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09 setembro 2013

História da Contabilidade: A Política e o profissional contábil na década de 1930

A organização de uma classe de profissionais pressupõe uma postura política. Sabemos que a primeira organização de trabalhadores da contabilidade no Brasil ocorreu no século XIX. Mas somente na década de 1910 é que estas entidades se estruturam. Estas primeiras associações procuraram incentivar a participação dos patrões, convidando os comerciantes para as suas reuniões.

A presença do senador do Rio Grande do Norte, João Lyra, nos congressos organizados na década de 1920 (1) mostra a preocupação das entidades em manter um bom relacionamento com poder. A década de 1930 significa um momento histórico onde estas entidades irão conviver de perto com a questão política.

É bom lembrar que a década de trinta foi marcada pelo tomada de poder de Vargas, pondo fim a política do café com leite. Em 1932 os paulistas tentam promover uma revolta, que é derrotada pelo poder central. Logo a seguir, Vargas mantem-se no poder, diante da ameaça dos comunistas e dos integralistas. Ao mesmo tempo, o Brasil começa a tomar uma posição diante do conflito que se inicia na Europa (II Guerra Mundial).

Em 1931 tem-se a notícia de greve dos alunos da Academia de Commercio (2). Em 1932, o Instituto Paulista de Contabilidade assina uma convocação, “ao povo paulista”, para um comício em favor de uma constituinte (3), com os seguintes dizeres:

“As Associações abaixo-assignadas convidam o povo a comparecer ao Comicio que será realisado, por iniciativa da LIGA PAULISTA PRO-CONSTITUINTE, no dia 24 de fevereiro, ás 17 e meia horas, na praça da Sé. 

Nesse Comicio, que constará somente de propaganda pela rapida reconstitucionalisação do Paiz, falarão oradores representando todas as classe sociaes”


No ano de 1932, entre julho e outubro, ocorreu em São Paulo, a revolução constitucionalista (4). Durante este movimento, o Instituto Paulista de Contabilidade trabalhou ativamente para esta causa, conforme relato deste período (5):

“Communica-nos a direcção do Instituto Paulista de Contabilidade, que essa associação de classe tem exercido a sua atividade profissional em pról da causa constitucionalista. É assim que se tem incumbido dos serviços de intendencia e administração quanto às requisições fornecimentos, postos de donativos, etc.

Cerca de uma centena de seus associados estão empregando o seu tempo em pról da grande causa, na Commissão Central de Requisições, nos postos a cargo da Associação Commercial e S. Paulo, nos serviços de intendência da M. M. D. C. etc”

É interessante que meses antes, em abril, o IPC esteve defendendo uma tese sobre ensino comercial, que ocorreu no Rio de Janeiro (6). A tese defendida pelo IPC era a polêmica editada pelo Decreto 20.158, que será discutida a seguir. Para o IPC, o decreto deveria ser revogado.

No mesmo congresso brasileiro de contabilidade, realizado em 1932, aprovou uma moção apresentada pelo ex-contador geral da República, Francisco d´Auria, contra a mudança na contabilidade pública (7).

Com a derrota dos paulistas e a perpetuação de Getúlio Vargas no poder, o V Congresso Brasileiro de Contabilidade, de 1937, aclamou o ditador como seu patrono (8). Anteriormente a este congresso, o IV Congresso teve como presidente de honra o ministro do Trabalho, Agamemnon Magalhães (9).

Decreto 20158
O Decreto 20158 ficou conhecido como Lei Francisco Campos, nome do poderoso ministro da educação do governo Vargas. De 1931, organizou o ensino comercial e regulamentou a profissão de contador. Com 82 artigos, separados em três títulos. O primeiro título tratava da organização do ensino comercial. O ensino comercial teria “um curso propedêutico e dos seguintes cursos técnicos: de secretário, guarda-livros, administrador-vendedor, atuário e de perito-contador e, ainda, de um curso superior de administração e finanças e de um curso elementar de auxiliar do comércio” (10). O decreto detalha o conteúdo de cada um dos cursos e descreve a Superintendência do Ensino Comercial.

O ponto mais polêmico ficou com o título III, “Da Profissão de Contador e das suas Regalias”. No artigo 53, cria-se a necessidade do registro obrigatório. No artigo 54 define-se que contador seria os portadores de diplomas emitidos pelos institutos de ensino comercial reconhecidos oficialmente. O artigo 55 exige que os práticos que já exerçam a profissão devem requerer, num prazo de um ano, um exame de habilitação. O artigo 57 é sobre revalidação de diplomas em entidades estrangeiras. Os artigos seguintes são sobre situações específicas.

A reação ao Decreto
O decreto provocou uma ampla reação dos profissionais. O principal ponto era o artigo 55, que exigia um exame para os práticos. Argumentava-se que a necessidade de um exame seria uma humilhação, já que existia a necessidade de demonstrar uma capacidade já comprovada na vida ativa (11). Ou citava casos de pessoas com amplo conhecimento em contabilidade, que teriam que submeter a prova como era o caso do falecido senador João Lyra, neste momento considerado a maior autoridade em matéria de contabilidade (12). Seriam “direitos adquiridos”.

Numa entrevista ao jornal A Esquerda o presidente da União dos Empregados no Comercio (13), Monteiro de Barros, comenta o dilema entre o prático e o teórico. A posição da UEC foi apoiada pelo Instituto da Ordem dos Contadores (14).

Fotografia da publicação A Esquerda, 11 de agosto de 1931, ed 1101, p. 1.

As discussões que se seguiram produziram uma proposta de nova redação do decreto, em particular do artigo 55 (15). Entretanto, com as discussões, a proposta abrangeu todo o título III do decreto (16).

Detalhe de uma reunião na UEC para discussão da proposta. Foto do Correio da Manhã, 26 de setembro de 1931, p. 3.

Em novembro de 1931 foi entregue uma proposta de mudança do decreto ao ministro da Educação (17) realizada pela UEC. Neste período, o ministro da educação recebeu uma série de correspondências, solicitando a mudança na lei (18). As discussões continuaram, incluindo na UEC, após a entrega do memorial ao ministro (19).

Foto da reunião da UEC, no início de 1932. Correio da Manhã, 28 de janeiro de 1932, ed 11389, p. 7.

Apesar das resistências, no início de 1932 a Academia de Commercio do Rio de Janeiro já fazia os primeiros exames, habilitandos todos os candidatos (20).


Fotografia Jornal do Brasil, 11 de setembro de 1931, ed 218, p. 10.


Jornal do Brasil, 5 de novembro de 1931, p. 11, ed 264

Pressão deu resultado: Decreto 21033
Em fevereiro de 1932 o governo edita o decreto 21033 (21). Afinal, o decreto anterior afeta a vida de 30 mil profissionais (22). Segundo o Instituto da Ordem dos Contadores, foi uma solução “capaz e conciliatória dos interesses de diplomados e não diplomados” (23).

A posição deste Instituto, no entanto, é no sentido que ambos os decretos representaram um grande avanço para a profissão contábil. Tanto é assim que em julho de 1932 se comemorou o aniversário, com telegramas de agradecimento a ... Getúlio Vargas e Francisco Campos (24). Isto é muito relevante já que a revolução constitucionalista começou naquele mês (25)

Entretanto, existiram sequelas. Monteiro de Barros, da UEC, escreve uma correspondência para o A Noite destacando que sua entidade possui interesses divergentes do Instituto da Ordem dos Contadores presididos por Moraes Junior (26). Barros acusa o Instituto Brasileiro de Contabilidade de querer “monopolizar o comercio de diplomas” em razão de um artigo do decreto 20158. No mesmo texto, Monteiro de Barros afirma que a solução do decreto 21.033 não satisfaz a classe dos contadores e guarda-livros não diplomados. O mesmo jornal fez uma entrevista com um guarda-livros, Oliveira Campos, que manifestou insatisfação com a posição do governo (27). O mesmo solicita, durante o Congresso de Contabilidade, a revogação de todo o título III do referido decreto (28).


Fotografia: A Noite, 12 de março de 1932, ed. 7289, p. 4.

Considerações Finais
A questão do decreto que regulamenta a profissão parece que ficou esquecida na memória contábil. Da mesma forma, a posição dos diferentes atores, em especial no período de 1931 e 1932, merece mais estudos.

Notas
(1) O senador João Lyra recebeu uma homenagem no segundo congresso brasileiro, ocorrido no Rio de Janeiro, em 1932. No último dia de congresso, os participantes foram visitar seu túmulo no cemitério São João Batista. Conforme Jornal do Brasil, 27 de abril de 1932, p. 11. A participação do senador no legislativo foi substituída pelo deputado João Ferreira de Moraes Junior.
(2) A Esquerda, ed 1134, 18 de setembro de 1931, p. 1.
(3) Estado de S. Paulo, 20 de fevereiro de 1932, ed 19097, p. 1. Grafia da época.
(4) vide, por exemplo, wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Constitucionalista_de_1932
(5) Estado de S. Paulo, 29 de julho de 1932, p 2, ed 19235.
(6) Conforme Diario Nacional, ed. 1433, p. 2, 12 de abril
(7) Correio da Manhã, ed 11472, 6 de maio de 1932, p. 2.
(8) Jornal do Brasil, 5 de setembro de 1937, ed 209, p. 6. A comunicação foi feita pelo presidente do congresso, o congressista Moraes Jr.
(9) Correio da Manhã, 5 de junho de 1937, ed 13057, p. 12.
(10) Vide http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1930-1939/decreto-20158-30-junho-1931-536778-publicacaooriginal-34450-pe.html
(11) A Esquerda, 24 de setembro de 1931, ed 1139, p. 2.
(12) Correio da Manhã, 8 de setembro de 1931, ed 11267, p. 3.
(13) A Esquerda, 11 de agosto de 1931, ed 1101, p. 1, 2 e 3. Esta União promoveu várias reuniões para elaborar uma proposta de substituição do referido decreto. Vide A Esquerda, 22 de setembro de 1931, p. 2, ed 1137.
(14) A Esquerda, 13 de agosto de 1931, ed 1103, p. 6.
(15) Correio da Manhã, 11 de setembro de 1931, ed 11270, p. 3, para a redação da proposta aprovada pela UEC. A proposta recebeu uma crítica, através de uma carta do jornal Correio da Manhã, 13 de setembro de 1931, p. 8, ed. 11272.
(16) Correio da Manhã, 5 de novembro de 1931, ed 11317, p. 2.
(17) Correio da Manhã, 5 de novembro de 1931, ed 11317, p. 2 e p. 6. O texto encontra-se nesta edição. Vide também Jornal do Brasil, 5 de novembro de 1931, ed. 264, p. 11.
(18) Correio da Manhã, 17 de novembro de 1931, ed. 11327, p. 6.
(19) Correio da Manhã, 28 de janeiro de 1932, ed 11389, p. 7.
(20) Correio da Manhã, 30 de janeiro de 1932, ed. 11391, p. 5. Uma destas comissões foi presidida pelo Candido Mendes de Almeida. Vide Correio da Manhã, 12 de fevereiro de 1932, ed. 11401, p. 6.
(21) vide, por exemplo, http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaNormas.action?numero=21033&tipo_norma=DEC&data=19320208&link=s. O texto foi publicado também no Jornal do Brasil, 18 de fevereiro de 1932, ed 41, p. 10.
(22) Conforme Correio da Manhã, 30 de janeiro de 1932, ed. 11391, p. 5.
(23) Correio da Manhã, 14 de fevereiro de 1932, p. 3, ed 11403.
(24) Correio da Manhã, 8 de julho de 1932, ed. 11526, p. 3.
(25) vide, por exemplo, wikipedia http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Constitucionalista_de_1932
(26) A Noite, 22 de fevereiro de 1932, p 7, ed 7271.
(27) A Noite, 12 de março de 1932, ed. 7289, p. 4.
(28) A Noite, 26 de abril de 1932, ed. 7333, p. 5.

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