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15 dezembro 2014

Desgovernança Corporativa no Petrogate

Diário do Poder: 12 de dezembro de 2014 

Passada a exaltação de ânimos provocada pela justificada indignação nacional com a sequência de revelações do escândalo “petrogate”, o affair merece uma análise sóbria de suas implicações  e alcances institucionais.

A Petrobras, embora referida na imprensa como uma estatal, a rigor é uma sociedade de economia mista dada a composição público-privada de seu capital. Como tal, está inserida num híbrido e complexo marco legal e regulatório. Rege-se pela lei de sociedades por ações, pela regulação das empresas de capital aberto, mas pauta-se também pelo direito administrativo. Consequentemente deve ater-se à legislação sobre licitações públicas assim como às normas da Comissão de Valores Mobiliarios (CVM) e da Bolsa de Valores de São Paulo (BOVESPA) onde são negociadas suas ações, portanto subordinando-se simultaneamente a regras de governança pública e corporativa. No que tange a licitações, a Petrobras desde de 1998 ampara-se no Decreto 2745 que lhe faculta isenção das exigências da lei 8.666 sobre licitações públicas de 1993, simplificando o processo licitatório e aumentando sua competitividade com outras empresas do setor a partir da abolição de seu monopólio do setor. Esta simplificação permite à Petrobras, por exemplo, a simples tomada de preços entre três fornecedores, facilitando também irregularidades. Entretanto, devido à suspeita sobre a lisura deste processo simplificado, há inúmeras ações pendentes no STF,  contra a Petrobras devido à não aplicação da Lei 8.666. A mais antiga tramita há nove anos no Tribunal, sem que ainda tenha sido julgada. A demora tem permitido que a Petrobras descumpra as determinações do TCU com base nas liminares concedidas pelo STF. Um recente levantamento preliminar do TCU mostra que 60% a 70% das aquisições da Petrobras foram realizadas sem licitações, num total de R$ 60 bilhões a R$ 70 bilhões no período entre 2011 e 2014.
O escândalo adquiriu caráter  de corrupção na medida em que a midia revelou alegações de saqueamento de seu capital mediante super faturamento e propinas vinculados a contratos de prestação de serviços e obras, facillitado pelas flexíveis normas de licitações públicas. Isto provocou a animosidade de segmentos do povo brasileiro, seus “proprietários” lato sensu. Impulsionada pela indignação popular veiculada pela imprensa nacional e internacional, seguiu-se uma diligente campanha investigatória e de fiscalização que tem enquadrado policialmente vários suspeitos destes ilícitos. Alguns dos acusados ampararam-se na proteção de delação premiada, que vêm revelando os alcances e meandros da artimanha estelionatária e de corrupção política, já que os acusados teriam sido indicados por legendas partidárias da base aliada do governo. 
No contexto de direito administrativo as transgressões por omissão ou comissão imputadas ao Conselho de Administração da empresa e aos seus diretores, seriam enquadradas como crimes de improbidade administrativa. Esta face do affair, cujos desdobramentos políticos serão conhecidos à medida que o processo investigatório e criminal  avança não é objeto destes comentários. Interessam-nos mais as implicações de governança corporativa que têm sido objeto de escassa análise na imprensa nacional.
Como uma sociedade por ações de capital aberto (companhia aberta), embora o seu maior detentor de capital seja a União, há que considerar também os interesse de seus acionistas minoritários, representados no Conselho de Administração da empresa. Entre estes estão, além dos acionistas cujas ações são negociadas na BOVESPA, os que detêm ações na forma de ADRs “American Depositoy Receipts”, que constituem certificados, descontáveis em certos bancos norte-americanos, que comprovam propriedade destas  ações, negociados na NYSE (Bolsa de Valores de Nova Iorque). Neste contexto, estes desvios de conduta do Conselho e de seus diretores são caracterizados como falhas corporativas do dever de diligência (“due diligence”), tanto dos seus membros como de seu Presidente, e de estelionato no caso dos diretores que se locupletaram com propinas. 
Estas transgressões, devido ao marco legal híbrido da empresa, enquadram-se nos códigos civil e criminal assim como violações de normas da BOVESPA e da CVM.  Caberia ao representante dos acionistas minoritários apontar e combater judicialmente os desvios do dever de diligência do Conselho e do seu Presidente mediante decisões que chancelaram os ilícitos.  Caso este representante tenha acompanhado o Conselho nestas decisões, caberia a sua substituição por renúncia ou iniciativa  dos acionistas minoritários mediante uma ação de classe- “class action”. 
As investigações e respectivos enquadramentos a nível nacional deste quadro de transgressões de governança corporativa até o presente não têm merecido muita atenção da imprensa nacional.   A desconhecida reação destes órgãos reguladores e fiscalizadores, mormente da CVM e do representante, no Conselho, dos acionistas minoritários pasma face às iniciativas de seus homônimos internacionais. Como se deu a conhecer recentemente na imprensa nacional, a NYSE, impulsionada pela SEC, exigiu uma auditoria investigatória (“forensic audit”) para comprovar e apurar as dimensões das alegadas fraudes licitatórias causadoras de consideráveis danos ao capital da empresa e consequentemente lesivas aos detentores de suas ações (ADRs) negociadas na NYSE. 
Igualmente, a SEC recentemente intimou a Petrobras a fornecer documentação para a sua própria investigação criminal. Isto naturalmente como parte do cumprimento das obrigações legais e estatutárias deste órgão em beneficio do interesse dos detentores de ações da Petrobras negociadas na NYSE e não provenientes de decisões governamentais. Face ao desconhecimento  se algo semelhante foi ou está sendo feito pela CVM e/ou BOVESPA, poderia caraterizar-se também como negligência preocupante destes órgãos, especialmente se comparados com os respectivos dos Estados Unidos que já estão atuando. 
Da mesma forma, a justiça norte-americana já iniciou processo que corre em sigilo de justiça para apurar se na compra da refinaria de Pasadena no estado do Texas houve, por parte da Petrobrás, violação da legislação norte-americana sobre corrupção internacional (“Foreign Corrupt Practices Act”) que penaliza severamente empresários que subornem funcionários governamentais no exterior. Estas ocorrências, agravadas pela permanência na presidência executiva da Petrobras do mesmo funcionário durante estas práticas ilícitas, refletem outra deficiência da cultura de governança corporativa, que merece correção. As consequências deletérias de tais deficiências são por demais conhecidas. As que impactarão diretamente na Petrobras, além da enorme perda do valor de seu capital acionário detido por investidores nacionais e internacionais, serão as dificuldades crescentes de levantar no mercado financeiro internacional os recursos  que requer para dar continuidade aos seus investimentos. 
Caso a auditoria em curso pela Price Waterhouse Coopers, requerida pela NYSE, apresente um relatório com muitas reservas (“qualifications”), a NYSE poderá excluir suas ações, que não mais poderão ser negociadas nela. Adicionalmente, o desfecho do “petrogate” deverá pesar consideravelmente num possível “downgrade” (rebaixamento) pelas agências de classificação do grau de risco de investimento concedido ao Brasil, com consequências nefastas para a credibilidade do país e as condições de sua recuperação econômica.
Frente a tantas deficiências institucionais tanto na esfera pública como corporativa, o que resta de animador para a opinião publica brasileira é somente a tenacidade e perseverança com que órgãos de estado – não de governo- como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Controladoria Geral da União, entre outros, têm dedicado ao saneamento ético e moral que os brasileiros tanto esperam de suas lideranças governamentais e corporativas.
Rogerio F. Pinto é doutor em Administração pela Universidade do Sul da Califórnia, mestre em Ciência Política pela Universidade da Carolina do Norte e especialista em Finanças Municipais na Universidade de Harvard. Atualmente aposentado, foi durante várias décadas gerente de projetos de desenvolvimento e analista institucional do Banco Mundial em Washington

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