Imagine que, depois de anos e anos de trabalho, você gaste R$ 1 milhão para comprar a casa dos seus sonhos - capriche na imaginação, já que com os preços atuais o desembolso teria que ser bem maior. Contabilmente, naquele ano, o dinheiro sai do seu caixa e vira um "ativo imobilizado".
No ano seguinte, cai uma bomba em cima da sua casa - sem você dentro. Como você não tem seguro contra bombas, sua querida casa passa a valer zero e bye-bye R$ 1 milhão.
Pense então que você está desolado na rua, olhando para aquele monte de entulho, e um vizinho te cutuca e diz: "Fique tranquilo, foi uma perda contábil, sem efeito caixa."
Ainda que ele tenha total razão, o que você responderia? Provavelmente algo impublicável.
Mas, quando isso se aplica ao mercado de capitais, por alguma razão difícil de entender, as reações são diferentes.
Executivos de empresas têm o hábito de minimizar perdas quando elas são "meramente contábeis" e não representam desembolso de caixa imediato. Analistas, investidores e imprensa costumam comprar esse argumento.
Como se nota no exemplo caricato acima, o fato de a bomba destruir sua casa não lhe obriga a desembolsar um centavo. Mas o R$ 1 milhão já tinha saído do seu caixa no ano anterior. Então, trata-se de uma perda efetiva de valor, e também de caixa.
Empresas gostam de ressaltar aos investidores quando uma perda não tem efeito imediato no caixa porque os modelos usados por analistas para calcular o valor das companhias costumam se basear em expectativas de geração futura de caixa operacional. Tendo em conta o exemplo acima, o dinheiro gasto para a compra da casa não estaria mais nas previsões, uma vez que foi desembolsado no passado.
Mas, a não ser que as premissas usadas na modelagem estejam muito fora da realidade, esse fluxo de caixa futuro depende, em alguma medida, dos ativos detidos hoje pela companhia. Se um ativo relevante da empresa perde valor, é razoável imaginar que seu potencial de gerar recursos no futuro seja prejudicado.
Para ficar mais fácil de entender, basta substituir a casa do exemplo acima por uma fábrica. Uma bomba diminuiria a capacidade de produção e de venda da companhia dona da unidade fabril. E consequentemente seu valor. Para reequilibrar a equação, uma opção seria a empresa gastar mais R$ 1 milhão para construir uma nova fábrica idêntica, no mesmo lugar (com efeito caixa).
Investidores poderão dizer que a baixa contábil feita pela empresa já estava nas contas de seus modelos, porque, mais conservadores que as empresas, eles já teriam considerado que aqueles ativos não gerariam o valor previsto. Ainda que isso possa ser verdade (embora em muitos casos não seja), isso não esconde o fato de que a empresa perdeu dinheiro.
Pense então que, em vez de uma bomba, que é algo totalmente imprevisível, a casa (ou a fábrica) foi destruída por um incêndio causado por falta de manutenção da fiação elétrica, ou que ela simplesmente ruiu, por uma falha estrutural de engenharia.
A perda de valor é a mesma.
Mas nesse caso é possível também identificar os responsáveis pela baixa – que deixa de ser o acaso.
Podem ser o arquiteto e o engenheiro que construíram a casa. O antigo proprietário, que não fez a manutenção devida, ou você mesmo, que comprou o imóvel sem avaliar corretamente os riscos.
No caso das empresas, é a mesma coisa.
A não ser em caso de catástrofes, sejam elas naturais ou financeiras, a baixa contábil de ativos é um reconhecimento de que alguém, em algum momento, fez um mau negócio com o dinheiro dos investidores, mesmo que na melhor das intenções.
‘Foi só contábil, sem efeito caixa’ - Fernando Torres - Valor
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