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25 maio 2014

Criação da graduação em Administração no Brasil foi um erro




Ao longo de 35 anos, o professor Paulo Roberto Feldmann, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP), foi executivo de grandes companhias transnacionais, como Microsoft, Citibank, Iron Mountain e Ernst & Young. Em 2011, ele resolveu escrever um livro chamado "Empresas Latino-Americanas", sobre suas percepções acerca de temas pertinentes à administração, com base em sua experiência nas empresas pelas quais passou. No ano seguinte, uma editora americana, a Springer, o procurou para fazer uma adaptação da obra para o mercado americano, focada nos executivos e empreendedores de lá que vem atuar no Brasil e seus vizinhos.

O resultado foi o livro "Management in Latin America: Threats and Opportunities in the Globalized World", lançado há algumas semanas no mercado americano e disponibilizado também na Amazon.com. "O objetivo do livro é analisar a qualidade da gestão empresarial e o desenvolvimento econômico na América Latina, e explicar o jeito latino-americano de gerir os negócios", diz comunicado divulgado à imprensa por ocasião do lançamento.

Feldmann conversou com o Administradores.com, destacou alguns pontos abordados na obra e compartilhou sua visão sobre temas comuns ao universo empresarial brasileiro. Alguns pontos de vista do professor são polêmicos e prometem gerar um bom debate por aqui, como sua posição de que a criação da graduação específica em Administração no Brasil foi um erro e de que franqueados não são, necessariamente, empreendedores. Ele destaca ainda a resistência do brasileiro a correr riscos e a preferência por amigos e familiares na gestão dos negócios como pontos que dificultam o crescimento e a competitividade dos negócios tupiniquins.

[...]

Voltando ao assunto das características, quais outras você pode citar?

Nós brasileiros, e os latino-americanos, em geral, também somos muito apegados à família e aos amigos. A dedicação do brasileiro à família e aos amigos é exagerada, quando comparada com outros povos. E isso é levado para o campo da empresa. Na empresa brasileira, é muito comum que cargos importantes sejam, às vezes, ocupados por pessoas que são da família ou só amigos. Não há o rigor de se fazer questão de preencher os cargos com o melhor profissional, porque o brasileiro valoriza muito a confiança pessoal. Nos Estados Unidos, não existe isso. Nos Estados Unidos, indicações de amigos ou de familiares são muito mal vistas e os cargos são preenchidos sempre por profissionais.

Uma outra coisa (voltando a comparar com os americanos): os norte-americanos são muito pragmáticos. Quando eles abrem uma empresa, o objetivo é ganhar dinheiro. Já o brasileiro não é tão pragmático. Claro que ele quer dinheiro, mas quer, acima de tudo, não perder o controle do negócio. Quando um cidadão americano abre uma empresa - mesmo que pequenininha, em sua garagem - depois de um tempo, ele abre o capital. Com isso, ele chama os acionistas e a empresa cresce. Só que ele não vai mais ter o controle, vai passar a ter 1% da empresa, talvez, porque a empresa crescerá e os acionistas assumirão o controle. Isso não existe no Brasil, porque o empresário nunca admite a hipótese de perder o controle. Ele prefere não crescer, mas não vai perder o controle. Isso acaba acontecendo até nas grandes empresas. Você pega os grandes grupos empresariais brasileiros, mesmo aqueles que abriram o capital, abriram de uma forma muito pequena.

O fato de o empresário não querer perder o controle tem aspectos positivos e negativos ou isso é necessariamente algo negativo?

Eu considero isso principalmente negativo, por que dificulta muito o crescimento da empresa. Você tem nos Estados Unidos empresas que são totalmente abertas e são empresas em que não há um dono específico com controle sobre ela. Vou te dar alguns exemplos: você pega as maiores empresas americas como City Banks, por exemplo, a GM (General Motors), são empresas que não têm donos, são milhões de acionistas, ninguém sabe quem é o dono, porque todo mundo é acionista. Graças a isso, essas empresas cresceram muito e cresceram de uma forma profissional.

Você acha que isso pode estar um pouco ligado à qualidade do empreendedor e do empresário brasileiro, à formação do empreendedor por aqui, que ainda tem uma qualidade inferior à americana?

Esse é um ponto muito polêmico que você está levantando. O que ocorre é o seguinte: nós somos um dos únicos países do mundo que tem curso de Administração a nível de graduação. Inclusive, eu dou aula em um deles. Mas, se você pega países como Alemanha e Japão, não existe curso de Administração a nível de graduação. Fulano tem que fazer Economia. Se ele quer trabalhar com empresa, ele faz Economia e depois uma pós-graduação ou um MBA. Na maior parte dos países desenvolvidos é assim. E nós do Brasil criamos o curso de Administração. E fizemos, na minha opinião, uma coisa errada, porque, quando criamos o curso de Administração, separamos o curso de Economia. Eu não sou economista, sou engenheiro, e fiz mestrado e doutorado em Administração - mas eu acho que a parte mais importante na formação de um administrador é a parte de Economia, é a teoria econômica. A principal fundamentação teórica que um administrador deve ter está na Economia. Então, o que acaba acontecendo no Brasil é que não estamos formando bons administradores, pois estamos formando administradores sem uma base de economia, e isso é uma falha grave, na minha opinião. Isso não ocorre em países importantes como a Alemanha e o Japão, por exemplo.

[...]

Fonte: aqui

9 comentários:

  1. Caro Pedro, oportuna o post comentando a entrevista do Feldmann. A prática de determinadas atividades, em especial no Brasil, frequentemente são tratadas como "reserva de mercado". Por isso, é necessário levantar críticas, polêmicas. O mesmo tipo de debate quanto a formação em curso específico, na linha de raciocínio do Feldmann, vale para contabilidade. Será que precisamos, para ser praticante profissional de contabilidade, um curso de graduação? Eu penso que não, pois, cria uma barreira, que, efetivamente impede uma concorrência saudável. Penso, como em outros países, ser aberto a qualquer formação profissional, desde que atendido a alguns requisitos e exame de credenciamento rigoroso. É um assunto que deve ser debatido e espero, no mínimo, elegância nos argumentos dos que não concordam.

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    1. Prezado Anônimo*... não entendi o que quis dizer com "concorrência saudável"... Entre profissionais que querem ser "contadores" no seu próprio ramo?
      Exemplo: sou biólogo e quero ser o contador de um zoológico, faço um credenciamento rigoroso e daí posso exercer esta atividade? E se no meio do caminho pretendo ser contador de uma instituição financeira? Segundo Credenciamento rigoroso ou o primeiro é válido?

      Acho uma ideia no mínimo interessante, porém inaplicável no Brasil (não sei se entendi errado seu argumento). Há algum lugar no mundo onde a atividade profissional contábil é exercida deste modo?

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    2. Prezado "Anônimo Biólogo", eu sou um "Anônimo Economista". Leciono em curso de graduação e stricto sensu em contabilidade e me causa espanto de como há uma reserva de mercado a prática profissional de contabilidade, somente para os que cursam contabilidade. Tomemos como exemplo o que acontece nos estados unidos. Lá há cursos de negócios - administração - na qual há ênfases - mkt, adm, sistemas de informações e contabilidade. Pelo que leio e converso, há uma disputa por alunos para as "ênfases". Agora, se você quer ser contador, como atividade profissional, você não precisa, como no Brasil, ter graduação em contabilidade. Independente de sua formação, poderá ter aulas de contabilidade e prestar um exame. Na espanha não há curso de graduação de contabilidade, tampouco nos nossos vizinhos argentinos e uruguais. No japão, a prática profissional de contabilidade é aberta a qualquer graduação. Eu defendo que não é necessário um curso de quatro ou cinco anos para aprender contabilidade e que esse requisito cria uma reserva de mercado que conduz a mediocridade, não há concorrência com outros atores talentosos.

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    3. Lá nos EUA se exige uma quantidade "X" de horas cursadas em matérias de contabilidade para poder se inscrever no exame CPA, de acordo com o Estado onde se faz o pedido. Muitas vezes, os candidatos só atingem o número de horas exigidas após o MBA.

      Além disso, passam por quatro provas bem rigorosas e têm de trabalhar sob a supervisão de outro CPA por, em média, dois anos.

      Na Argentina e na Espanha existem, sim, cursos superiores em contabilidade. Eu mesmo já pesquisei universidades desses países que oferecem. No Uruguai já não sei dizer.

      Não acredito que a graduação deva ser o único caminho para se tornar contador, mas deve haver algum mecanismo alternativo que supra essa necessidade, como ocorre nos EUA.

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    4. Olá Pessoal, aqui quem fala é o "anônimo biólogo"... na verdade "Anônimo contador", mestre e também professor, como os demais colegas.

      Então... Conforme explicado pelo David Cardoso, concordo sim com o modelo, além de lecionar na graduação em contabilidade, realizo trabalhos de consultoria e na minha área, respondo apenas por procedimentos contábeis de fato, através dos procedimentos de reconhecimento, bem como encerramento e análise de demonstrações, ou seja, não interfiro no "foco" fiscal, trabalhista/previdenciário etc, seria um desastre, pois, minha formação não me condicionou a trabalhar com "TUDO" que acontece em uma empresa.

      Na minha empresa, trabalho com uma psicóloga que realiza os procedimentos de recursos humanos quase que divinamente, bem como mais 2 contadores que iguais a mim, se especializaram nas suas respectivas áreas, então a questão que coloco é a do acompanhamento mesmo, foco e treinamento. No Brasil, é quase impossível pensar que os CRC's fiscalizem eficientemente tudo que acontece com os profissionais de suas regiões, então acontece o que acontece... o contador respondendo em 99% dos casos como clínicos gerais e poucos procedimentos sendo encerrados com zelo.

      Acho o modelo americano muito interessante, é parecido com o que os pilotos fazem ao migrar entre as categorias de aeronaves (monomotor, multimotor, jato, etc), mas não acredito que hoje seria o melhor momento para essa implantação no Brasil (principalmente com a privatização do ensino superior e a maioria das pós-graduações sendo um verdadeiro comércio de diplomas). De certa forma a graduação em contabilidade acaba funcionando como um caminho obrigatório, para garantir que o egresso tenha um conhecimento holístico daquilo que se propõe a fazer... o ensino superior é de boa qualidade? temos de ver onde, mas ao menos o candidato passaria sim por toda a sabatina para chegar ao mercado.

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    5. Olá pessoal, de volta o "Anônimo Economista", técnico em contabilidade - na minha geração, em cidade pequena no interior de são paulo, a preocupação era ter uma formação de ensino médio profissionalizante - Sou economista de formação, e como vocês com cursos de stricto sensu, mestrado e doutorado em contabilidade. Apesar de meus 61 anos, sou um aprendiz em docência (15 anos), e os demais na iniciativa privada, onde passei por todas as áreas relacionadas em contabilidade - exceto auditoria - e posteriormente me dediquei a planejamento, custos, orçamentos etc. Mas, retomando o tema, aprendi muito com os esclarecimentos do Davi Cardoso e gostaria, de, no espírito construtivo do debate, com base em minhas observações de alunos de graduação, especialização e dos ingressantes no stricto sensu que leciono, que infelizmente, o curso de contabilidade, em geral, não proporciona uma base boa para grande número de nossos alunos. O mal maior da exigência de graduação para o exercício de contador é a "reserva de mercado", que, de maneira Porteriana, cria barreiras de entrada e cria uma falsa competição. Me assustei muito quando passei a ser professor de IFES, em um estado na região sul, quando encontrei um ambiente que para ser professor de contabildade tinha que ter graduação em contabilidade. Felizmente conseguimos "quebrar" essa barreira e o que importa é o quanto o candidato é competente no que ele se propões a fazer, independente de sua formação. Instigado e motivado com os comentários lidos, vou, em conjunto com meus alunos, propor uma pesquisa que envolva "praticantes de contabilidade [em um sentido amplo], empregadores e alunos". Grande abraço.

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  2. O curioso é notar que nos EUA, por exemplo, o curso de Economia não está vinculado às faculdades de negócios, mas às faculdades de Ciências Sociais.

    Além disso, no Brasil existe uma confusão muito grande entre Economia e Finanças, com muita gente achando que são a mesma coisa.

    É claro que conhecimentos de Economia são importantes para um administrador de empresas, mas acredito que não chega nem a 1/3 dos conhecimentos que um bom administrador deve dominar.

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  3. Excelente seleção de texto Pedro. Dou o maior mérito ao debate decorrente disso no qual não se deve diminuir o mérito dos cursos, mas sim ponderar sobre possíveis futuras alterações e melhorias que ajudem formar profissionais melhores - não apenas de administração.

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  4. Se tirarem o curso de graduação em administração o que quem não sabe o que quer da vida vai cursar? Direito?

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