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24 fevereiro 2014

História da Contabilidade: O ano de 1972

O ano de 1972 na história da contabilidade brasileira é muito relevante. É o ano da auditoria externa e da padronização das demonstrações contábeis. É bem verdade que já estavam discutindo estas mudanças em 1971, mas a entrada em vigor foi atrasada em razão da complexidade, para época, da mudança (1).

Ambiente
O Brasil vivia uma fase de grande crescimento econômico e poucas liberdades políticas. Em 1971 o mercado de ações brasileiro cresceu substancialmente. O pequeno investidor começou a comprar ações e a bolsa brasileira chegou a ser a quarta maior do mundo (2). A queda da bolsa afastou o investidor e manteve o mercado de capitais estagnado.

Ao divulgar as resoluções, o Banco Central destacou ser um passo para aprimorar o mercado de capitais brasileiro, com maior acesso a informações, permitindo julgar as condições de risco (3). Ou seja, permitir a retomada de confiança no mercado de capitais.

O governo respondeu a crise do mercado com padronização dos balanços, auditoria externa e dinheiro. Mesmo assim, a desconfiança persistia. Um conhecido analista da época chegou a comentar (4):

“Enquanto os meios financeiros do mundo inteiro são unanimes em atestar o vigor e a pujança das finanças brasileiras, a Bolsa de Valores dos principais centros do nosso País, num verdadeiro contraste, mantem-se em baixa há quase um ano. Não é possível que os técnicos das mais variadas escolas e tendências estejam todos absolutamente errados e só os grandes corretores do Rio e São Paulo conheça a grande verdade que, o mundo inteiro é incapaz de vislumbrar”

Após a promulgação das medidas, estabeleceu-se um clima de confiança em algumas autoridades. O presidente do CRC-RS afirmou que as normas cortariam a “possibilidade de malabarismos na contabilidade das empresas.” (5)

Apesar da ditadura, ainda persistia um nacionalismo, inclusive com respeito a contabilidade. Num periódico, em 1972, chamava a atenção para o seguinte aspecto:

“é simplesmente inacreditável que grande número das maiores empresas do país continue prestigiando firmas de auditoria do exterior em detrimento das nossas. A Varig, apenas para citar um exemplo, é uma dessas empresas que tem sua auditoria entregue à firma estrangeira Grahlert & Axthelm S.C. (Sociedade Civil). Por que as associações e sindicatos de classe não se rebelam contra esse estado de coisas, por sinal, deprimente?” (6)

Discutia-se também a reforma da lei das SA. Entre as propostas, a imposição de auditoria externa e relatórios trimestrais padronizados (7). Anunciava-se que as normas permitiriam o full disclosure das empresas (8).

Resoluções  do Conselho Federal de Contabilidade
A resolução 317, de 14 de janeiro de 1972, criou o Cadastro Especial de Auditores Independentes com os profissionais que trabalhavam na auditoria, assim como as empresas.  A resolução 321, de 14 de abril, aprova as “normas e procedimentos de auditoria”, que foram elaboradas pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (9). Este instituto foi criado a partir da junção do Instituto dos Contadores Públicos do Brasil e o Instituto Brasileiro de Auditores Independentes, um pouco antes deste período (10).

Normas da bolsa
No início de 1972 a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro aprovou uma série de exigências para registro. É importante destacar que naquele ano  bolsa do Rio era a principal bolsa brasileira. Através da Resolução 72/72, a bolsa exigia serviço de auditoria externa, contratada com empresas registradas no Banco Central (11)

Resolução 220 do CMN
Esta norma trata da auditoria das informações contábeis para as empresas registradas no Banco Central. Trata também do registro de auditores independentes. As inovações da resolução foram as seguintes (12):

1. No  primeiro caso, a norma obriga a auditoria do Balanço Geral, da Demonstração do Resultado do Exercício, do Demonstrativo de Lucros e Perdas ou Prejuízos em Suspenso e das Notas Explicativas da Diretoria. Ocorre que a lei societária não fazia previsão da Demonstração do Resultado do Exercício, mas sim da informação de Lucros e Perdas. Assim como as Notas Explicativas é algo novo, apesar de existir desde o século XIX;
2. Para a auditoria, devem-se observar as “normas gerais de auditoria” e os “princípios e normas de contabilidade”. Isto também é uma novidade. Mas quais normas? Quais princípios? A resolução afirma que será baixada uma regulamentação posterior por parte do Banco Central.
3. Para o registro de auditores seria exigido que os sócios e responsáveis fossem bacharéis em ciências contábeis. Além disto, a resolução estabelecia a exigência de independência, listando algumas hipóteses sobre o assunto.
4. Estabelecia punição para o auditor que fizesse auditoria inepta ou fraudulenta. E o Banco Central informaria ao Conselho de Contabilidade as irregularidades.
5. Toda empresa que pretenda ter suas ações negociadas na bolsa de valores ficaria subordinada aos princípios e normas de contabilidade.

Circular 178 do Banco Central
É um complemento da resolução 220, estabelecendo as condições para o registro do auditor. Somente os bacharéis em ciências contábeis com registro há pelo menos três anos no Conselho Regional de Contabilidade. Também foi inovadora por reconhecer, e aproveitar, curso de pós-graduação na área de auditoria externa. Assim como reconhece o membro do Instituto de Auditores Independentes do Brasil.

Circular 179 do Banco Central
Esta resolução detalhou as normas gerais de auditoria e os princípios e normas de contabilidade. O segundo ponto é também uma inovação e está dividido em quatro tópicos: normas de escrituração; critérios de avaliação, amortização e depreciação patrimoniais para efeitos de balanço; critérios gerais para formação de reservas e provisões; e critérios gerais para classificação do balanço patrimonial. Explicitamente a circular adota o regime de competência e a uniformidade. Adotava-se o custo de aquisição, com incorporação da depreciação e correções monetárias. Também utilizava o custo ou mercado para estoques e a provisão de liquidação duvidosa para os créditos a receber. Reconhecia-se o fundo de comércio adquirido, amortizado em cinco anos. Um aspecto interessante, e diferente do adotado nos dias hoje, é que a separação entre curto e longo prazo é de 180 dias, embora fosse possível adotar o ciclo operacional.

As mudanças da auditoria foram ditadas, basicamente, pela Comissão de Normas Técnicas do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil. Já a questão contábil sofre uma grande variação. Correa (13) fez uma interessante comparação entre a Lei 2.627, de 1940, e a Circular 179, de 1972:

A mudança proposta pela Circular 179 dá uma grande ênfase a liquidez. O mesmo Correa (14) destaca que os auditores muitas vezes divergiam da opinião de muitos conceitos, por falta de pronunciamento. Quanto a apuração e evidenciação do resultado, a lei anterior apresentava mais um razonete do que propriamente uma demonstração. Eis a visão anterior:

Já a nova demonstração tinha a seguinte aparência:

É bem verdade que a nova proposta apresentava alguns vícios: despesas financeiras como operacional, por exemplo. Mas representou uma grande evolução.

Obrigatoriedade da Auditoria
Um aspecto importante foi à obrigatoriedade da auditoria. Em muitos casos o conselho fiscal era figurativo (15). Mas as normas tornam obrigatória a auditoria externa. Mas não existia na época uma grande quantidade de profissionais para fazer este trabalho (16). Para resolver este gargalo, o Brasil assinou um empréstimo para o Fumcap destinado a treinamento em contabilidade e auditoria, incluindo 500 professores universitários de disciplinas relacionadas com o mercado de capitais (17).

Fumcap
O Fumcap era a sigla do Fundo de Desenvolvimento do Mercado de Capitais. Aprovado pelo Conselho Monetário Nacional e criado pelo Decreto 69554, de 18 de novembro de 1971 e tinha diversos objetivos vinculados ao mercado de capitais. Os recursos do Fumcap, juntamente com a regulamentação da auditoria e as novas informações financeiras, tinha como finalidade promover a retomada da bolsa de valores.

Padronização dos Balanços
A questão da padronização dos balanços ainda não tinha sido resolvida na época. A figura abaixo mostra o balanço de uma empresa de café, Cacique

A seguir, outro balanço, agora da Sadia, uma empresa de transportes aéreos (futura Transbrasil)

Apesar de terem sido publicados no mesmo dia de fevereiro de 1972, referente ao exercício de 1971, os balanços são bem diferentes. O balanço da Sadia (18) possui as contas ordenadas pela liquidez e exigibilidade. E ao final “ativo pendente” e contas de compensação. Já o balanço do Café Cacique (19) inicia seu ativo pelo imobilizado, depois disponível, finalizando com realizável a curto prazo, ativo pendente e compensado. O passivo começava com o não exigível, depois as provisões, seguida o passivo de curto prazo, longo prazo, pendente e compensado.

Referências
(1) Um dos grandes problemas era a questão fiscal. O Estado de S Paulo, 10 de junho de 1971, ed 20502, p 40.
(2) DOMINGUES, Heron. Guerra ao boato. Diário de notícias, 25 de maio de 1972, ed 15205, p. 6.
(3) O Estado de S Paulo, 12 de maio de 1972, ed 29788, p 31.
(4) Trata-se do apresentador do telejornal Heron Domingues na sua coluna do jornal Correio da Manhã, edição 15235, 27 de junho de 1972, p. 10.
(5) Correio da Manha, ed 24259, p 22, Diretor Econômico, p. 6
(6) ALEXANDRIA, Francisco. Negócios e Investimentos. Politika. Ed 29, p. 22, 1972. Na edição 30, o mesmo Alexandria comentava da eleição do Sindicato dos Contabilistas e a necessidade do mesmo em dar satisfação para os seu pares. Ver Politika, ed. 30, p. 22.
(7) Correio da Manha, 12 julho de 1972, ed 15248, p 6.
(8) Correio da Manhã ed 24248, p 85
(9) IMPROTA, Milton. Uma auditoria indispensável. O Estado de São Paulo, 16 de julho, ed 29844, p. 72.
(10) IMPROTA, Milton. Uma auditoria indispensável. O Estado de São Paulo, 16 de julho, ed 29844, p. 72.
(11) Vide resolução Correio da Manhã, 5 de fevereiro de 1972, ed 24177, p 21.
(12) Além disto, o relatório da subcomissão da Comissão Consultiva de Mercado de Capitais apresentou uma série de sugestões e análises, particularmente à resolução 220. Vide O Estado de S Paulo, 6 de agosto de 1972, p. 74 ed 29862.
(13) CORREA, Francisco Moreno. Nova Técnica Favorece Projeções. O Estado de S. Paulo, 4 jun de 1972, ed 29808, p 62.
(14) CORREA, Francisco Moreno. Nova Técnica Favorece Projeções. O Estado de S. Paulo, 4 jun de 1972, ed 29808, p 62.
(15) CORREA, Francisco Moreno. Nova Técnica Favorece Projeções. O Estado de S. Paulo, 4 jun de 1972, ed 29808, p 62.
(16) Segundo análise de um conhecido articulista. BETING, Joelmir. A lei e o código. Diário de Notícias, 13 de setembro de 1972, ed 15302, p. 9
(17) Pelo menos este era o plano. Diário de Notícias, 15 de setembro de 1972, ed 15304, p. 8.
(18) Publicado no Correio da Manhã, 22 de fevereiro de 1972, p. 3.

(19) Publicado no Correio da Manhã, 22 de fevereiro de 1972, p. 7. 

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