A dimensão política do orçamento evidencia que ele não é um processo para si mesmo, mas é parte de arranjos governamentais e institucionais mais amplos. O orçamento público, depois da Constituição, é o instrumento mais importante de um país. Apesar de sua relevância, a política e o processo orçamentário no Brasil, traduzidas no Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA), ainda é um modelo em construção, e pouco perceptível pela maioria da população.
A sua linguagem técnica complexa e um caráter procedimental específico dificulta a sua compreensão e por decorrência gera um baixo interesse da sociedade pelo tema orçamento. O seu ritual lógico e sistemático compreendido pelo planejamento, gerência e controle é definido de forma detalhada na Constituição Federal. Nesse modelo de execução orçamentária não se impõe ao governo a obrigatoriedade de se executar tudo o que foi definido na lei orçamentária anual.
Merece destaque, nesse contexto, a recente aprovação da admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 565/2006, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, bem como da instalação da Comissão Especial que irá discutir a matéria que torna obrigatória a execução do Orçamento Geral da União. O fator motivador dessa iniciativa do parlamento tem sua origem na seletividade imposta pelo Poder Executivo para a liberação das emendas dos parlamentares inseridas no orçamento. Essas ações em curso no parlamento, por sua vez, acendeu a luz amarela nas relações entre os poderes Executivo e Legislativo.
Diante desse cenário, surgem as seguintes questões: o Brasil está preparado para adotar o orçamento impositivo? Sua implantação afetará a governança pública? Registre-se, em princípio, que a inclusão do tema “orçamento impositivo” na agenda política do país é salutar, pois vai contribuir para aumentar a visibilidade e a relevância desse instrumento — orçamento público — perante a sociedade. É necessário ressaltar que, apesar do orçamento brasileiro não ser impositivo, a maior parte das suas despesas já são executadas de forma obrigatória.
Verifica-se que a maioria das propostas em tramitação no parlamento sobre o orçamento impositivo propõe a implantação de um modelo intermediário entre o modelo vigente atualmente, ou seja, o modelo do orçamento autorizativo, e o modelo extremo, que obrigaria o governo a executar integralmente a programação orçamentária definida pelo Congresso Nacional. Nesse modelo intermediário, a não execução de parte da programação implicaria anuência do Congresso.
Do ponto de vista político, eventual mudança no modelo atual implicaria mais negociações com o parlamento, gerando, em consequência, mais conflitos e mais concessões pelo governo aos partidos políticos. O deslocamento do eixo do poder em matéria orçamentária do Executivo para o Legislativo, caso a matéria seja aprovada, exigiria a incorporação pelo Congresso da responsabilidade pela programação em matéria orçamentária, por ser uma medida indispensável para garantir o seu cumprimento.
No mundo contemporâneo, poucos são os países, com destaque para os Estados Unidos, que possuem parlamentos com estrutura e condições de implantar o orçamento impositivo. Assim, a adoção do orçamento impositivo no Brasil não será uma tarefa fácil, diante das disputas de poder e das barreiras que deverão ser superadas, notadamente as reformas política e eleitoral, que, entendemos, deveriam preceder a sua implantação. É oportuno alertar, por fim, que a aprovação do orçamento impositivo de forma apressada pelo parlamento, se apresenta como grave ameaça potencial de conflito entre poderes, que tenderão a prejudicar a governança e o desempenho da gestão pública.
Correio Braziliense, Terça-feira, 18 de junho de 2013, Opinião, p. 13 - Orçamento impositivo e governança pública no Brasil - JOSÉ MATIAS-PEREIRA (Professor de administração pública e pesquisador associado do Programa de Pós-Graduação em Contabilidade da UnB. Doutor em ciências políticas e pós-doutor em administração)
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