O mundo se divide entre comprados e vendidos, que se revezam nessa posição, e todos mentem sobre a sua real condição. [Axioma de House]
Por Gustavo Franco
No mercado, como já observado, tudo se sabe. Entretanto, diferentemente do high society, onde o exibicionismo é a regra, no mercado os operadores estão mais para pragmáticos jogadores de pôquer ou para poetas fingidores como Fernando Pessoa, que chegam a fingir a dor que deveras sentem, e nada indicam sobre as dores (e posições) existentes e sentidas, apenas revelando as descritas na poesia.
As verdadeiras crenças e a efetiva natureza, montante e direção das apostas dos operadores de mercado, nunca serão reveladas corretamente diante de uma pergunta direta. Todos mentem, conforme o bordão criado pelo doutor Gregory House, o controvertido especialista em diagnósticos de uma das mais bem-sucedidas séries de televisão dos últimos tempos.
A verdade do mercado está sempre nas posições assumidas, nunca no discurso: o mercado só fala nos autos. E para evitar que a mentira – melhor dizendo, a desobrigação de dizer a verdade – fique evidente, os participantes do mercado recorrem a uma imagem muito popular, a “Muralha da China” (em inglês, the Chinese Wall), atrás da qual põem a falar a figura do “economista-chefe”, alguém que tem uma opinião sincera que não tem nenhuma relação com a do pessoal que opera.
A “Muralha da China” designa a separação que deveria existir, por exemplo, entre quem faz pesquisa econômica e publica suas recomendações vagas e inofensivas para os clientes (“os analistas”) e a tesouraria. Os primeiros são os estudiosos, os que escrevem relatórios, os que respondem aos questionários do BCB (Banco Central do Brasil) e os que fazem declarações públicas inteligentes e espirituosas, normalmente otimistas e cautelosas. A tesouraria, onde estão os operadores que têm o talão de cheques, não aparece, não fala, ninguém sabe de quem se trata e, graças à figura da “Muralha da China”, em nada se associa ao que diz o economista-chefe ou mesmo o presidente do banco.
Entre os que falam e os que operam parece haver uma lógica muito assemelhada ao que se conhece nos Estados Unidos como plausible deniability, expressão cuja tradução ao pé da letra seria “a capacidade de negar envolvimento de forma plausível”. Esse tema foi extensamente discutido no mundo jurídico anglo-saxão quando se investigou a atuação da CIA (agência central de inteligência americana) em diversos episódios controversos nos quais as cadeias de comando eram estabelecidas de forma deliberadamente informal, a fim de que a Autoridade máxima sempre pudesse negar de forma plausível que tivesse conhecimento de qualquer operação mais polêmica que de fato ordenou. É a mesma lógica, segundo dizem os ufólogos, pela qual as Autoridades dizem desconhecer as evidências de vida extraterrestre ocultas nos arquivos militares.
O fato é que, no mercado, sempre, em qualquer ocasião, metade da munição está com os comprados e a outra metade com os vendidos, se o preço está dado. Repare que isso não tem nada a ver com esperteza, assunto de que tratamos logo acima (n. 3, Axioma de Malan), a propósito da ignomínia e da capacitação dos participantes do mercado, mas com o ânimo comprador. O que se procura estabelecer neste tópico é que o mercado não tem nenhum viés nesse assunto, a despeito do que as instituições falam através de seus porta-vozes. O pessimismo seria uma ocorrência rara, se a verdade do mercado estivesse refletida nas manifestações institucionais. Na prática, há sempre uma metade do mundo pessimista, mas quem realmente está comprado, ou vendido, nunca se sabe, até porque, no momento seguinte, as instituições trocam de posição, a dança das cadeiras recomeça e o preço muda, ou não, e sempre uma metade acredita e a outra duvida.
Franco, Gustavo H. B. (2012). As leis secretas da economia. Zahar-Brasil. Kindle Edition. Dica de Pedro Correia.
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