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09 outubro 2013

Entrevista com Sérgio Lazzarini

O pesquisador Sérgio Lazzarini sempre foi um crítico da chamada política de campeões nacionais, estratégia que garantiu, para a consolidação de grupos brasileiros, dinheiro farto do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na semana que passou, ele viu na fusão da Portugal Telecom com a Oi - agora uma ex-campeã nacional endividada - um reforço nos seus argumentos.
"A fusão coloca sérias dúvidas sobre os benefícios de tantos aportes governamentais e esforços para as consolidações setoriais", diz. Com o economista mexicano Aldo Musacchio, Lazzarini acaba de concluir um livro que amplia a discussão sobre as relações entre governo e negócios, Reinventing State Capitalism: Leviathan in Business, Brazil and Beyond (numa tradução livre, Reinventando o Capitalismo de Estado: Leviatã nos Negócios, no Brasil e Além), que chega às livrarias em 2014, pela editora Harvard University Press. Na entrevista a seguir, ele explica por que defende uma mudança na política de fomento empresarial.
Nesta semana a Oi, umas das "campeãs nacionais", anunciou uma fusão com a Portugal Telecom. Como podemos interpretar esse desfecho para a empresa?
Como outras campeãs nacionais, a Oi decepcionou. Não teve um bom desempenho quando se olha a evolução da rentabilidade e de sua ação na bolsa. A empresa teve um grau crescente de endividamento, como outros eleitos campeões, como JBS e Marfrig. Tratamos desses problemas em matérias no Estadão há pouco tempo. A fusão da Oi com a Portugal Telecom coloca sérias dúvidas para a sociedade sobre os benefícios de tantos aportes governamentais e esforços para as consolidações setoriais. Fica a dúvida se tudo valeu a pena.
Por que empresas que receberam ajudas bilionárias passam por problemas? Há nisso uma espécie de fenômeno psicológico ou sociológico: elas ficam lenientes ou menos rígidas no trato com o capital por tê-lo recebido de maneira mais generosa?
É uma boa pergunta. O fenômeno não é psicológico nem sociológico. É econômico mesmo. Um país que adotou a política de ajudar as suas empresas - e que o governo brasileiro gosta muito de usar como exemplo - é a Coreia do Sul. Mas lá o governo adotou certos critérios para incentivar a formação de grandes conglomerados. Estabeleceu metas claras e cobrou: "Meu caro empresário, você vai ter de competir no mundo. Vai ter de exportar. Vai ter de se expandir". Por que fizeram isso? Porque sabiam que apenas os mais forte sobreviveriam. E o comprometimento feito entre Estado e empresa era crível: "Empresa, se você não for bem, eu aborto a minha participação, a minha alocação e não te dou mais capital". No Brasil não há metas. A Oi nem exporta. O seu foco é o mercado doméstico. Não houve a preocupação de fazer dela uma empresa competitiva internacionalmente. E mais: não houve disciplina prevendo que a alocação seria abortada se o negócio não fosse para frente. Eu ouvi informações desencontradas sobre qual vai ser a posição do BNDES daqui para a frente em relação à Oi. Na minha opinião, a decisão é clara. Não tem aporte nenhum. Deve aproveitar para sair da empresa. Capitalizar essa fusão seria um erro e por uma razão simples: a estratégia na Oi, efetivamente, na ponta do lápis, não deu certo.
O atual governo entende que o Estado é indutor do crescimento. Esse conceito mostrou-se errado ou o problema foi a forma como foi posto em prática?
O problema foi a forma. Só os mais radicais ignoram a importância do Estado como indutor do crescimento. Mesmo nos Estados Unidos há setores que devem muito à participação do Estado. O setor de tecnologia, de computação, se desenvolveu dentro de universidades partindo de investimentos em tecnologia militar. O Estado tem seu papel na promoção de setores e também papel na melhoria do ambiente de negócios, da educação, que geram benefícios indiretos para as empresas. Mas aqui no Brasil o que se coloca em xeque é o modelo. Não há clareza nos critérios. Não há política de monitoramento. E não há política de saída do BNDES. E deveria ser assim: a empresa não performou, tchau.
Quais são os setores que mereceriam mais atenção no Brasil?
Temos a grande missão de melhorar o ambiente de negócios no Brasil de forma geral. Dito isso, acredito que devemos aproveitar as vantagens de cadeias produtivas estabelecidas. No agronegócio, por exemplo, seria possível fomentar o empreendedorismo local em áreas de insumos avançados, de biotecnologia, de tecnologias ambientais. Aproveitaríamos centros de pesquisas e competências já estabelecidos para incentivar a criação de novos negócios. O resultado sempre será incerto. É muito importante saber que as escolhas são incertas. Há um grande risco de errar. Mas o importante é ter critérios rigorosos de acompanhamento da política e não deixar que os perdedores permaneçam no processo.
O BNDES deve pisar no freio?
Há espaço para o BNDES seguir adiante, mas de forma muito mais criteriosa. Muitos bancos de desenvolvimento no mundo estão colocando mais dinheiro em pequenos e médios negócios inovadores. Neste momento, o BNDES deu uma guinada para incentivar projetos de infraestrutura - o que acho interessante. Mas é preciso cautela: existem projetos e projetos. Um aeroporto lucrativo não precisa de dinheiro público. Mas uma obra de saneamento, sim, porque é mais difícil de atrair capital privado. Precisamos desse tipo de análise.
O sr. tem um trabalho novo sobre o tema.
Estou prestes a publicar um livro, que é uma espécie de resumo sobre o tema. Uma tentativa de entender o complexo processo de intervenção do governo nas empresas. Chama-se Reinventing State Capitalism: Leviathan in Business, Brazil and Beyond. O apelido do governo, bem lembrado pela revista The Economist, é o Leviatã (o monstro bíblico semelhante a um polvo foi usado, em 1651, pelo filósofo inglês Thomas Hobbes, como analogia para o intervencionismo estatal). No livro, bebemos bastante da experiência do Brasil e observamos outros exemplos no mundo. Vemos o que foi feito e o que pode ser melhorado. A grosso modo, temos o modelo majoritário, cujo melhor exemplo é a Petrobrás, e o modelo minoritário, que foi adotado no caso dos campeões nacionais, com participações minoritárias em empresas. Os dois têm benefícios e riscos. Por exemplo, no majoritário muitas estatais melhoraram a governança para evitar intervenções como a que vimos na Petrobrás. No caso do modelo minoritário, a discussão segue a linha que adotamos aqui: precisamos escolher empresas que têm potencial de trazer novas oportunidades para a economia, mas que não têm acesso facilitado ao crédito porque são investimentos arriscados.
Há algum modelo de política industrial em que o Brasil deveria se inspirar neste momento?
Eu sou fã do modelo do nosso vizinho Chile. O banco de desenvolvimento de lá não dá empréstimos e não ajuda grandes grupos. Entra como garantidor de 50% a 80% de financiamentos voltados para empreendedores com novas ideias. Outra coisa. A gente fica aqui se debatendo se é ou não é bom ser exportador de matérias-primas. O Chile é um exportador de matérias-primas, basicamente de cobre, e usa isso a seu favor. Os royalties do minério vão para um fundo de inovação que apoia empresas. Um exemplo: o empreendedor recebe 40 mil para desenvolver um produto por um ano. Passado o prazo, se não entregar nada, tchau. Se lançou, ótimo. Eles dão mais 100 mil para ele se expandir, mas o faturamento vai ter de crescer em 50% no próximo ano. É assim que se faz: com metas e com monitoramento.
Fonte: aqui

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