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18 julho 2014

Entrevista com James Robinson

Entrevista James Ronison

Por Pieter Zalis

O inglês, autor do livro Por que as Nações Fracassam, acha que o Brasil já conquistou uma democracia madura, mas alerta para o fato de que a sociedade está à frente dos políticos

O economista James Robinson vai na contramão do mau humor global em relação ao Brasil. Professor da universidade americana Harvard, ele ganhou os holofotes internacionais com o livro Por que as Nações Fracassam, lançado pela editora Elsevier em 2012. Sua tese é que o fortalecimento das instituições diferencia os países de sucesso daqueles que naufragam. É sobretudo com base nesse argumento que Robinson reafirma seu otimismo em relação ao Brasil, "a democracia mais madura da América Latina". Sobre o desencanto da população com seus representantes, evidenciado nas manifestações de junho do ano passado, ele afirma que isso apenas atesta o amadurecimento da nação:"Os brasileiros estão com o senso crítico mais aguçado". Robinson concedeu a VEJA a seguinte entrevista.

Há dois anos, o senhor disse que o Brasil estava prestes a ultrapassar a fronteira das nações fracassadas rumo aos países prósperos. Continua acreditando nisso?

Sem dúvida. O Brasil é o melhor exemplo de sucesso da América Latina. Muitos criticaram minha percepção, mas trabalho com fatos: vocês tiveram uma queda significativa da desigualdade e da pobreza, aumento no acesso à educação e diversos sinais de amadurecimento da democracia — a começar pelo surgimento de uma nova classe média, que passou a reclamar a melhoria da qualidade dos serviços públicos. O Brasil também passa a dar mostras de que quer o fim do clientelismo político.

O senhor se refere à condenação de políticos no julgamento do mensalão?

Sim. Esse processo deixou uma mensagem clara: ninguém é intocável. Isso não é pouco — evidencia a força do sistema judicial do país, sua autonomia em relação aos políticos e o fato de que o Estado de direito está em pleno vigor.

Pesquisas mostram que é grande a insatisfação dos brasileiros com a classe política. Que consequências isso pode ter para a democracia?

Não vejo nenhuma ameaça. Há uma distinção entre a percepção que se tem das instituições e a das pessoas que no momento as representam.

Mas um levantamento recente mostrou que 24% dos eleitores não têm candidato e 68% não têm preferência por partido. É o maior índice desde o início do levantamento, em 1989. Isso não é preocupante?

Esse número indica simplesmente que o brasileiro está com o senso crítico mais aguçado. A mensagem é que os políticos precisam abdicar de seus interesses pessoais e se aproximar dos interesses dos eleitores. Trata-se de um processo longo de reaproximação — políticos e partidos em geral levam mais tempo para compreender as mudanças de anseios da sociedade. O Partido Trabalhista inglês, por exemplo, demorou 25 anos para perceber que os eleitores não compactuavam mais com uma esquerda sindical, trabalhista. Esperavam uma esquerda mais liberal, que conciliasse os ganhos sociais com o capitalismo e o livre mercado. Mas foi apenas em 1994 que Tony Blair surgiu com a ideia da terceira via.

Dois anos atrás, muitos concordariam com seu otimismo em relação ao Brasil. Hoje, porém, parece haver um pessimismo crescente entre os analistas internacionais.

Concordo que há problemas no Brasil, mas considero-os superficiais e inseridos num processo mais profundo de transformação. O sucateamento da indústria e o aumento da intervenção do Estado na economia são fatos concretos. Mas, olhando de uma perspectiva de longo prazo, o Brasil está na direção correta e à frente de outros países latino-americanos. As evidências sugerem que a democracia é o sistema que mais promove o desenvolvimento econômico. Então, se tomarmos o caso da Colômbia, por exemplo, o país hoje favorito dos economistas, veremos que o Brasil está em larga vantagem. Dez anos atrás, forças paramilitares colombianas conseguiram eleger um terço dos legisladores e congressistas. Nas últimas eleições locais, 48 candidatos foram assassinados. É um sistema que exclui parte da população do processo político e que resulta em um progresso muito menor. Do ponto de vista da economia, podemos comparar o Brasil com o Chile, outro paradigma de país promissor, na avaliação de muitos economistas. Mas o Chile depende mais do que o Brasil de produtos primários na sua pauta de exportações. Então, apesar dos problemas, o Brasil segue como o principal candidato a atingir o mais alto patamar de progresso na região.

A respeito da relação entre democracia e desenvolvimento econômico, o que explica o enriquecimento da China?

O sucesso chinês é reflexo do fortalecimento dos seus pilares econômicos. O país abriu suas fronteiras para o mercado internacional e fez investimentos na produção agrícola, industrial e em tecnologia. Esse crescimento, porém, tem prazo de validade, assim como ocorreu na União Soviética. É impossível manter um padrão de crescimento sem participação política da sociedade. Por decreto, Josef Stalin moveu recursos e mão de obra do campo para a indústria. Por meio desse sistema, os bolcheviques conseguiram criar um Estado com crescimento anual do PIB de 6% durante 32 anos. Mas, sem a inclusão política da sociedade, o sistema se esgotou e implodiu. A China pode estar indo pelo mesmo caminho e exaurindo seu potencial autoritário.

Parodiando o título de seu livro, por que as nações fracassam?

Fracassam porque não constroem instituições políticas e econômicas de qualidade capazes de criar oportunidades de crescimento para as pessoas. As nações que fracassam são dominadas por aquilo que chamo de instituições econômicas extrativistas — que concentram poder e renda nas mãos de um grupo pequeno de pessoas. Elas são o oposto das instituições econômicas inclusivas, que permitem que a riqueza seja disseminada pela sociedade. Ocorre que, para criar instituições econômicas inclusivas, é necessário ter instituições políticas igualmente inclusivas — ou seja, instituições que representem um amplo leque de interesses e não que existam apenas para proteger os interesses de um pequeno grupo, caso das instituições políticas extrativistas. Em um exemplo extremo, estamos falando das diferenças que existem entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul.

Com base em que o senhor afirma que diferenças culturais e determinismos geográficos não são tão importantes quanto as instituições para criar condições de desenvolvimento?

Trata-se de uma conclusão empírica. Eu trabalhei muito na África e jamais consegui comprovar, como defende o economista americano Jeffrey Sachs, que a malária seria responsável pelo subdesenvolvimento do continente. O que há claramente em toda a África, e que emerge como um obstáculo comum ao desenvolvimento dos países, são instituições que privilegiam determinadas classes políticas em detrimento do bem-estar geral.

O senhor foi contratado pelo governo colombiano para ajudar no processo de negociação de páz com as Farc. Como pretende fazer isso?

Na realidade, estou preocupado com o cenário que vai se desenhar quando o processo de paz se concretizar. Venho conversando com membros do governo e sempre digo que o simples fato de desmobilizar as Farc não será suficiente para resolver o problema da Colômbia. É verdade que o país prosperou economicamente na última década, mas ainda enfrenta uma séria dificuldade: nenhum governo quebrou o sistema de governança que criou os problemas fundamentais do país.

Como funciona esse sistema?

Na Colômbia, há uma forma indireta de governar que foi muito comum durante o período dos impérios europeus. A elite política, moradora de áreas urbanas, delega a administração do interior e das periferias às elites locais, que têm liberdade para governar do jeito que bem entendem. Essa forma de administrar criou o caos — e favoreceu a ilegalidade. Sem mudar essa estrutura, o progresso da Colômbia fica comprometido.

O que o senhor pensa da teoria do economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller O Capital no Século 21, de que a desigualdade aumentou no mundo nos últimos duzentos anos e que, portanto, é necessário mais controle do Estado sobre os mercados?

O livro de Piketty é estúpido e representa tudo o que critico. Ele esquece como a política influencia a economia. Há tanta coisa errada que eu nem sei por onde começar. Pesquisei a realidade de países muito diferentes entre si. Fiz diagnósticos distintos sobre cada um. Mas Piketty põe tudo no mesmo saco. Como posso deixar de lado as diferenças históricas entre América Latina e América do Norte? As instituições latinas são muito menos democráticas que as americanas. E como o capitalismo da Suécia pode ser comparado ao da Colômbia? Você acha que os problemas brasileiros serão resolvidos com mais impostos sobre os negócios dos empresários locais, como ele defende? Entendo esse livro como um projeto político em favor do socialismo, e não como um projeto científico. Nas ciências sociais, testamos hipóteses. Piketty não testou nada.

O senhor afirma que, para se desenvolverem, os países têm de passar por um processo de destruição criativa. O que isso significa?

Para haver progresso político e econômico, é preciso tomar atitudes inovadoras, acolher novas ideias. Isso é destrutivo no sentido de que deixa para trás não apenas tecnologias mas formas ultrapassadas de fazer política também. Cito um exemplo: para dar início à Revolução Industrial, a Inglaterra teve de passar pela Revolução Gloriosa, que tomou seu sistema político mais aberto e barrou um eventual regresso do absolutismo. Isso permitiu o surgimento de um regime baseado em uma Constituição que representava as demandas de um Parlamento plural. Em seguida, vieram as leis de propriedade intelectual, e as barreiras para a expansão do mercado financeiro e da indústria caíram. A expansão industrial surgiu somente nesse contexto. É o tipo de processo que tende a ser muito desestabilizador socialmente — e que muitas vezes emperra na resistência de formas ultrapassadas de poder, caso em que os países não conseguem progredir.

Na sua opinião, até quando os Estados Unidos continuarão a ser a principal potência global?

Até quando conseguirem manter a força de suas instituições. Embora não seja o único, um aspecto muito importante para o protagonismo dos Estados Unidos é a maneira como a sua população absorve pessoas de todas as partes do mundo. As melhores universidades do país estão repletas de estrangeiros, assim como o Vale do Silício. Nos Estados Unidos, a inclusão é muito mais forte do que em qualquer outro lugar do planeta, o que cria vantagens econômicas significativas. Enquanto isso, na Europa, ganham força partidos que defendem a imposição de restrições à imigração.

Por que motivo esses partidos, contrários à União Européia e suas instituições, foram os grandes protagonistas nas últimas eleições?

No caso de países do sul da Europa — Grécia, Espanha e Itália —, creio que estão descobrindo que seu modelo institucional é incompatível com o da União Européia. Eles aderiram a uma fórmula muito diferente da de sua estrutura interna. Esses países do sul estão muito mais próximos do modelo latino-americano. Quanto aos partidos que você citou, a principal bandeira deles está relacionada à xenofobia, e não a um ataque às instituições democráticas. Políticos exploram o nacionalismo para criar coalizões. Esses movimentos costumam ganhar força nos momentos de crise registrados nos ciclos do capitalismo. As instituições europeias são muito robustas para deixar acontecer um colapso institucional. Por isso, a situação atual não me preocupa muito. Será tudo passageiro.

Revista Veja

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