Com uma ideia na cabeça e um smartphone na mão, os universitários estão preenchendo, por conta própria, as lacunas deixadas por sistemas arcaicos que gerenciam a vida acadêmica.
Foi o caso de Lucas Argate, 24. Ele perdeu as contas das vezes em que presenciou seus colegas perdidos durante a embaralhada troca de salas no curso de sistemas de informação, na PUC de Campinas (a 93 km de São Paulo).
Ele viu que havia uma demanda: era preciso organizar o caos. Assim nasceu o aplicativo gratuito "PUC Grade".
O aluno o acessa com a mesma senha que insere no sistema da universidade. Lá encontra a grade curricular, a localização dos prédios do campus e as atividades desenvolvidas no curso.
O aplicativo atualiza as informações do aluno graças a um servidor alugado pelo estudante nos EUA -Lucas gasta US$ 90 por mês com isso.
Na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), alunos de ciência da computação também trabalham para quebrar um ciclo vicioso: o sistema de matrícula da universidade vez ou outra emperra. A cada novo semestre, muitos universitários ficam perdidos pelos blocos do campus.
No rastro desta demanda, surgiu o "Guia UFSCar". O aplicativo tem 4.000 usuários. "A gente adicionou funções que faziam falta no nosso dia a dia", diz Henrique Galo, 24, um dos inventores.
No "Guia", os alunos têm um mapa com a localização dos blocos, o cardápio do restaurante universitário e um gerenciador de faltas.
As iniciativas de Lucas e Henrique são apenas uma mostra dos primeiros passos na carreira que muitos estudantes da área de tecnologia têm dado Brasil afora.
"É o tipo de aluno que identifica o problema e põe em funcionamento uma solução melhor que a existente. Isso requer uma certa maturidade", reflete Leandro Tessler, especialista em ensino superior da Unicamp.
A própria Unicamp é um exemplo disso. Detentora de uma plataforma para os graduandos (com informações como salas, professores e matriz curricular) que era alvo de reclamações, a universidade absorveu ao seu sistema um software criado pelo estudante Felipe Franco, da engenharia da computação.
"[O software] utiliza a linguagem própria dos alunos e permite o acesso das informações em qualquer ponto com acesso à internet", diz a universidade em comunicado.
O fenômeno é mundial. "Os estudantes são sempre mais inovadores do que os burocratas", diz Harry Lewis, do departamento de ciências da computação de Harvard. "Os alunos fazem sistemas com usabilidade muito melhor do que os oficiais."
Os inventores têm opinião parecida. "A universidade não incentiva e não vê o aplicativo como uma necessidade", diz Eduardo Ferreira, 21, criador do "Partiu Bandeja?", que disponibiliza informações do bandejão da UFRJ.
Henrique Galo diz que a ampliação do "Guia UFSCar" ainda engatinha. "Para o mapa sair, fomos anotando à mão a longitude e a latitude de cada bloco. Queremos trazer a biblioteca e a rádio para o aplicativo, mas os sistemas da UFSCar são tão ruins que é desanimador fazer um contato com a direção", diz.
Leandro Leite, 24, partiu por outra via. Ele e um amigo criaram o grupo de pesquisa Web & Mobile, na UFRJ. O desafio é ousado: formar desenvolvedores de aplicativos. "Quem sabe, poderemos fazer disso um negócio", sonha.
Apesar das dificuldades, especialistas dizem que tais aplicativos são uma bela porta de entrada para o mercado de trabalho. "Quando o estudante traduz uma necessidade, supera dificuldades e cria uma solução, ele está cumprindo um ciclo de entrega, como um profissional", analisa Renato Fonseca, gerente de Inovação do Sebrae-SP.
Para Fernando Pires, 25, sócio da Start Apps, empresa que desenvolve aplicativos para celular, a universidade tem a vantagem de permitir ao desenvolvedor experimentar.
"No ramo de tecnologia, a aposta sempre vale a pena. Não se pode ter medo do erro. Todos ainda estão aprendendo. O importante é perceber que o 'app' precisa ter uma razão para existir, ser funcional, pensar qual público pretende atingir."
Estudantes criam aplicativos para driblar a burocracia das universidades - Folha de S Paulo
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