O ano de 1972 na história da contabilidade brasileira é
muito relevante. É o ano da auditoria externa e da padronização das
demonstrações contábeis. É bem verdade que já estavam discutindo estas mudanças
em 1971, mas a entrada em vigor foi atrasada em razão da complexidade, para
época, da mudança (1).
Ambiente
O Brasil vivia uma fase de grande crescimento econômico e
poucas liberdades políticas. Em 1971 o mercado de ações brasileiro cresceu
substancialmente. O pequeno investidor começou a comprar ações e a bolsa
brasileira chegou a ser a quarta maior do mundo (2). A queda da bolsa afastou o
investidor e manteve o mercado de capitais estagnado.
Ao divulgar as resoluções, o Banco Central destacou ser um
passo para aprimorar o mercado de capitais brasileiro, com maior acesso a
informações, permitindo julgar as condições de risco (3). Ou seja, permitir a
retomada de confiança no mercado de capitais.
O governo respondeu a crise do mercado com padronização dos
balanços, auditoria externa e dinheiro. Mesmo assim, a desconfiança persistia.
Um conhecido analista da época chegou a comentar (4):
“Enquanto os meios
financeiros do mundo inteiro são unanimes em atestar o vigor e a pujança das
finanças brasileiras, a Bolsa de Valores dos principais centros do nosso País, num
verdadeiro contraste, mantem-se em baixa há quase um ano. Não é possível que os
técnicos das mais variadas escolas e tendências estejam todos absolutamente
errados e só os grandes corretores do Rio e São Paulo conheça a grande verdade
que, o mundo inteiro é incapaz de vislumbrar”
Após a promulgação das medidas, estabeleceu-se um clima de
confiança em algumas autoridades. O presidente do CRC-RS afirmou que as normas
cortariam a “possibilidade de malabarismos na contabilidade das empresas.” (5)
Apesar da ditadura, ainda persistia um nacionalismo,
inclusive com respeito a contabilidade. Num periódico, em 1972, chamava a
atenção para o seguinte aspecto:
“é simplesmente
inacreditável que grande número das maiores empresas do país continue
prestigiando firmas de auditoria do exterior em detrimento das nossas. A Varig,
apenas para citar um exemplo, é uma dessas empresas que tem sua auditoria
entregue à firma estrangeira Grahlert & Axthelm S.C. (Sociedade Civil). Por
que as associações e sindicatos de classe não se rebelam contra esse estado de
coisas, por sinal, deprimente?” (6)
Discutia-se também a reforma da lei das SA. Entre as
propostas, a imposição de auditoria externa e relatórios trimestrais
padronizados (7). Anunciava-se que as normas permitiriam o full disclosure das empresas (8).
Resoluções do Conselho Federal de Contabilidade
A resolução 317, de 14 de janeiro de 1972, criou o Cadastro
Especial de Auditores Independentes com os profissionais que trabalhavam na
auditoria, assim como as empresas. A
resolução 321, de 14 de abril, aprova as “normas e procedimentos de auditoria”,
que foram elaboradas pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (9). Este
instituto foi criado a partir da junção do Instituto dos Contadores Públicos do
Brasil e o Instituto Brasileiro de Auditores Independentes, um pouco antes
deste período (10).
Normas da bolsa
No início de 1972 a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro
aprovou uma série de exigências para registro. É importante destacar que
naquele ano bolsa do Rio era a principal
bolsa brasileira. Através da Resolução 72/72, a bolsa exigia serviço de
auditoria externa, contratada com empresas registradas no Banco Central (11)
Resolução 220 do CMN
Esta norma trata da auditoria das informações contábeis para
as empresas registradas no Banco Central. Trata também do registro de auditores
independentes. As inovações da resolução foram as seguintes (12):
1. No primeiro caso,
a norma obriga a auditoria do Balanço Geral, da Demonstração do Resultado do
Exercício, do Demonstrativo de Lucros e Perdas ou Prejuízos em Suspenso e das
Notas Explicativas da Diretoria. Ocorre que a lei societária não fazia previsão
da Demonstração do Resultado do Exercício, mas sim da informação de Lucros e
Perdas. Assim como as Notas Explicativas é algo novo, apesar de existir desde o
século XIX;
2. Para a auditoria, devem-se observar as “normas gerais de
auditoria” e os “princípios e normas de contabilidade”. Isto também é uma
novidade. Mas quais normas? Quais princípios? A resolução afirma que será
baixada uma regulamentação posterior por parte do Banco Central.
3. Para o registro de auditores seria exigido que os sócios
e responsáveis fossem bacharéis em ciências contábeis. Além disto, a resolução
estabelecia a exigência de independência, listando algumas hipóteses sobre o
assunto.
4. Estabelecia punição para o auditor que fizesse auditoria
inepta ou fraudulenta. E o Banco Central informaria ao Conselho de
Contabilidade as irregularidades.
5. Toda empresa que pretenda ter suas ações negociadas na
bolsa de valores ficaria subordinada aos princípios e normas de contabilidade.
Circular 178 do Banco
Central
É um complemento da resolução 220, estabelecendo as
condições para o registro do auditor. Somente os bacharéis em ciências
contábeis com registro há pelo menos três anos no Conselho Regional de
Contabilidade. Também foi inovadora por reconhecer, e aproveitar, curso de
pós-graduação na área de auditoria externa. Assim como reconhece o membro do
Instituto de Auditores Independentes do Brasil.
Circular 179 do Banco
Central
Esta resolução detalhou as normas gerais de auditoria e os
princípios e normas de contabilidade. O segundo ponto é também uma inovação e
está dividido em quatro tópicos: normas de escrituração; critérios de
avaliação, amortização e depreciação patrimoniais para efeitos de balanço;
critérios gerais para formação de reservas e provisões; e critérios gerais para
classificação do balanço patrimonial. Explicitamente a circular adota o regime
de competência e a uniformidade. Adotava-se o custo de aquisição, com
incorporação da depreciação e correções monetárias. Também utilizava o custo ou
mercado para estoques e a provisão de liquidação duvidosa para os créditos a
receber. Reconhecia-se o fundo de comércio adquirido, amortizado em cinco anos.
Um aspecto interessante, e diferente do adotado nos dias hoje, é que a
separação entre curto e longo prazo é de 180 dias, embora fosse possível adotar
o ciclo operacional.
As mudanças da auditoria foram ditadas, basicamente, pela
Comissão de Normas Técnicas do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil.
Já a questão contábil sofre uma grande variação. Correa (13) fez uma
interessante comparação entre a Lei 2.627, de 1940, e a Circular 179, de 1972:
A mudança proposta pela Circular 179 dá uma grande ênfase a
liquidez. O mesmo Correa (14) destaca que os auditores muitas vezes divergiam
da opinião de muitos conceitos, por falta de pronunciamento. Quanto a apuração
e evidenciação do resultado, a lei anterior apresentava mais um razonete do que
propriamente uma demonstração. Eis a visão anterior:
Já a nova demonstração tinha a seguinte aparência:
É bem verdade que a nova proposta apresentava alguns vícios:
despesas financeiras como operacional, por exemplo. Mas representou uma grande
evolução.
Obrigatoriedade da
Auditoria
Um aspecto importante foi à obrigatoriedade da auditoria. Em
muitos casos o conselho fiscal era figurativo (15). Mas as normas tornam
obrigatória a auditoria externa. Mas não existia na época uma grande quantidade
de profissionais para fazer este trabalho (16). Para resolver este gargalo, o
Brasil assinou um empréstimo para o Fumcap destinado a treinamento em
contabilidade e auditoria, incluindo 500 professores universitários de
disciplinas relacionadas com o mercado de capitais (17).
Fumcap
O Fumcap era a sigla do Fundo de Desenvolvimento do Mercado
de Capitais. Aprovado pelo Conselho Monetário Nacional e criado pelo Decreto
69554, de 18 de novembro de 1971 e tinha diversos objetivos vinculados ao
mercado de capitais. Os recursos do Fumcap, juntamente com a regulamentação da
auditoria e as novas informações financeiras, tinha como finalidade promover a
retomada da bolsa de valores.
Padronização dos
Balanços
A questão da padronização dos balanços ainda não tinha sido resolvida
na época. A figura abaixo mostra o balanço de uma empresa de café, Cacique
A seguir, outro balanço, agora da Sadia, uma empresa de
transportes aéreos (futura Transbrasil)
Apesar de terem sido publicados no mesmo dia de fevereiro de
1972, referente ao exercício de 1971, os balanços são bem diferentes. O balanço
da Sadia (18) possui as contas ordenadas pela liquidez e exigibilidade. E ao
final “ativo pendente” e contas de compensação. Já o balanço do Café Cacique (19)
inicia seu ativo pelo imobilizado, depois disponível, finalizando com
realizável a curto prazo, ativo pendente e compensado. O passivo começava com o
não exigível, depois as provisões, seguida o passivo de curto prazo, longo
prazo, pendente e compensado.
Referências
(1) Um dos grandes
problemas era a questão fiscal. O Estado de S Paulo, 10 de junho de 1971, ed
20502, p 40.
(2) DOMINGUES, Heron. Guerra ao boato. Diário de notícias,
25 de maio de 1972, ed 15205, p. 6.
(3) O Estado de S Paulo, 12 de maio de 1972, ed 29788, p 31.
(4) Trata-se do
apresentador do telejornal Heron Domingues na sua coluna do jornal Correio da
Manhã, edição 15235, 27 de junho de 1972, p. 10.
(5) Correio da Manha, ed 24259, p 22, Diretor Econômico, p.
6
(6) ALEXANDRIA, Francisco. Negócios e Investimentos.
Politika. Ed 29, p. 22, 1972. Na edição 30, o mesmo Alexandria comentava da
eleição do Sindicato dos Contabilistas e a necessidade do mesmo em dar
satisfação para os seu pares. Ver Politika, ed. 30, p. 22.
(7) Correio da Manha, 12 julho de 1972, ed 15248, p 6.
(8) Correio da Manhã ed 24248, p 85
(9) IMPROTA, Milton. Uma auditoria indispensável. O Estado
de São Paulo, 16 de julho, ed 29844, p. 72.
(10) IMPROTA, Milton. Uma auditoria indispensável. O Estado
de São Paulo, 16 de julho, ed 29844, p. 72.
(11) Vide resolução Correio da Manhã, 5 de fevereiro de
1972, ed 24177, p 21.
(12) Além disto, o relatório da subcomissão da Comissão
Consultiva de Mercado de Capitais apresentou uma série de sugestões e análises,
particularmente à resolução 220. Vide O Estado de S Paulo, 6 de agosto de 1972,
p. 74 ed 29862.
(13) CORREA, Francisco Moreno. Nova Técnica Favorece
Projeções. O Estado de S. Paulo, 4 jun de 1972, ed 29808, p 62.
(14) CORREA, Francisco Moreno. Nova Técnica Favorece
Projeções. O Estado de S. Paulo, 4 jun de 1972, ed 29808, p 62.
(15) CORREA, Francisco Moreno. Nova Técnica Favorece
Projeções. O Estado de S. Paulo, 4 jun de 1972, ed 29808, p 62.
(16) Segundo análise de um conhecido articulista. BETING,
Joelmir. A lei e o código. Diário de Notícias, 13 de setembro de 1972, ed
15302, p. 9
(17) Pelo menos este era o plano. Diário de Notícias, 15 de
setembro de 1972, ed 15304, p. 8.
(18) Publicado no Correio da Manhã, 22 de fevereiro de 1972,
p. 3.
(19) Publicado no Correio da Manhã, 22 de fevereiro de 1972,
p. 7.
Obrigado pela postagem, excelente trabalho
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