Em mais um sinal da dificuldade cultural de se adaptar a um arcabouço baseado em princípios e julgamentos, agentes do mercado aguardam uma manifestação oficial da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a possibilidade de as empresas usarem como referência para a taxa de desconto do passivo atuarial os juros pagos em emissões de dívida privada, que são maiores que os prêmios pagos pelos títulos do Tesouro Nacional.
Se isso fosse possível, o impacto da queda da taxa real de juros em termos de perda atuarial seria menor para as empresas.
Ao que tudo indica, porém, a CVM não vai dar essa resposta, ou pelo menos não da forma que companhias e auditores gostariam de ouvir, que seria um simples "pode" ou "não pode".
A regra internacional, adotada no Brasil, diz que a taxa de desconto "deve ser determinada com base nos rendimentos de mercado, apurados na data a que se referem as demonstrações contábeis, para títulos ou obrigações corporativas de alta qualidade". Ou seja, a primeira opção é sim usar juros de mercado de longo prazo para dívida privada.
Mas em seguida o texto diz que, "se não houver mercado ativo desses títulos, devem ser usados os rendimentos de mercado relativos aos títulos do Tesouro Nacional".
Desde a adoção do IFRS no Brasil em 2010, a maioria das empresas entendeu que não existe um mercado de dívida corporativa de longo prazo no país - seja primário ou secundário - e vem usando como referência os juros dos títulos públicos, principalmente das NTN-Bs, que têm vencimentos longos, como 2035, 2045 e até 2050.
"São poucos os papéis privados que passam de dez anos. A maioria fica entre cinco e sete anos, o que não serviria para fazer o cálculo", diz o professor Edson Jardim, do MBA de Gestão Financeira e Atuária da Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras).
Mas agora que os juros das NTN-Bs de longo prazo estão muito baixos, agentes de mercado começam a questionar se não seria possível considerar as taxas de dívidas corporativas.
Segundo José Domingos Prado, sócio da área de auditoria da Deloitte, o tema está sendo debatido pelo Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) e pelo Instituto Brasileiro de Atuários (IBA). "Mas a grande expectativa do mercado é se a CVM vai se manifestar. Se a referência continua sendo os títulos públicos ou se vai para os privados", afirma ele.
Questionada sobre o assunto, a autarquia ressaltou que o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) se manifestou no relatório de audiência pública de revisão do pronunciamento que trata de benefícios a empregados. Lá, o CPC diz que não pretende emitir interpretação ou orientação sobre o caso, para evitar divergência de aplicação da regra com outros países que também adotam o IFRS.
Para o CPC, a regra existente é suficientemente clara para ser aplicada no país.
A CVM também entende que o CPC 33 "orienta adequadamente quanto aos procedimentos de mensuração a serem adotados pelas entidades" sujeitas a ele. Em nota ao Valor, a área técnica da CVM repetiu o entendimento de que "existem duas alternativas" para se chegar à taxa de desconto: "rendimentos de mercado para títulos ou obrigações corporativas de alta qualidade ou, na ausência desse, rendimentos de mercado relativos aos títulos do Tesouro Nacional".
A CVM diz ainda que a diretriz fundamental para elaboração de demonstrações contábeis "é a utilização de premissas e julgamentos que proporcionem a melhor percepção dos administradores quanto a representação econômica mais adequada para o fenômeno econômico objeto de reconhecimento, mensuração e divulgação (inferência sobre caixa e desempenho futuro)".
Dando a entender que vai querer boas justificativas em caso de mudança de prática, a autarquia disse também que "essas premissas devem ser aplicadas de forma consistente ao longo dos períodos (exceto no caso de se tornarem inadequadas)".
CVM diz que norma sobre taxa é clara - Valor Econômico - 16 de janeiro de 2013 - Fernando Torres
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