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19 janeiro 2013

Por que mesmo você ainda trabalha no Brasil?

Ah, as inconsistências do sistema de financiamento da ciência no Brasil. Meu laboratório nunca esteve mais produtivo; nosso trabalho na PNAS, um de OITO publicados em revistas internacionais este ano (e, aliás, o segundo na PNAS deste ano) acabou de sair, com um baita reconhecimento mundo afora; e então... descubro que nosso projeto de pesquisa não teve seus recursos renovados pelo CNPq para o ano que vem. Veja bem: não foi pedido de auxílio novo, e sim de renovação de um projeto super bem sucedido. O comunicado oficial diz que "sua proposta (...) teve o seu mérito reconhecido. No entanto, na análise comparativa com as demais propostas, o seu pedido não alcançou classificação que permitisse o atendimento."
Pensei em escrever para o CNPq para pedir reconsideração, mas depois que olhei a lista de agraciados, estou quase mudando de ideia: no meu comitê de avaliação (morfologia), foram agraciados TODOS nossos professores titulares no Instituto, e mais dois ou três professores seniores. Até aqui é "só" coincidência entre titulação e aprovação. Mas aí começam as estórias de horror nada científico no Facebook, como relatos de pesquisadores que têm seu projeto repetidamente recusados sob seu próprio nome, MAS quando submetem o mesmo projeto com o nome do chefe sênior, professor titular, diretor disto e daquilo... o projeto miraculosamente é aprovado.

Aiai. Se eu entrar com recurso e ganhar, daqui a três anos estarei novamente competindo em pé de desigualdade com meus colegas titulares. Mas se eu não entrar com recurso agora, concorro de novo ano que vem, quando eles não estarão concorrendo, e quem sabe assim minhas chances de uma disputa mais justa, por produtividade, serão maiores... É, fazer ciência no Brasil também tem dessas. Que se dane a produtividade, se você não é a bola da vez.

O irônico é que, enquanto o CNPq acha que o nosso projeto não é digno de ter seus recursos renovados, a revista Science teve uma repercussão tão grande em seu site da matéria que eles publicaram sobre nosso artigo na PNAS que me convidou para participar do chat semanal deles esta semana, na quinta-feira dia 8 de novembro, de 17:45 - 19:45 horário de Brasília, em http://news.sciencemag.org/sciencelive

Aliás, tem sido realmente instrutivo ver a repercussão na mídia desse nosso trabalho. Mundo afora, vários jornais comentaram, e o posdoc polonês no meu laboratório diz que foi o assunto da semana passada por lá (ele deve estar exagerando um pouco, mas de qualquer forma fico honradíssima). No Brasil, até a revista Claudia vai fazer uma matéria a respeito. A Fundação James McDonnell, nos EUA, nosso maior financiador, ficou felicíssima com a notícia. Mas os sites da Faperj e do CNPq? Nem mencionaram o assunto. Não recebi qualquer contato de jornalistas deles - que eu sei que existem, e recebem os mesmo press releases que os jornalistas estrangeiros que me ligaram até no meio da noite deles para conseguir uma entrevista, como foi o caso de uma estação de rádio na Nova Zelândia.

Esta tem sido minha "vingança", ou no mínimo meu consolo: eu tenho reconhecimento... fora do meu país. No momento, por exemplo, estou em Cancun com todas as despesas pagas pelo IBRO para dar um curso e uma de seis ou oito palestras plenárias na reunião internacional da Federação de Sociedades de Neurociência da América Latina. Ano que vem dou palestra em uma reunião em Cambridge, e serei uma de seis palestrantes convidados, também com tudo pago, na Reunião Europeia sobre Glia, em Berlin.

Ou seja: os estrangeiros me chamam para representar nossa ciência lá fora - mas o CNPq não acha que meu projeto é prioritário o suficiente para merecer continuar sendo financiado. Então tá. Meu marido, que é americano, está começando a me perguntar "por que mesmo você ainda trabalha no Brasil???" Vamos ver quanto tempo eu duro...


O CNPq não acha meu trabalho digno de financiamento!

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