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24 fevereiro 2015

Febeacon

O texto a seguir é um daqueles... Como foi publicado num jornal conceituado, de autoria do editor-executivo do mesmo jornal, os problemas são mais sérios. É um texto altamente recomendado para apresentar em sala de aula, brincar de "descubra os erros" e outras coisas.

Demorei a postar pois estava precisando de um tempo e criar coragem. Vamos lá. Chama-se "O maior desafio de Bendine na Petrobras" e foi publicado no dia 18 de fevereiro de 2015 (peguei o texto aqui). Em itálico o texto original:

O primeiro e maior desafio da nova diretoria da Petrobras é apresentar um balanço auditado e crível do resultado do terceiro trimestre de 2014. Não vai ser nada fácil e a principal razão está no volume de baixas de ativos promovido pela diretoria anterior (1) - R$ 88,6 bilhões. Esse seria o total de ativos superavaliados, que sofreram baixa contábil naquele (2) balanço.



O autor do texto acredita que a empresa efetuou baixas (o prof. Lauro Brito detesta este nome) de 88 bilhões. Isto não aconteceu. O que a diretoria fez foi colocar em nota explicativa este valor, mas deixou claro que NÃO iria fazer a amortização. Se você tem dúvida da frase do autor, a segunda parte do parágrafo é clara.

Muito provavelmente, a ex-presidente Graça Foster e seus diretores decidiram ser ultraconservadores (3), na confecção do balanço, por uma razão muito simples: eles quiseram dizer à sociedade brasileira, acionista majoritária da estatal, que nada têm a ver com a roubalheira que se fez por lá nos últimos anos (4). Possivelmente, sabiam que a decisão tornaria insustentável sua permanência na empresa (5).




Bom, todo argumento do parágrafo termina com as observações anteriores.A diretoria não foi ultraconservadora (item 3), pelo contrário. Como eles não amortizaram, eles foram ultra agressivos. E por este motivo eles não quiseram dizer que não estão ligados pela roubalheira (item 4). Pelo contrário. Seguindo o mesmo raciocínio do autor, eles informaram para sociedade que estão comprometidos com a roubalheira, já que não reconheceram contabilmente este evento. E por este motivo, a decisão tentou mantê-los na empresa e não como esta no texto no item 5. O erro deles foi divulgar a nota explicativa. Não imaginavam os efeitos.

Diante daquele que já é considerado o maior escândalo de corrupção da história do país, Graça e outros diretores radicalizaram nas estimativas (6)(7) do que supostamente decorreu de malfeitorias, ineficiências (ou mesmo de ineficiências decorrentes de delitos) e de questões como a queda brusca do preço do petróleo e a valorização do dólar. O problema é que, na opinião de especialistas (8), eles exageraram e o fizeram lançando mão de metodologias erradas (9), em que pese o fato de terem recorrido à ajuda da firma de auditoria Deloitte e do banco BNP Paribas.



A primeira frase foi marcada por dois motivos. Graça e outros diretores não fizeram as estimativas. Eles somente contrataram as empresas para a tarefa. Assim a estimativa não tem esta fonte. Ademais, e como já comentamos, Graça e outros diretores não radicalizaram. Eles informaram o número e que não iria usá-lo. O item (8) é um velho problema do Valor: o uso de fontes sem citação. Parece que o editor-executivo usou uma fonte furada, pois os problemas do texto são absurdamente absurdos. E para finalizar, a questão não é a metodologia. O método está correto, mas pode ser questionado os parâmetros.

Na semana passada, uma multinacional do ramo de auditoria (10) assegurou de forma categórica ao novo presidente da Petrobras, Aldemir Bendine, que a metodologia usada pela ex-diretoria nos testes de imparidade (ou "impairment"), para calcular os ativos que teriam perdido valor nos últimos anos, está "errada" (11). Os testes de imparidade são aplicados para avaliar se o valor de um ativo é inferior ao seu valor escriturado ou contábil.



Novamente o jornal lança mão de fontes não identificadas. E afirmar que a metodologia usada no teste de imparidade está errada é muito forte. Uma leitura sobre este assunto informa que são dois métodos somente: valor em uso e valor de troca. Como pode estar errada a metodologia? Novamente, os parâmetros é outra coisa.

Bendine tem um desafio gigantesco pela frente: com a nova diretoria, terá que aplicar novamente (12) os testes de imparidade, chegar a números realistas e críveis (13), ter o balanço auditado pela PricewaterhouseCoopers (PwC) e convencer a sociedade de que os ativos que sofreram baixa contábil (14), avaliados agora num valor bem inferior aos R$ 88,6 bilhões (15), não serão reduzidos por motivação política, mas por razões técnicas (16).


É muita coisa para um só parágrafo. Não será aplicado novamente (item 12), pois não foi feito o teste. Ao usar o termo "realista e crível" o autor está indicando que 88 bilhões não são realistas e crível. Com base em que? Na quantidade de verba que a Petrobras coloca no jornal? Logo a seguir afirma novamente que os ativos sofreram baixa, quando isto não é verdade (item 14). O item (15) é mais sutil (se é que isto seja possível): a empresa contratada comparou a diferença entre o valor contábil e o valor recuperável e esta diferença foi de 88 bilhões. O texto informa que os ativos foram avaliados a 88 bilhões. E o item 16 informa que ocorreu motivação política. Aqui o editor-executivo não sabia o que falava e concluiu de forma errada: ocorreu motivação política em não usar o valor de 88 bilhões.

A tarefa também não é um passeio no parque porque as investigações sobre os desvios na Petrobras ainda estão em curso - ao anunciar os números, Graça Foster afirmou que o número das baixas ainda poderia crescer (17). Corre-se contra o relógio porque, se o balanço auditado não for publicado até o fim de junho, credores poderão reivindicar a aceleração do prazo de vencimento de dívidas, no total de US$ 56,7 bilhões, montante que supera com folga o que a estatal dispõe em caixa.(18)


Na realidade não tinha ocorrido. Finalmente o item final (18) não considera que a empresa poderá ter variação no caixa entre fevereiro e junho. Tudo leva a crer que irá aumentar, já que houve uma recomposição nos preços internos. 

Os testes de imparidade são feitos regularmente em projetos de investimento - a Petrobras, como se sabe, possuía até pouco tempo atrás o maior plano de negócios do planeta. Com esses testes, feitos com alguma regularidade, as empresas verificam se uma unidade geradora de caixa atende às premissas estabelecidas no momento do investimento. "A partir daí, projeto as receitas (19) de acordo com a realidade daquele momento e trago a valor presente essa projeção e comparo com o investimento", explicou uma fonte (20).





Para que perder tempo comentando este texto? O teste que a fonte faz é a partir da receita! Não do caixa. E novamente não dá "nome aos bois".

Pelos padrões mais modernos de contabilidade (21), aplicados os testes de imparidade, os ativos que se valorizam não são contabilizados no balanço (22). Já os ativos que perdem valor, com uma margem expressiva que fuja muito da premissa original do projeto, obrigatoriamente (23) sofrem baixa contábil. "A partir do momento em que você dá baixa, mesmo que a realidade mude dali para frente, você não consegue valorizar o ativo de novo", disse a mesma fonte (24).



Este parágrafo promete: começa com padrões mais modernos de contabilidade e pelo que lemos até aqui ... Logo depois afirma que os ativos que se valorizam não estão no balanço. É isto mesmo que eu li no item (22)? A obrigatoriedade de amortização só ocorre se também o valor de troca for menor. E novamente percebam que ele não cita as fontes.

Em tese, o teste de imparidade deve ser feito para unidades geradoras de caixa. Os testes aplicados recentemente na Petrobras consideraram equipamentos (ativos) isoladamente (24). Por exemplo: avaliou-se um filtro utilizado numa refinaria em vez da própria refinaria, a unidade geradora de caixa. "Um filtro não gera caixa" (25), diz um técnico (26).





Sobre o item (24) não é isto que está nas informações que a empresa divulgou. A informação é que não foi considerada a sinergia entre as UGC, o que é bem diferente da frase. O filtro pode gerar caixa se tiver valor de troca, ao contrário do que afirmou o técnico.

Outro equívoco cometido no cálculo dos ativos foi ter ignorado possíveis sinergias existentes entre as diferentes unidades geradoras de caixa da Petrobras. A estatal está presente em várias etapas da cadeia produtiva do petróleo e em variados negócios. Nos cálculos que encontraram R$ 88,6 bilhões em ativos superavaliados, avaliaram-se ativos isoladamente, sem levar isso em consideração.


Tipicamente Febeacon. 

Um comentário:

  1. Até perdoo certos erros e imprecisões por parte dos jornalistas. Em geral, escrevem para um público leigo ou que não é da área de Contabilidade. Então, para transmitir a mensagem com maior facilidade, escrevem com menos rigor técnico. É algo que eu mesmo faço quando explico Contabilidade para alguém que não tem conhecimentos na área: abro mão de certa precisão e me valho do significado que as palavras e expressões têm no senso comum. Alguns erros, entretanto, são realmente grosseiros.

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