Quer se
concorde ou não com a explicação da referida autoridade, o fato é que ela
levanta um tema pouco discutido pelos analistas econômicos. O que explica o
fato de a inadimplência dos bancos oficiais ser mais baixa do que a dos
privados? É improvável que os bancos públicos sejam mais eficientes que os
privados ao avaliar o risco de crédito. Uma segunda explicação - que preferimos
desconsiderar - seria a existência de uma falha na mensuração da inadimplência
dos bancos oficiais que refinanciariam, por alguma razão obscura, devedores
incapacitados de honrar dívidas antigas reduzindo a medida de inadimplência.
Embora não
acreditemos ser este fator relevante, há que se levar em conta que no passado
esse expediente já foi utilizado. Entre 2000 e 2001 os financiamentos em atraso
do Fundo Constitucional do Nordeste, administrado pelo Banco do Nordeste (BNB),
saltaram de 0,52% para 31,29% dos recursos aplicados, para R$ 2,7 bilhões em
valores nominais. Não porque tenha ocorrido uma súbita onda de inadimplência na
região, mas porque o Banco Central obrigou o BNB a lançar as "operações em
atraso, passíveis de negociação" como de fato em atraso. Até então elas
eram refinanciadas e não contabilizadas como inadimplentes.
Uma terceira
e mais provável explicação está no dilema enfrentado por uma empresa devedora,
diante de uma dificuldade de caixa. Tendo que escolher entre honrar um
empréstimo junto a um banco que lhe fornece crédito subsidiado, e outro que lhe
cobra uma taxa de mercado, ela sabe que as portas para novos financiamentos se
fecharão no primeiro banco, caso ele sofra sua inadimplência. A decisão
empresarial mais sensata, então, é priorizar o serviço da dívida de menor
custo, preservando essa fonte barata de recursos para futuros empréstimos, e
atrasar o serviço da dívida mais cara que será objeto de renegociações e brigas
judiciais futuras.
O
comportamento das empresas com dificuldade de caixa descrito acima implica que,
num ambiente econômico em que alguns bancos concedem empréstimos a taxas
subsidiadas, o risco corrido pelos demais bancos é maior do que seria na
ausência dos subsídios. Conhecendo os incentivos econômicos à inadimplência, a
taxa dos financiamentos não subsidiados embutirá um prêmio de risco de modo a
estimular a concessão de empréstimos. Parte dos financiamentos será objeto de
renegociação, mas a maior taxa compensa as perdas. O equilíbrio de mercado é
uma segmentação na qual os bancos com taxas subsidiadas terão menor
inadimplência.
A ampliação
da presença estatal na intermediação financeira brasileira, desencadeada a
partir da crise dos subprime de 2008, além de não conseguir elevar o
investimento e de ampliar o custo fiscal dos subsídios ao crédito, tem elevado
o risco corrido pelos bancos privados. Estes, a fim de se protegerem, tendem a
ser mais seletivos na concessão de financiamentos aos investimentos. Se o
passado for um bom previsor do futuro, a retração do setor privado deverá
estimular a ampliação estatal. Essa espiral, que poderá agradar setores mais
nacionalistas e de esquerda, provavelmente não implicará em aumento do
investimento da economia como um todo, mas simples realocação entre os dois
setores.
Pedro
Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli Cardoso são professores da Escola de
Pós-graduação em Economia (EPGE-FGV)
Argumentação meramente normativa, sem base em evidência alguma.
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