O período compreendido entre 1920 a 1929 foi muito rico para a contabilidade brasileira. Entretanto, iniciou com a triste notícia do falecimento de Carlos de Carvalho (1). Carvalho dominou a área técnica brasileira durante mais de quinze anos, sendo um dos responsáveis pela implantação das partidas dobradas na área pública (2).
Entre os fatos de destaques ocorridos no período merece destaque: a aprovação do código de contabilidade pública, a criação do imposto sobre lucros comerciais, a consolidação das entidades de classe – em especial o Instituto Brasileiro de Contabilidade, a criação do primeiro curso superior de contabilidade, tentativa de organização da classe contábil, o primeiro congresso de contabilidade e o aumento do contato com outros países. Iremos nesta postagem concentrar no Congresso de Contabilidade
Congresso de Contabilidade
Este evento chegou a ser considerado mais uma reunião para defesa dos interesses dos profissionais de contabilidade, mas foi muito mais técnico (3).
Os trabalhos apresentados no congresso de contabilidade foram divididos em quatro sessões, mas os temas eram bastante diversos. Para se ter uma ideia, a quarta sessão incluía: dos deveres dos negociantes em relação a sua escrita, dos cálculos dos direitos de importação, da reforma do sistema monetário brasileiro, da reforma do código comercial, da contabilidade de falências, dos preceitos de correspondência comercial, do idioma da correspondência para o exterior, da estatística na contabilidade comercial (4).Um dos temas controversos foi a utilização do esperanto no ensino da contabilidade (5).
A influência do congresso foi muito expressiva no meio contábil brasileiro. Os trabalhos apresentados foram, durante muitos anos, referência na discussão de diversos assuntos. (6) Por exemplo, um texto de Ubaldo Lobo, diretor da Revista Brasileira de Contabilidade, em 1929, usava uma das pesquisas apresentadas no referido congresso, cinco anos antes (7).
O primeiro congresso de contabilidade ocorreu em agosto de 1924 na sede da Associação dos Empregados do Comercio. O objetivo do Congresso era “estudar todos os assumptos relacionados com a Contabilidade, em todas as suas modalidades, e com o exercício da profissão contabilista – visando o aperfeiçoamento e a disseminação desse ramo de conhecimentos, o prepara technico e a elevação natural da classe e procurando tornar mais eficiente a colaboração que ella presta no Commercio, a Industria e a Administração publica” (8). O congresso permitiu a apresentação de “theses”, que corresponderia, nos dias de hoje, aos “trabalhos” ou “artigos” (9). Entretanto, cada these, depois de apresentada, era discutida e votada pelos presentes. Existia, também, um relator (10). Este formato do congresso contribuiu para sua influencia: os assuntos aprovados passaram por uma discussão intensa, o que conferia um grau de legitimidade aos textos (11).
Foto: Jornal do Brasil, 19 de agosto de 1924, p. 6, ed. 199.
Participaram do Congresso os maiores nomes da contabilidade brasileira da época. Sua presidência ficou a cargo do Senador João Lyra Tavares , sendo Franscisco D´Auria o primeiro vice-presidente (12). Apesar das distâncias físicas, estiveram presentes representantes de diversos estados (Alagoas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Paraíba, Pernambuco, Santa Catarina e São Paulo) e cidades brasileiras (Alto Juruá, Juiz de Fora, Laguna, Natal, Nova Friburgo, Pelotas e Porto Alegre) (13).
Foto: Jornal do Brasil, 19 de agosto de 1924, p. 6, ed. 199.
Um aspecto interessante é que todos os discursos da sessão de abertura foram transmitidos pela Estação da Praia Vermelha da Repartição Geral dos Telégrafos, sendo ouvidas pelos radioamadores (n). Além disto, vários jornais da época deram notícia de primeira página para o congresso (14).
A sessão de encerramento aconteceu no dia 28 de agosto, com a presença do ministro da Fazenda (15). Como o congresso iniciou no dia 17 de agosto, isto significa que o congresso teve 11 dias de duração, um período de tempo bastante longo de discussão.
Três anos após, ocorreu em São Paulo, o segundo congresso brasileiro (16). Mas isto é outra história.
Fonte: Revista Fon-Fon, 23 de agosto de 1924, p 39, ed. 34.
Fonte: O Careta, p 19, ed 844, 1924.
(1) Carvalho faleceu em Santos, no dia 2 de janeiro de 1920. Vide Estado de S Paulo, 3 de janeiro de 1920, p. 3. E Correio Paulistano, 3 de janeiro de 1920, p. 3 ed 20296.
(2) Durante o Congresso de Contabilidade de 1924 foi prestada uma homenagem a Carvalho, com um minuto de silêncio. Conforme Jornal do Brasil, 19 de agosto de 1924, p. 6, ed. 199.
(3) A Noite, 16 de agosto de 1924, p. 1, ed. 4571.
(4) Estado de S Paulo, 18 de agosto de 1924, p. 1, n. 16.615. Com adaptação da grafia da época. Vide também O Paiz, 14 de agosto de 1924, p. 7, ed. 14543 ou O Imparcial, ed 4069, p. 8, 8 de fevereiro de 1924.
(5) Jornal do Brasil, 3 de setembro de 1924, p. 5, ed. 212. Entretanto, uma das teses aprovadas é que a contabilidade somente deveria adotar o idioma português. Conforme Jornal do Brasil, 11 de outubro de 1924, p. 8, ed. 245. As teses aprovadas foram publicadas, de forma resumida, nesta edição.
(6) Entretanto, é forçoso reconhecer que os anais do referido congresso aparentemente encalharam. Conforme reunião do Instituto Brasileiro de Contabilidade, realizada no dia 20 de dezembro de 1927. Jornal do Brasil, 24 de dezembro de 1927, ed. 306, p. 6.
(7) Fallencias e Contabilidade, Estado de S Paulo, 28 de maio de 1929, p. 4.
(8) Regulamento publicado em Jornal do Brasil, 8 de fevereiro de 1924, ed 34, p. 7. É interessante notar que a comissão executiva do evento reuniu-se periodicamente desde o início do ano até a realização do congresso. Vide, por exemplo, Jornal do Brasil, 28 de maio de 1924, p. 5, ed 128. Ou O Paiz, 2 fevereiro de 1924, ed. 14349, p. 5. Existiam diversas comissões na preparação do Congresso: Comissão de Convites, de Recepção e Interna, por exemplo. Vide Gazeta de Notícias, 3 de julho de 1924, p. 3, ed. 159.
(9) Jornal do Brasil, 28 de maio de 1924, p. 5, ed 128. Certamente entre as teses aprovadas não estava a reforma do calendário e a denominação dos meses, como publicado num pequeno texto do jornal A Noite, 20 de setembro de 1924, ed 4606, p. 4.
(10) Jornal do Brasil 20 de agosto de 1924, p. 8. Ed. 200. É interessante notar que os jornais da época deram um grande destaque as discussões ocorridas no evento. Por exemplo: Gazeta de Notícias, 22 de agosto de 1924, p. 2, ed. 203. Este jornal publicou o discurso na sessão inaugural de João Lyra, nas edições do final de agosto e início de setembro. Ver também A Noite, 19 de agosto de 1924, ed 4574, p. 6.
(11) Vide, por exemplo, a questão da falências em A Indústria das Fallencias. Correio da Manhã, 27 de outubro de 1926, p. 4, ed. 9745.
(12) Jornal do Brasil, 17 de agosto de 1924, p. 7, ed. 198.
(13) Jornal do Brasil, 17 de agosto de 1924, p. 7, ed. 198 e Gazeta de Notícias, 19 de agosto de 1924, p. 2, ed. 200.
(14) Jornal do Brasil, 19 de agosto de 1924, p. 6, ed. 199.
(15) A Noite, 16 de agosto de 1924, p. 1, ed. 4571.
(16) Estado de S Paulo, 30 de agosto de 1924, p. 3. Ver também A Noite, 29 de agosto de 1924, p. 7, ed. 4584.
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