Os investidores que estão na lida há mais de 20 anos sabem que de tempos em tempos alguma ação causa distorções ao Índice Bovespa, dificultando a gestão de carteiras referenciadas no índice, prejudicando a arbitragem entre os mercados futuro e à vista e o segmento de aluguel de ações. O impacto que algumas ações do grupo "X" está provocando no índice e, consequentemente, em instrumentos derivativos, já aconteceu antes. Talvez hoje, é verdade, em intensidade muito maior.
O Ibovespa é o principal indicador de desempenho do mercado de ações brasileiro e mantém sua metodologia de cálculo desde a implantação, em 1968. Esse é o indicador que normalmente o pequeno investidor olha como referência do desempenho da bolsa no dia a dia e que é citado pela maioria dos jornais e televisões quando se referem ao desempenho da bolsa no Brasil. É ainda um parâmetro de desempenho muito utilizado por gestores de fundos ativos e passivos, e para comparar o desempenho do mercado brasileiro com bolsas de outros países. Sem falar, é claro, em todos os produtos de futuros e opções criados a partir dele.
O Ibovespa tem se mostrado um excelente índice nesses anos todos. É natural ser cauteloso quando se cogita fazer aperfeiçoamentos num produto de tanto sucesso. Entretanto, a história mostra que, se um produto se prova obsoleto, ao longo do tempo, a concorrência de produtos mais eficientes prevalece. O Dow Jones manteve sua metodologia inalterada desde o início (em 1928), o que custou sua liderança quando foi superado pelo SP como indicador de desempenho mais representativo e eficiente do mercado.
A atual metodologia de cálculo do Ibovespa é baseada num conceito de negociabilidade que é uma "proxy" para a liquidez do papel em bolsa. Tanto o critério de inclusão na carteira quanto o de ponderação dos pesos de cada papel no índice utilizam esse conceito de negociabilidade. Basear a carteira do índice nesse conceito de negociabilidade tem uma razão válida, pois um bom indicador de desempenho deve poder ser replicável pelo investidor. Intuitivamente, um índice baseado em liquidez deveria ser facilmente replicável pelos investidores. O caso atual das empresas "X" mostra que às vezes a intuição falha.
Chama a atenção o fato de o Brasil ser o único no mundo a utilizar esse critério de negociabilidade. A pergunta que se coloca é: por quê? Será que o Brasil produz um índice superior? Levantamento feito pela própria Bovespa dos principais indicadores de ações do mundo mostra que a esmagadora maioria deles utiliza critérios que se baseiam no valor de mercado total da empresa ou da parcela que não está mãos dos controladores ("float"), e não necessariamente como critério de seleção mas, principalmente, na sua ponderação. A Bovespa há alguns anos lançou uma família de índices baseados em valor de mercado. Os dois principais são o IBrX-100 e o IBrX-50.
Observando-se a tabela abaixo, vemos que o desempenho médio anualizado do Ibovespa comparado com o dos outros dois índices desde suas criações é muito inferior, mostrando que a metodologia da família IBrX é mais eficiente.
Os dirigentes da Bovespa estão cientes das distorções da metodologia do Ibovespa e seu impactos nos diversos mercados. E, como bons dirigentes de seu negócio, estão decididos a efetuar mudanças para aperfeiçoar o índice, de tal forma que essas distorções não aconteçam mais.
Entre os diversos interlocutores que a diretoria da Bovespa procurou nos últimos meses, destaca-se um grupo representativo de participantes de mercado que, conjuntamente com a equipe técnica da Bovespa, trabalhou em propostas para colocar o Ibovespa entre os mais eficientes do mercado mundial.
As principais alterações que esse grupo sugeriu foram: (1) mudança do critério de ponderação dos papéis (peso no índice) para free float; (2) introdução de um "cap" de liquidez para que papéis com alto valor de mercado, porém baixa liquidez, não prejudiquem a replicabilidade do índice; (3) alteração do cálculo do índice de negociabilidade dando mais peso ao volume financeiro e menos ao numero de negócios, reduzindo o estímulo de "market makers" fragmentarem ordens para artificialmente aumentar o peso de seus papéis no índice; (4) alterações nos critérios de inclusão e exclusão de papéis, aumentando a representatividade de 80% para 85% da liquidez; (5) permissão para incluir ações novas porém representativas antes de completarem 12 meses de negociação; (6) exclusão das chamadas "penny stocks" (ações com valor de negociação abaixo de R$ 1); (7) introdução de um limite máximo de 20% por ação para reduzir a concentração da carteira em poucos papéis e (8) harmonização dos critérios de exclusão do índice com outros instrumentos derivativos e contratos de aluguel.
A diretoria da Bovespa já confirmou que pretende fazer aperfeiçoamentos no Ibovespa, porém parece preocupada em não descaracterizá-lo. Para a grande maioria dos participantes de mercado, a introdução de todas as melhorias sugeridas acima tornaria o Ibovespa um índice muito mais atualizado com as melhores práticas no mundo inteiro e, no fim do dia, é isso que importa para os investidores em geral.
A Bovespa está diante de uma oportunidade histórica de passar uma mensagem forte para todos os brasileiros e investidores do mundo inteiro: chega de puxadinho e jabuticaba. Está na hora de pararmos de reinventar a roda e fazer a coisa certa. Sejamos ousados. Vida longa ao Ibovespa!
O Ibovespa está morto. Vida longa ao Ibovespa! - Valor Econômico - 11/09/2013 - Marcos De Callis
12 setembro 2013
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