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07 outubro 2013

História da Contabilidade A Criação do Conselho Federal de Contabilidade

Na postagem anterior comentamos sobre a Convenção Nacional dos Contabilistas que impulsionou a criação do Conselho Federal de Contabilidade, originalmente Conselho Nacional (1).

A Criação do CFC
O CFC foi criado em 27 de maio de 1946, por um decreto-lei 9295, assinado pelo Presidente da República, Gaspar Dutra (2) e Negrão de Lima, Carlos Coimbra da Luz, Gastão Vidigal e Ernesto de Souza Campos (3). Este decreto definia também as atribuições dos contadores e guarda-livros (4). Mas para que o presidente assinasse o decreto, foi necessária pressão por parte dos profissionais. O projeto ficou mais de um ano parado no Ministério do Trabalho, “não tendo tido andamento por motivos de todo ignorados” (5). Em março de 1946 o Sindicato dos Contabilistas de São Paulo encaminhou a seguinte correspondência ao presidente da república e ao ministro do trabalho:

O Sindicato dos Contabilistas de São Paulo, orgão representativo de milhares de profissionais exercendo suas atividades nos setores da administração pública e particular, pede vênia para encarecer a vossencia a necessidade urgente da criação do Conselho Federal de Contabilidade, cujo ante-projeto de lei se encontra em mãos do senhor ministro do Trabalho, aguardando solução. Outras classe liberais já possuem orgão semelhante cuja adoção aos contabilistas viria ao encontro de necessidades virtuais e aos anseios da classe manifestados, unanimemente na primeira Convenção Nacional dos Contabilistas, recentemente realizada no Rio de Janeiro. Confiantes no seu altos descortim, apresentamos a vossencia respeitosos cumprimentos. José da Costa Boucinhas – Presidente (6)

Aparentemente a pressão deu resultado, já que no dia 17 de maio de 1946 estiveram reunidos com o ministro do trabalho Negrão de Lima os representantes dos sindicatos de contadores do Rio de Janeiro e São Paulo. E logo após a legislação teve andamento e foi assinada.

A criação do CFC era considerada uma maneira de disciplinar e moralizar a profissão, conforme opinião do próprio Boucinhas (7). Entretanto, alegava-se que sua criação não somente poderia proteger uma profissão liberal como “evitar a evasão das rendas públicas” (8). Segundo Morais Junior: “o contador se verá moralmente prestigiado para agir contra possíveis fraudes em prejuízo do Fisco” (9)

No dia seguinte a criação do CFC, foi nomeado o seu primeiro presidente, Paulo de Lira Tavares, “como representante do Governo” (10). O termo entre aspas não foi um erro: Tavares, além de professor, era subchefe da Casa Civil da presidência da República (11) e “alto funcionário” do Ministério da Fazenda (12). A posse ocorreu no dia 6 de junho, no ministério do Trabalho (13), com a presidência do ministro Negrão de Lima (14).

A instalação ocorreu alguns dias depois, na sala 855, do Ministério do Trabalho, com expediente das 11 as 17 horas e nos sábado, das 9 as 12 horas (15).

Em 7 agosto de 1946 realizou a Assembleia Nacional para eleição dos membros do Conselho Federal. Logo após, os participantes encontraram com o então presidente da república, Gaspar Dutra. Entre os eleitos: Morais Jr, Ovidio Paulo de Menezes Gil, Ubaldo Lobo, Manuel Marques, José Dell´mera, Ferdinando Esperard, Edgar Galvão Pereira e  Antonio Brito Pereira (16).


Os CRCs

Entretanto, a instalação dos conselhos regionais ocorreu somente após a instalação do Conselho Federal, com dificuldades (17). No Rio de Janeiro, por exemplo, somente em setembro de 1947 foram entregues as primeiras carteiras profissionais (18). Este conselho regional, instalado na av. Rio Branco 120, sala 1.224, começou as inscrições no dia 31 de maio de 1947, quase um ano após a lei que criava no CRC.

Já o CRC do Paraná teve eleição dos seus membros no final de 1946, com seis contadores e três guarda-livros (19). Em alguns estados, não foi possível inicialmente a instalação de conselhos regionais. Neste caso, as atividades dos conselhos regionais seriam realizadas por conselhos de outros estados já instalados. Por exemplo, os profissionais do Maranhão fizeram seu registro pelo Conselho Regional do Piauí (20). A resolução 33 de 16 de julho de 1947 especificava que os estados do Amazonas e os territórios do Acre, Guaporé, Rio Branco e Amapá teriam o registro feito pelo CRC do Pará; que o Rio Grande do Norte seria atendido pelo CRC da Paraíba; e que o Espirito Santo seria atendido pelo CRC do Rio de Janeiro (21).

Atividades do CFC após sua constituição

Logo após a sua constituição, o CFC começa a ganhar força. Seis meses após o decreto de criação, o CFC já publicava uma resolução referente a nomeação de professor para cadeira de Organização e Contabilidade Industrial e Agrícola, da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo (22). Esta resolução foi motivada por uma representação do sindicato dos contabilistas do estado de São Paulo e apesar de considerar que o assunto fugia as atribuições do Conselho, o mesmo submeteu o assunto ao interventor federal em São Paulo.

Nos primeiros meses o CFC exerceu um papel importante em esclarecer dúvidas sobre pagamento de anuidades, a possibilidade de participação de estrangeiros nos conselhos ou a fiscalização da profissão nos órgãos públicos (23).

Em 1947, através do Decreto 24.239, o regulamento do imposto de renda determina a obrigatoriedade de indicação do número de registro no Conselho Regional de Contabilidade (24). É interessante notar que este decreto é anterior ao Decreto 24.337, que dispunha sobre o registro dos profissionais nos conselhos (25).

Em 1947 o Conselho atua na discussão sobre um decreto do Congresso Nacional sobre vencimentos de contadores, guarda-livros e outros funcionários (26).

Através da resolução 62 de 1948, o CFC permitia que guarda-livros tivessem, sob determinadas condições, expedidas carteiras de contador. Isto provocou descontentamento de alguns profissionais, que solicitaram mandados de segurança alegando que a norma era contrária as disposições da atividade dos contabilistas. Argumentava-se que isto permitiria que guarda-livros, nomeados ex-officio, pudessem exercer atividades exclusivas de contadores. A solicitação foi negada pela terceira vara da Fazenda Pública (27).

Logo após sua criação, surgiram propostas de mudanças na atuação do CFC. Uma destas propostas era no sentido de transformá-lo em Conselho Federal de Contabilidade e Atuária (28). Em 1948, somente dois anos depois de sua criação, ocorreu uma alteração do decreto-lei (29).

Em 1949 nova polêmica: a resolução 13 de 9 de março alterava o Regimento do CFC, com a possibilidade de destituição dos membros do CRCs pelo CFC, aparentemente contrariando a lei de criação do conselho, de 1946 (30)

A Questão das Eleições no CFC
Se o primeiro presidente do CFC foi nomeado, em 1949 tem-se a eleição de Adamastor Vergueiro da Cruz (foto), durante a III Convenção Nacional de Contabilidade, realizada no dia 21 de janeiro. Cruz era então contador geral do Banco Hipotecário Lar Brasileiro S.A., ocupando a função de gerente geral (31). Ou seja, além de eleito, tinha origem na área privada.

Fotografia: Correio da Manhã, 1 de fevereiro de 1949, ed. 17139, p. 5.

Entretanto, este assunto não foi resolvido de maneira tranquila. Logo após a criação do CFC, alguns profissionais começaram um movimento para eleição do presidente do conselho e não escolhido pelo governo federal. Neste sentido, em dezembro de 1946 Morais Junior, um dos mais influentes profissionais da época, declarava a possibilidade de eleição para o presidente do conselho era um rumor. Transcrevemos um texto publicado no jornal A Noite:

- Simples rumor – disse-nos o professor Morais Junior – A classe organizada e representada por mais de 40 sindicados e associações profissionais no Brasil inteiro, jamais pensou nisso. Custou-lhe muito alcançar essa conquista e seria temeridade inutiliza-la por méra questão de pontos de vista, absolutamente improcententes.
- Mas, dizem – inquiriu o reporter – que o atual Conselho é composto esclusivamente de funcionários públicos, que não exercem a profissão. Será isso verdade?
- Não. Não é verdade. De todos os seus membros, apenas um, no momento, não é profissional militante, dadas suas funções atuais junto à presidência da República. É o Sr. Paulo Lyra, nomeado para presidencia do Conselho, como representante do governo. É professor catedrático de contabilidade na Escola Amaro Cavalcante. (...)
Dos restantes, apenas dois são funcionários públicos: o Sr. Ovidio Paulo de Menezes Gil, contador geral da República e o Sr. Ferdinand Esberard, direto da Divisão de Orçamento do Ministério do Trabalho, ambos militantes na profissão. (32).

Mais adiante, Moraes Junior defende a escolha pelo governo:

A presidencia de ambos esses Conselhos [Engenharia e Arquitetura], confiada ao representante do govêrno, representa uma garantia para a classe e uma segurança de estabilidade, pois o próprio govêrno tem, direta e indiretamente, o maior interesse em que seja rigorosamente fiscalizado o exercício dessas profissões. (33)

Moraes Junior chega a usar o termo calamidade para referir-se a possibilidade da escolha eletiva.

Notas 
(2) Estado de S Paulo, 28 de maio de 1946, ed. 21 791, p. 1.
(3) Gazeta de Notícias, 1 de junho de 1946, ed. 125, p. 6
(4) Estado de S Paulo, 28 de maio de 1946, ed. 21 791, p. 1.
(5) Diário Carioca, 17 de maio de 1946, ed. 5488, p. 3.
(6) Diário de Notícias, 27 de março de 1946, ed 7184, p. 5. Grafia da época. Vide também Correio da Manhã, 27 de março de 1946, ed 15765, p. 6. Boucinhas ficou conhecido por conta da sua atividade didática e, principalmente, pela empresa de auditoria.
(7) Esta opinião foi emitida depois da criação do CFC. Vide A Noite, 15 de julho de 1946, ed. 12312, p. 12.
(8) Diário Carioca, 17 de maio de 1946, ed. 5488, p. 3.
(9) Diário Carioca, 17 de maio de 1946, ed. 5488, p. 3.
(10) Diário de Notícias, 29 de maio de 1946, ed. 7236 p 4. É interessante que a nomeação foi feita por decreto.
(11) Correio da Manhã, 12 de agosto de 1947, ed. 16187, p. 5. A proximidade de Tavares com poder foi importante em levar algumas demandas específicas da classe. Foi o caso dos protestos contra o projeto de lei 226, citado pelo Correio da Manhã.
(12) A Noite, 17 de abril de 1947, ed. 12542, p. 17.
(13) Diário de Notícias, 7 de junho de 1946, ed. 7244, p. 9.
(14) A Manhã, 7 de junho de 1946, ed. 1480, p. 7.
(15) Diário de Notícias, 5 de julho de 1946, ed. 7268, p. 2.
(16) A Noite, 9 de agosto de 1946, p. 6.
(17) A Noite, 15 de julho de 1946, ed. 12312, p. 12. A implantação dos Conselhos Regionais teve certa demora. Uma reclamação neste sentido foi publicada em A Noite, 24 de setembro de 1946, ed. 12373, p. 10. No dia seguinte o presidente do CFC encaminha uma carta justificando o atraso pela decisão de receber sugestões dos sindicatos e associações regionais. A Noite, 25 de setembro de 1946, ed. 12374, p. 10.
(18) A Noite, 17 de setembro de 1947, ed. 12672, p. 2
(19) Diário do Paraná, 28 de dezembro de 1946, ed. 353, p. 3
(20) Diário de S Luiz, 26 de maio de 1948, ed. 1020, p. 5. Observe o leitor que isto significou uma diferença de quase dois anos desde o decreto de criação dos CRCs.
(21) O Liberal, 8 de agosto de 1947, ed. 219, p. 2.
(22) Estado de S Paulo, 6 de novembro de 1946, ed. 21925, p. 2. Refere-se a atual FEA.
(23) Sobre a participação de estrangeiros, isto era possível, conforme Correio da Manhã, 20 de agosto de 1947, ed. 16194, p. 4. Sobre o pagamento de anuidade de empresas vide Correio da Manhã, 19 de agosto de 1947, ed. 16193, p. 4. Sobre o exercício da profissão nas repartições públicas, o CFC reconhece que isto não é de sua competência, conforme Correio da Manhã, 21 de outubro de 1947, ed. 16.247, p. 2.
(24) Estado de S Paulo, 12 de julho de 1949, ed. 22746, p. 1.
(25) Estado de S Paulo, 12 de julho de 1949, ed. 22746, p. 1.
(26) A Noite, 30 de dezembro de 1947, ed. 12.760, p. 13.
(27) Diário de Notícias, 19 de maio de 1949, ed. 8149, p. 11. Os reclamantes eram os contadores Emanuel Tarsay e Florindo Focaccia. Vide também Diário de Notícias, 25 de maio de 1949, ed. 8154, p. 7. Vide também A Manhã, 9 de maio de 1949, ed. 2384, p. 3
(28) Diário de Notícias, 14 de fevereiro de 1948, ed. 7762, p. 4.
(29) Correio da Manhã, 23 de dezembro de 1948, ed. 17107, p. 5.
(30) Jornal do Brasil, 26 de abril de 1949, ed. 94, p. 32
(31) Correio da Manhã, 1 de fevereiro de 1949, ed. 17139, p. 5.
(32) A Noite, 18 de dezembro de 1946, ed. 12444, p. 21. Grafia da época e grifo nosso. Observe que o presidente do CFC era realmente o representante do governo.

(33) A Noite, 18 de dezembro de 1946, ed. 12444, p. 21. Grafia da época.

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