e emprezas mercantis, ja para o estabelecimento de Aulas de Commercio, em que se vão doutrinar aquelles dos meus vassallos, que quizerem entrarnesta util profissão, instruidos nos conhecimentos proprios della; (...) (6)
O Edital de 15 de dezembro de 1812 promoveu o concurso de lentes no Brasil, em particular na Bahia, Maranhão e Pernambuco (7), além da capital.
O primeiro lente da Aula no Rio de Janeiro foi Jose Antonio Lisboa (8), desde 1808, sendo o porteiro José Antonio d´Araujo Gomes (9). De Salvador foi Genuino Barboza Bettamio (10), do Maranhão era Francisco Justiniano da Cunha (11). Lisboa, por sinal, seria eleito deputado, com 221 votos (12).
No Maranhão as aulas foram suspensas em 1820 em razão da incapacidade do lente que resultou na falta de alunos (13).
A Aula de Comércio tinha conteúdos de princípios de geometria plana, geografia, economia política, aritmética, álgebra, comércio e escrituração, sendo que estes quatro últimos estavam previstos na Aula de Comércio portuguesa e os três primeiros foram uma inovação da filial brasileira (14). O curso estava estruturado da seguinte maneira (15):
1º ano: aritmética, álgebra, regra conjunta;
2º ano: geometria, geografia, comércio (que compreende agricultura, mineração, artes mecânicas, fontes, artes liberais, pesca e caça, colônias, navegação, moedas, câmbios, seguros, leis gerais, usos, máximas, meios);
3º ano: escrituração, economia política.
É importante salientar que a própria chegada da Família Real também trouxe profissionais formados em Lisboa, na Real Aula do Commercio (16). Um aspecto interessante é que a inscrição na Aula do Commercio era, até certo ponto, democrática, aberta as “todas as pessoas” (17).
Quantos eram os alunos da escola? Temos poucas informações sobre este fato, mas uma notícia de um jornal de Coimbra informa que a escola da Bahia apresentava 26 alunos (18).
(1) Alvará de 23 de Agosto de 1808 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_37/alvara_2308.htm
(2) CABRAL, Dilma. Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Verbete Aula de Comércio da Corte do Mapa Memória da Administração
Pública Brasileira do Ministério de Justiça
http://linux.an.gov.br/mapa/?p=362
(3) Idem.
(4) Citado por LOPES, Walter de Mattos. A Real Junta do Commercio, Agricultura, Fabricas e Navegação deste Estado do Brazil e seus Dominios Ultramarinos: um tribunal de antigo regime na Corte de Dom João (1808-1821). Dissertação. UFF, 2009. http://www.historia.uff.br/stricto/td/1339.pdf
(5) Vide verbete Aula de Comércio da Corte do Mapa Memória da Administração Pública Brasileira do Ministério de Justiça http://linux.an.gov.br/mapa/?p=362
(6) http://www2.camara.leg.br/legin/fed/alvara/anterioresa1824/alvara-40084-15-julho-1809-571756-publicacaooriginal-94875-pe.html Grifo do blog
(7) Verbete Aula de Comércio da Corte do Mapa Memória da Administração Pública Brasileira do Ministério de Justiça http://linux.an.gov.br/mapa/?p=362 . Lente é professor de nível secundário.
(8) Lisboa merece um destaque. Segundo Cabral http://linux.an.gov.br/mapa/?p=362 era formado em matemática e filosofia pela Universidade de Coimbra e chegou ao cargo de presidente do Tesouro Público do Rio de Janeiro. Em razão do seu cargo, elaborou o Código de Comércio de 1832.
(9) Conforme Almanach do Rio de Janeiro, 1816, p. 152. Apesar de ser impresso em 1816, a informação refere-se ao ano 1808.
(10) Ide, p. 156. O nome correto é “Aula do Commercio da Bahia”. Lembrando que o nome da cidade de Salvador se confundia, e ainda confunde, com Bahia.
(11) Idem, p. 157.
(12) Gazeta do Rio de Janeiro, 14 de abr de 1821, ed 87, p. 3.
(13) Verbete Aula de Comércio da Corte do Mapa Memória da Administração Pública Brasileira do Ministério de Justiça http://linux.an.gov.br/mapa/?p=362 .
(14) Idem
(15) Idem
(16) Em 1812 tem-se o seguinte anúncio na Gazeta do Rio de Janeiro: Hum sugeito capaz, aprovado pela Real Aula do Commercio de Lisboa, se offerece ao respeitavel publico, para ensinar por cazas as primeiras letras, Arithmetica, e arranjo de contas, com o melhor methodo possivel, e por preços commodos. Quem se quiser aproveitar do seu prestimo, dirija-se á loja de Manoel Mandillo defronte da Capella Real. Gazeta do Rio de janeiro, 28 de outubro de 1812, ed. 87, p. 8. Dois anos depois, a Idade D´ouro, de Salvador, apresentava um classificado similar: Lucas Maria Xavier Leal, aprovado pela Real Aula do Commercio em Lisboa, propõem-se nesta Cidade a ensinar a mocidade (...). Idade d´ouro, 2 de agosto de 1814, ed 61, p. 4.
(17) “O Lente da Aula do Commercio desta Praça [Salvador], participa ao Publico, que todas as pessoas, que desejarem matricular-se naquela Aula, poderão requerer as suas respectivas matriculas ao Tribunal da Meza da Inspecçao desta Cidade (...)”. Idade d´Ouro, 21 de março de 1815, ed 23, p. 4
(18) Jornal de Coimbra, ed 14, p. 41, 1818, n LXII. É importante observar que estes dados são provavelmente de 1816. Observe que a população brasileira em 1815 foi estimada entre 2,8 milhões a 4,4 milhões, sendo 3/5 homens livres. Fonte: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censohistorico/1550_1870.shtm. Quase metade da população vivia no Nordeste, conforme ABREU, Marcelo; LAGO, Luiz. A economia brasileira no Império. http://www.econ.puc-rio.br/pdf/td584.pdf.
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