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11 março 2013

Campeãs Nacionais

Seis anos após os primeiros aportes de capital, o governo deixou de lado a criação das "campeãs nacionais", atropelado pelo esforço de recuperar o crescimento econômico. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já investiu pelo menos R$ 18 bilhões nessa estratégia, com resultados até agora controversos e distantes do sucesso do modelo coreano que serviu de inspiração.

Levantamento feito pelo Estado com ajuda de especialistas e de fontes do banco estatal identificou sete companhias que receberam ajuda para se tornarem "campeãs nacionais": JBS, Marfrig, Fibria, Oi, LBR, Totvs e Linx. Essas empresas tiveram aportes do BNDES para se fundirem com concorrentes ou para realizar aquisições dentro da lógica de consolidar setores e construir líderes globais.

O pedido de recuperação judicial da Lácteos Brasil (LBR) - que surgiu da fusão entre os laticínios Bom Gosto, do empresário Wilson Zanatta, e Leitbom, da GP Investimentos - elevou o tom das críticas. O BNDES reconheceu um prejuízo próximo aos R$ 700 milhões que investiu, o que ajudou a derrubar o lucro da BNDESPar, braço de investimentos do banco de desenvolvimento.

A aposta do BNDES era que a LBR reunia captação de leite, marcas fortes (Parmalat e Poços de Caldas) e a gestão da GP. Foram essas características que derrubaram as resistências no governo, que já havia se reunido "duas ou três vezes" com a antiga Parmalat, sem se arriscar a entrar no negócio. A LBR, no entanto, não conseguiu agregar valor aos produtos e reduzir a dívida.

O fracasso na LBR serviu para desacreditar o discurso das "campeãs nacionais", que já havia sofrido forte abalo em 2011, quando o BNDES analisou um financiamento para a má sucedida empreitada de Abílio Diniz de fundir Pão de Açúcar e Carrefour, atropelando o sócio Casino. "Essa estratégia de campeãs nacionais é um erro. Não atinge os objetivos de internacionalização e concentra mercado", diz Armando Castelar Pinheiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Para os defensores da política, é necessário fortalecer alguns setores para permitir que as empresas enfrentem a concorrência de um mundo globalizado. "É preciso separar o joio do trigo. As políticas públicas não podem apoiar consolidação que defenda poder de mercado, mas têm de apoiar consolidações que visem um posicionamento estratégico", diz David Kupfer, coordenador do grupo de indústria da UFRJ e assessor do BNDES.

Frigoríficos. Os frigoríficos abocanharam 65% dos recursos destinados às campeãs nacionais - R$ 8,1 bilhões para o JBS e R$ 3,6 bilhões para o Marfrig. O JBS é hoje o exemplo mais acabado da estratégia para construir multinacionais verde-amarelas, com um faturamento que saltou de R$ 4 bilhões em 2006, antes do apoio do BNDES, para R$ 62 bilhões em 2011, com 70% da receita vinda do exterior.

O JBS profissionalizou a gestão, está reduzindo seu endividamento e trabalhando para consolidar suas aquisições, mas seus produtos ainda têm pouco valor agregado. A situação do Marfrig é mais complicada. Suas vendas também deram um salto, mas as dívidas são muito altas. A empresa ganhou uma trégua do mercado ao conseguir captar recursos no ano passado.

"A política de campeãs nacionais é ótima só para os acionistas. Não faz sentido a intervenção de um banco público", diz Mansueto de Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Ele afirma que a estratégia foi usada para justificar o antigo papel do BNDES de "hospital" de empresas.

Na sua opinião, é o caso da Fibria, que surgiu da fusão entre Aracruz e Votorantim Celulose, para evitar que a primeira quebrasse após perdas com derivativos "tóxicos". A empresa conseguiu reduzir as dívidas, mas parou de investir. Criada para ser a "super tele" nacional, a Oi engavetou a internacionalização e enfrenta dificuldades para fazer frente aos investimentos que o mercado brasileiro precisa.

Resultados. Para o BNDES, sua estratégia é de longo prazo e, por isso, o banco não divulga se ganhou ou perdeu dinheiro até agora nessas empresas. "Com exceção da LBR, todas foram um bom negócio. Nossa carteira de ações é 'grávida' de bilhões de reais de lucros", diz uma fonte do banco. Os investimentos do BNDESPar são mais amplos que as "campeãs nacionais" e incluem Vale e Petrobrás.

Segundo essa fonte, "o BNDES não se fecha numa sala e aponta campeões. O fundamento é a construção de competitividade para um padrão de competição global. Não é só empilhar tamanho, mas também construir competência".

Uma avaliação simples da variação das ações mostra que os investidores que apostaram ao mesmo tempo que BNDES ainda não foram remunerados. Cálculo feito por Sérgio Lazzarini e Rogério Monteiro, do Insper, mostra que, desde a entrada do banco estatal, as ações de JBS, Marfrig e Oi caíram, respectivamente, 12%, 44,5% e 17%. Os papéis da Fibria, que se recuperam em 2012, estão estáveis.


A reportagem continua...

Totvs e Linx, as apostas do banco no setor de tecnologia

Totvs e Linx. Essas duas "campeãs nacionais" do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não despertam polêmica. Mesmo na visão de críticos da política industrial do governo, o banco estatal está correto ao apoiar essas empresas a adquirirem rivais e consolidar seu mercado.


"É o lado bom dos investimentos do BNDES. Somos críticos, mas temos que dar o devido valor ao que é feito de correto", diz Rodolfo Amstalden, sócio da casa de análise Empiricus. "Com financiamento barato do banco, essas companhias alavancaram o crescimento."

Totvs e Linx são empresas de tecnologia de informação - ambas líderes em seus segmentos. Fornecedora de software de gestão para indústrias, a Totvs recebeu um aporte de R$ 199 milhões do BNDES, através de subscrição de debêntures em 2008, quando comprou a concorrente Datasul. O banco também concedeu um financiamento de R$ 204,5 milhões para o negócio.

A Linx, que faz software para gestão de empresas de varejo, recebeu dois aportes do BNDES: R$ 50 milhões, quando adquiriu três empresas em dezembro de 2009, e mais R$ 35,8 milhões, para permitir a entrada de um sócio estratégico, o fundo General Atlantic, no fim de 2010. A empresa fez recentemente uma oferta pública de ações (IPO) e o banco estatal é dono de 21,7% da companhia.

"O BNDES olhou para nós quando éramos pequenos e nos deu a oportunidade de crescer", diz Alberto Menache, presidente da Linx. Ele conta que, em 2008, quando pleiteava um financiamento, mandou seu diretor financeiro à sede do BNDES no Rio, sem hora marcada, para esperar até que fosse recebido.

O banco estatal tem um amplo programa para o setor de software, por meio de financiamento e compra de participação, e já apoiou 24 empresas. O BNDES Prosoft concedeu R$ 3,2 bilhões ao setor desde suas primeiras operações em 1998.

Apenas Totvs e Linx podem ser consideras "campeãs nacionais", porque utilizaram os recursos para comprar seus concorrentes. Os analistas do setor acreditam que outras companhias devem seguir em breve a mesma estratégia. Juntas, as duas receberam cerca de R$ 500 milhões - pouco menos de 3% dos R$ 18 bilhões destinados às "campeãs nacionais".

A origem da ideia:

A estratégia das "campeãs nacionais" começou em 2007, quando JBS e Marfrig receberam os primeiros aportes do BNDES. E ganhou um escopo teórico, quando o ex-presidente Lula lançou a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP), em 2008.

Entre os objetivos estratégicos da PDP, estavam a liderança mundial, "mantendo ou posicionando sistema produtivo ou empresa entre os cinco maiores players mundiais". A apresentação da PDP não fala explicitamente em "campeãs nacionais".

"O conceito era simples. Não existe país que se tornou desenvolvido sem multinacionais", diz uma fonte que participou da elaboração da política. Segundo essa fonte, o governo chegou a montar uma lista de empresas, como nomes óbvios como Ambev e Embraer.

A ideia de que é necessário consolidar as companhias acompanha o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, desde 1994. Naquela época, ele coordenou o Estudo da Competitividade da Indústria Brasileira, que já continha os eixos centrais da PDP.

"A política de desenvolvimento econômico para esses setores requer do Estado atividades de coordenação, visando a indução de configurações industriais (...) através do estímulo à concentração", diz o livro em suas recomendações finais.

No Plano Brasil Maior, do governo Dilma, o foco está no estímulo aos investimentos e na proteção do mercado interno. "O objetivo de buscar a liderança internacional deixou de ser explícito, mas o eixo condutor ainda é aumentar a competitividade", diz uma fonte do governo.

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