Mais uma campeã nutrida com dinheiro público, desta vez R$ 700 milhões de investimento, tenta sair do buraco. Formada em 2010 para ser uma gigante do setor, a LBR Lácteos logo entrou em recuperação judicial. Em mais uma aposta errada, o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) participou da aventura com 30,3% do capital. A ex-futura campeã estava nos últimos dias ocupada em levantar R$ 740 milhões com a venda de várias unidades de produção. Era uma tentativa de cumprir o plano oficial de recuperação, segundo noticiou o Valor no começo da semana. Enquanto isso, em Brasília, a oposição batalhava para dar sobrevida a investigações sobre negócios muito estranhos da Petrobrás. Para entender bem os dois casos convém juntá-los na mesma narrativa.
A história é uma só e inclui a escolha de campeões alimentados com dinheiro público, as pressões contra o executivo de uma vitoriosa empresa de mineração, o uso de uma petroleira estatal para projetos políticos e a conversão de bancos públicos em prontos-socorros de grupos escolhidos. O leitor pode rotular esse conjunto como ciência política, teoria administrativa ou pesquisa econômica. Pode também juntar as três qualificações. Todas se aplicam ao livro dos professores Sérgio Lazzarini, do Insper, e Aldo Musacchio, de Harvard. O recém-editado Reinventing State Capitalism (Reinventando o Capitalismo de Estado) é um estudo sobre um novo tipo de Leviatã econômico, sucessor do velho e bem conhecido Estado empresarial encontrado em todos os cantos do mundo na maior parte do século passado. O Estado empreendedor funcionou tanto no mundo socialista quanto no lado capitalista. Controlava e administrava empresas como extensões da burocracia pública. Agonizante nos anos 80, esse modelo foi em grande parte substituído por dois novos tipos de Leviatã econômico. O investidor majoritário mantém o papel de acionista controlador, mas o padrão gerencial pode ser muito mais flexível que o anterior. O investidor minoritário passa o controle a investidores privados, mas conserva influência indireta na administração. Este segundo modelo inclui a atuação de bancos de investimento (como o BNDES) e de fundos, como os de pensão.
Para começar, os autores propõem uma tipologia de alcance internacional, explorando exemplos de várias partes do mundo. A exposição percorre tanto países tradicionalmente capitalistas quanto economias em transição. O caso chinês aparece com destaque logo no começo, numa referência ao lançamento inicial de ações do Banco Agrícola da China, em 2010, nas Bolsas de Xangai e de Hong Kong. Ainda oficialmente socialista, a China também participou, e continua participando, da renovação do capitalismo de Estado. Os autores evitam - de fato, rejeitam - discutir se as empresas vinculadas total ou parcialmente ao Estado são mais ou menos eficientes que as companhias privadas. Mesmo no tempo do Estado empreendedor as comparações seriam inconclusivas, se se tratasse de desempenho em condições normais. Em crises como a dos anos 1980, no entanto, estatais poderiam ter menos liberdade para demitir. Isso ocorreu, de fato, naquele período. Essa limitação afetou seus resultados e uma das consequências foi a redução de investimentos. Quem acompanhou essa experiência ao vivo e em cores deve lembrar-se de mais um detalhe: com o Tesouro quebrado e sem crédito, estatais brasileiras foram usadas para captação de recursos. Apesar do endividamento, os projetos de expansão e de modernização continuaram parados. Por isso muitas estavam financeiramente arrebentadas e tecnicamente atrasadas quando foram levadas à privatização.
A passagem do velho modelo para os novos tipos de capitalismo de Estado é examinada com base na experiência de países de todos os continentes. Apesar do cuidado com as nuances, a tipificação deve aplicar-se às economias desenvolvidas - tão diversas quanto as escandinavas e a americana - e também às emergentes e em desenvolvimento. Mas depois do cenário mais amplo o foco se estreita e a discussão se concentra no exemplo brasileiro. A história é recontada a partir das privatizações e da adoção dos novos modelos. A mudança do Leviatã empreendedor para os dois novos tipos - o majoritário e o minoritário - abriu a possibilidade, em todos os países, de alterações importantes na condução das empresas. Como exemplos, maior autonomia, maior transparência e maior profissionalismo gerencial no dia a dia e na fixação de objetivos. No Brasil, boa parte dessas possibilidades ficou inexplorada.
Sem avaliações, os dois autores descrevem, com distanciamento acadêmico, as interferências na Petrobrás, a escolha de campeões e os estranhos critérios de financiamento e investimento do BNDES, as tentativas de intervenção na Vale (com a campanha contra o presidente Roger Agnelli) e outros fatos bem conhecidos, mas nunca reunidos e articulados numa pesquisa. Os autores talvez pudessem, ou devessem, ter incluído na classificação subtipos de capitalismo de Estado, observáveis tanto no velho modelo do Leviatã empreendedor quanto nos casos dos Leviatãs majoritário e minoritário. O exemplo brasileiro a partir de 2003 seria rotulável como capitalismo de Estado dos cumpanhêro. O subtipo incluiria tanto a gestão subordinada a interesses partidários e eleitorais (com as nomeações segundo cotas) quanto a influência das ambições pessoais do governante (quando candidato, por exemplo, a líder regional).
Reinventing State Capitalism (Harvard University Press) é uma bela continuação do trabalho iniciado por Sérgio Lazzarini com seu Capitalismo de Laços - Os Donos do Brasil e suas Conexões, lançado em 2011. -
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