Monica de Bolle- Artigo publicado no O Globo a Mais de 11/12/2014)
“A maior parte das pessoas, hoje, acredita
pertencer a uma espécie que é dona de seu destino. Trata-se de fé, não
de ciência. Jamais cogitamos tempo em que baleias ou gorilas viessem a
ser donos de seus destinos. Por que os seres humanos?”. Ficaram
intrigados? Leiam Straw Dogs, do filósofo John Gray. Se ainda estiverem interessados, leiam o resto do artigo.
Alguns líderes globais e, provavelmente, a
maior parte dos integrantes do mercado, acham que a queda súbita e
intensa dos preços do petróleo – o barril do Brent acaba de alcançar a
menor cotação em cinco anos – é algo bom para a economia mundial. Há
quem acredite cegamente nisso, ante as evidências de que o consumidor
americano está mais otimista, ante os dados positivos do mercado de
trabalho e os ganhos salariais de 0,4% registrados no mês de novembro.
Em novembro, o mercado de trabalho americano criou mais de 300 mil
vagas, levando a média dos últimos seis meses a 258 mil novos postos.
Isso representa cerca de 100 mil vagas a mais do que as que foram
criadas mês a mês em 2011 e 2012. Turbinado pela queda do preço da
gasolina, o consumidor americano se anima e leva junto a economia
mundial, não? Trata-se de progresso, verdade? Dessa história de sermos
donos de nossos destinos e tudo o mais.
Bem, não necessariamente. A recessão no Japão
acaba de se aprofundar devido aos aumentos de impostos executados em
abril desse ano, aproximando o país da deflação, força gravitacional da
qual o Japão não parece conseguir escapar por muito tempo. Na Europa,
Mario Draghi bem que tentou se mostrar otimista com a queda do petróleo,
mas, no fim, deixou clara a sua preocupação com as implicações que a
queda do principal insumo produtivo pode ter para os riscos crescentes
de deflação na zona do euro. Some-se a isso a crise econômica na Rússia e
a exacerbação que os riscos geopolíticos podem sofrer se o mergulho do
petróleo for motivo para que Vladimir Putin, tencionando desviar atenção
dos problemas domésticos, intensifique as investidas Ucrânia adentro,
ou mesmo estendendo a estratégia “wag the dog” para outros
países da ex-União Soviética. Como discuti em artigo recente nesse
espaço, a Rússia é grande risco global ignorado pelos mercados, que,
nesse aspecto, parecem professar ato de fé à la Straw Dogs.
Imaginem se a Rússia ameaçar não pagar os US$ 700 bilhões que suas
empresas devem aos bancos do Ocidente porque… bem, entre outras razões
porque perdeu sua principal fonte de recursos, além de estar sofrendo
com as sanções impostas pelos EUA e, sobretudo, pela Europa?
Quem ganha e quem perde com os preços do
petróleo em queda e qual o impacto de tudo isso sobre a economia
mundial? A resposta é bem menos óbvia do que parece. De um lado, EUA e
China, que acaba de registrar o maior superávit na balança comercial em
novembro devido à queda do petróleo. De outro, Japão, Europa e Rússia,
ameaçando o frágil equilíbrio que parece ter sido alcançado pela
economia global nos últimos meses. Em meio a isso, os países emergentes
em desaceleração ficam, inevitavelmente, à deriva.
Num mundo que ainda carrega as cicatrizes e
sequelas da crise internacional, a queda do petróleo é bem menos
auspiciosa do que parece, o destino, tão imponderável quanto
incontrolável. Se fôssemos gorilas, nada disso teria importância.
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