A crise de 2008 será um divisor de águas, que deve deixar o mundo financeiro tal como era desenhado menos importante. Isso não significa, porém, que as finanças terão um papel menor nesta nova era que vem ganhando corpo. Ao unir elementos sociais e comportamentais com a tecnologia que permitirá analisar o "big data" - a montanha de dados disponível hoje no mundo virtual, que inclui e-mails, mensagens de celular, fotos, vídeos, cliques na internet, gravações de telefonemas, interações nas redes sociais e várias outras informações -, a ciência financeira poderá promover inovações e verdadeiras revoluções com a criação de ferramentas, modelos e algoritmos.
"Acho que a crise deverá marcar um ponto final para uma espécie de era de ouro das finanças e o início de uma nova era, que vai forçar as finanças a mudar". Essa é a visão de Harrison Hong [foto], um dos mais jovens e precoces estudiosos do assunto, ganhador do Fischer Black Prize em 2009 - prêmio concedido pela American Finance Association, da qual também é diretor, para a pessoa com menos de 40 anos que mais contribui para a teoria e prática das finanças. Aos 42, é PhD pelo Massachussets Institute of Technology (M.I.T), professor da Universidade de Princeton, e sócio-fundador de uma gestora brasileira, a Behavior Capital Management. No mês passado, esteve no Brasil para discutir com outros reconhecidos acadêmicos do mundo das finanças, como Luigi Zingales, o futuro da pesquisa nesse campo.
"Combinar dados, modelos, economia, matemática e criar uma nova ferramenta, isso é fascinante. A ciência vai ter um grande papel para nos ajudar a tornar os mercados mais inteligentes, o planeta mais limpo, as corporações mais responsáveis e as finanças pessoais melhores", afirma Hong. Um pequeno exemplo são as pesquisas nas quais ele vem trabalhando e que juntam dados com finanças comportamentais. Uma delas é sobre como eliminar os vieses presentes nos consensos de mercado. Outro projeto busca ver como as operações que um gestor faz podem revelar sobre a rede de conhecimentos de cada um. "Eu posso saber se um gestor de Boston tem amigos em Chicago ou não", exemplifica ele, revelando outro tema que acredita ser um grande tópico do futuro no mundo financeiro: as redes sociais. "Estamos só começando a ver como funcionam as coisas, é fascinante".
Outro tema relevante, avalia ele, será quantificar, por exemplo, o ganho que atitudes socialmente responsáveis trazem para as corporações. "Depois da crise, há muito questionamento, como se as pessoas dissessem: nós amamos o capitalismo, mas será que esse é o melhor que podemos ter? Como deveriam se organizar as corporações, qual a função delas? Há muito debate sobre a ética e a moralidade", diz ele, lembrando que isso já se tornou uma questão para o mundo da gestão empresarial e agora será também uma questão para o mundo financeiro.
Hong acredita que as novas ferramentas e modelos permitirão análises totalmente novas e que não podiam ser feitas usando os modelos antigos. Tudo isso, diz, será muito mais determinante que a regulação, por exemplo, para melhorar a economia, os mercados, a sociedade e, por que não, a maneira de investir. "Quem sabe qual será a nova invenção? Você pode ter algum cara que inventará uma ferramenta que pode ler suas emoções com uma câmera, então você pode acordar de manhã e ter seus sentimentos analisados e isso ajudará a prever e impedir uma eventual operação estranha que você poderia fazer naquele dia por causa disso. Quem sabe? Seria um grande produto e, um dia, alguns garotos vão inventar isso, vai acontecer", diz Hong.
O especialista lembra que ficou mais difícil para os "hedge funds", por exemplo, levantar dinheiro depois da crise, mas mesmo em meio ao turbilhão continuou havendo muito espaço para o empreendedorismo, a inovação e "startups". "Há muita confiança de que a inovação vai ajudar na reação [da economia e dos mercados nos EUA], não somente regulação. Essa é uma moeda muito poderosa para puxar a economia", diz ele, que acredita - e nisso está em companhia de grandes investidores, como Jim Rogers - que o setor financeiro (como era, pelo menos) vai ficar em baixa por um tempo.
Nesta nova era "behavioral tech" ou "behavioral social tech", Nova York não seria mais uma meca financeira, mas de tecnologia financeira. Para ele, aqueles que souberem analisar dados e lidar com ferramentas quantitativas terão sempre demanda, embora outras funções devam acabar sendo substituídas por robôs. Há quem pense que algoritmos e ferramentas quantitativas são "armas de destruição". Hong é mais esperançoso. "Eu acho que essas ferramentas vão começar a estudar as mensagens que os mercados estão falando e vão mudar as finanças", afirma Hong.
Na Behavior, gestora que fundou com o amigo Marco Bonomo, professor da FGV e PhD pela Universidade de Princeton, eles já põem em prática algumas das ideias de Hong. As estratégias de compra e venda de ativos combinam modelos quantitativos que detectam sinais a partir da literatura de finanças comportamentais. Mas por que o Brasil? "Havia muito interesse no país, é interessante aprender mais sobre a cultura e o mercado brasileiro."
A nova era 'comportamental tec' do mundo das finanças - Catherine Vieira - Valor Econômico - 21/08/2013
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