Na década de 60 o economista Baumol apresentou um artigo que ajuda a entender alguns aspectos da vida moderna. Segundo Baumol, a revolução tecnológica poderia ajudar a reduzir os custos de um grande número de produtos, como os automóveis. Assim, a introdução de automação na linha de montagem irá refletir no custo unitário do automóvel. No longo prazo, o preço dos automóveis tenderia a ter um aumento menor que a inflação da economia, refletindo estes ganhos de produtividade.
Entretanto, esta mesma mudança não permitira a redução dos custos de setores como saúde e educação. Um exemplo lembrado é da orquestra sinfônica. Na década de sessenta era necessária uma orquestra com cordas, madeiras, metais, percussão e teclados para tocar uma sinfonia de Bethoven. No ano de 2014, para executar a mesma sinfonia, as exigências em termos de orquestra continua a mesma. Ou seja, a quantidade de músicos manteve-se constante, não tendo sido afetada pela presença de computadores, robôs e outras máquinas, que ajudam a reduzir a produtividade de outros setores, mas não da orquestra. Assim, no longo prazo, o custo para manter uma orquestra tenderia a aumentar mais que um índice geral de preços.
O leitor pode verificar isto na prática quando compara o preço de mandar para o conserto um objeto do lar. Antigamente, era bastante interessante encaminhar para um técnico especializado um liquidificador estragado; nos dias atuais, em muitas situações, é muito mais vantajoso jogar o produto antigo fora e comprar um novo. Isto é um reflexo da observação feita por Baumol há cinquenta anos: o custo de comprar um produto novo aumentou muito menos que o custo do reparo do liquidificador ao longo do tempo.
Infelizmente os contadores, os jornalistas, os advogados ou os economistas não leram Baumol. Apesar de o trabalho original ter sido escrito há mais de quarenta anos, a mensagem continua válida. Recentemente, Baumol e outros autores lançaram um livro denominado The Cost Disease, onde no subtítulo perguntam Why Computers Get Cheaper and Heath Care Doesn´t onde mostram, com dados mais atuais, que os setores de serviços estagnados possuem um aumento nos seus custos acima da inflação: os computadores estão mais baratos, mas a saúde não.
A Folha de S Paulo resolveu analisar a evolução dos preços dos planos de saúde e concluiu que seus preços estão sendo reajustados acima da inflação (Planos de saúde são reajustados acima da inflação desde 2004, Mariana Sallowicz e Pedro Soares, 16/01/2014). O texto é uma pérola para quem já leu Baumol. Veja alguns trechos a seguir:
Desde 2004, os planos de saúde são reajustados sempre acima da inflação, segundo o IBGE. No Plano Real, o aumento supera em mais de 200 pontos percentuais a alta do IPCA, índice oficial do país.
Seria estranho se isto não ocorresse. Considerando que os planos devem recuperar seus custos para sua viabilidade, os reajustes devem ser acima da inflação. E isto deverá continuar no futuro. Além disto, o ano de 2004 foi escolhido talvez por ser o início da gestão do PT no governo federal, mas este fato é apartidário.
Um dos motivos para essa distorção e reajustes tão salgados nos últimos anos, dizem especialistas, é a metodologia de cálculo adotada pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).
Paciência, é preciso muita paciência. A ANS não tem culpa e o valor deve ser reflexo das leis da economia. Mas a reportagem decidiu, dentro da falácia do jornalista, escutar um “especialista”:
"Esses planos não sofrem nenhuma interferência da ANS e não raramente têm reajustes com percentuais superiores a 30%. Trata-se, portanto, de uma grande incoerência", diz Julius Conforti, advogado especializado no tema.
Talvez o pobre do advogado não conheça a obra de Baumol. Se conhecesse não falava em incoerência. Em tempo, a falácia do jornalista é comum em textos publicados em jornais, onde o jornalista escuta um ou duas pessoas e começa a fazer inferência. Existe também aqui a tentativa de usar o argumento de autoridade, um macete que usamos em textos científicos, citando “autoridades” no assunto para embasar nossos argumentos. Mas convenhamos, talvez alguém que já tenha lido Baumol seria uma autoridade maior que o “especialista” no tema, que acha uma incoerência.
Um dos argumentos da agência é que as empresas que contratam as operadoras para atender seus funcionários têm maior poder de barganha. Assim, podem obter descontos e conter aumentos em seus contratos.
Parece também que a ANS não conhece Baumol. Ou pelo menos o porta-voz.
Os dados mostram que o custo dos planos sobe, em geral, num ritmo superior ao dos serviços médicos, dentários, hospitalares, laboratoriais e dos artigos farmacêuticos –outros itens que integram o grupo saúde do IPCA, cuja variação é 233 pontos percentuais menor do que a dos planos no Real.
Parecia que o texto iria falar de custos, mas o destaque é o comparativo entre o custo dos planos e dos serviços médicos.
A ANS diz que só monitora as negociações e tenta coibir eventuais abusos, mas os contratos são negociados entre os clientes (empresas) e as operadoras –sejam elas seguradoras ou empresas de plano de saúde. A agência evitar comparar com índices gerais de preços.
"O índice de reajuste divulgado pela ANS não é um índice de preços. Ele é composto pela variação da frequência de utilização de serviços, da incorporação de novas tecnologias e pela variação dos custos de saúde, caracterizando-se como um índice de valor", informa a agência.
A resposta da agência não mereceu o devido destaque do texto, que está mais preocupado com outros aspectos.
Três outros fatores, dizem especialistas, também podem impulsionar o custo do planos de saúde: a escassez de médicos e outros profissionais de saúde; o aumento da renda da população e a deficiência do serviço público de saúde –que fez crescer a demanda por consultas e planos privados.
A principal explicação dada por Baumol é que os serviços estagnados, como é o caso da saúde, não conseguem usufruir do progresso tecnológico. Uma consulta média continua necessitando de um médico e o tempo não diminui com o passar dos anos.
Pelos dados do IBGE, os serviços médicos e dentários subiram 10,65% até novembro de 2013, pouco menos do que o dobro dos 5,91% do IPCA, num sinal de maior demanda por consultas ou falta de profissionais.
"Nos últimos 10 anos, os planos sobem sistematicamente mais do que a inflação e não há uma explicação clara para isso. É uma diferença muito grande. O argumento das empresas é que novos procedimentos encarecem os serviços", diz Eulina Nunes dos Santos, coordenadora de Índices de Preços do IBGE.
Parece que Eulina também não leu Baumol. Paciência. Paciência.
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