22 outubro 2014
Resenha: Bartleby o Escrevente
Em geral fazemos resenhas de livros técnicos ou não ficção. Mas ousamos escrever sobre um conto, inicialmente publicado em 1853 e relançado em 1856, de autoria de Herman Melville. Melville ficou mundialmente conhecido pelo livro Moby Dick, de 1851 e Bartleby é seu conto mais conhecido.
O narrador é um escrivão que decide contratar um novo empregado. Aparece Bartleby disposto a ocupar o cargo de “copista”. Naquele tempo era usual o emprego de pessoas que escreviam, à mão, cópias dos documentos. O livro apresenta o estranho relacionamento do narrador com Bartleby em Wall Street. A história foi transformada em filme duas vezes e existem adaptações para o teatro. É uma das novelas mais famosas, precursora de Kafka e Camus. No Brasil, Veríssimo, o filho, possui um conto muito parecido com este. A frase do personagem, “Prefiro que não” (I would prefer not to do) e derivados ficou famosa. (imagem)
Pessoalmente, sempre tive interesse por esta novela desde que encontrei numa lista das obras literárias com uma ligação com a contabilidade. É bem verdade que nenhum dos personagens é contabilista, mas o enredo poderia se passar num escritório de contabilidade. A única ligação é uma nota de rodapé sobre John Caldwell Colt, um contador e autor de um manual de contabilidade, referência no ensino da disciplina nos Estados Unidos. O irmão do inventor do revolver Colt ficou muito conhecido pela morte de Samuel Adams, um crime famoso no século XIX.
O texto é curto, afinal é um conto, com cerca de 80 páginas. O formato do livro é agradável e faz parte de uma coleção denominada “A Arte da Novela”, da Gruá Livros. Mas se você gosta de ler a orelha de um livro, esqueça. Como a capa e contracapa estão em amarelo e a letra em branco, a leitura é um teste para a visão. De noite então é impossível saber o que está escrito na orelha. Apesar do formato agradável, as paginas soltam facilmente.
Vale a pena: É uma novela interessante e que pode agradar aqueles que gostam de Kafka e de Melville.
MELVILLE, Herman. Bartleby O Escrevente. São Paulo: Grua, 2014.
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Por Juliana Cunha, uma resenha que ajuda a entender muito desse "preferiria não fazer".
ResponderExcluirTenho lido muitas vezes a história de Bartleby, um escrivão de Wall Street que, ao ouvir pedidos do patrão, responde com franqueza que “preferiria não fazer”. Imagina que incrível: seu chefe te pede para preparar um relatório e você simplesmente diz: “Prefiro não fazer”. Quem algum dia preferiu fazer?
Wall Street é um lugar estranho porque é, ao mesmo tempo, uma rua cheia de pessoas obcecadas pelo trabalho e um símbolo do capitalismo financeiro, sistema que permitiu que a geração de dinheiro fosse desconectada do trabalho. Ou seja, que dinheiro gerasse dinheiro, sem necessariamente passar por toda aquela burocracia de produzir bens, vendê-los e só então obter lucro.
Bartleby trabalha nessa rua de lógica torta: a rua que possibilitou que tantos ricos preferissem não mais fazer coisas, não mais lidar com funcionários, não mais produzir.
Seu próprio patrão, um advogado velhinho, acha que a forma mais fácil de levar a vida é sempre a melhor, mas fica transtornado quando um simples funcionário resolve levar seu conselho ao pé da letra.
No começo do conto — esqueci de avisar que estamos falando de um conto de Melville, autor de “Moby-Dick” —, Bartleby até que trabalha. Logo depois de ser contratado, parece ávido por copiar documentos, mas copia mecanicamente, sem alegria, o que aborrece o chefe.
Não lembro em que livro Bukowski conclui que, para o patrão, o fato de você entregar um trabalho bem feito nunca é suficiente. É preciso amar o trabalho, fazer declarações públicas de amor a ele.
Bartleby é pura passividade paciente. Fica parado, contemplativo, quase zen. Só se alimenta de pães de mel. Não trabalha nem se dá o trabalho de fingir. O chefe ficaria aliviado caso ele se recusasse a trabalhar, mas ele não se recusa, apenas apresenta um empecilho incontornável: ele preferiria não trabalhar. Como obrigar uma pessoa a preferir algo?
No original em inglês, a frase usada soa esquistia. Barlteby diz “I would preferer not to”, enquanto a construção maiscomum seria “I would rather not”.
Deleuze fez um texto sobre esse conto em que diz o seguinte:
“A fórmula I PREFER NOT TO exclui qualquer alternativa e engole o que pretende conservar assim como descarta qualquer outra coisa; implica que Bartleby para de copiar, isto é, de reproduzir palavras; cava uma zona de indeterminação que faz com que as palavras já não se distinguam, produz o vazio na linguagem. Mas também desarticula os atos de fala segundo os quais um patrão pode comandar, um amigo benevolente fazer perguntas, um homem de fé prometer. Se Bartleby recusasse, poderia ainda ser reconhecido como um rebelde ou revoltado, e a esse título desempenharia um papel social. Mas a fórmula desasticula todo ato de fala, ao mesmo tempo que faz de Bartleby um puro excluído, ao qual já nenhuma situação social pode ser atribuída”.
Traduzindo para linguagem de dia de semana, a força de Bartleby está em não recusar nem aceitar, em dar uma resposta esquisita que coloca os outros numa posição igualmente esquisita.
O advogado do conto chega a dizer que “nada irrita mais uma pessoa honesta do que a resistência passiva”. Por conta dessa resistência passiva e irritante, alguns críticos chegam a compará-lo a Gandhi e eu chego a considerá-lo um herói da classe trabalhadora.
Juliana,
ExcluirFantástico seu texto.