Com menos de 24 horas para analisar argumentações contra e a favor, a área técnica e o colegiado da CVM não conseguiram [1] concluir a priori que a União, controladora da Eletrobras, deveria ser impedida de votar a proposta de prorrogação dos contratos de concessão atingidos pela Medida Provisória 579, por conflito de interesses.
Mas a CVM “reconheceu a importância de evoluir na discussão acerca do conflito de interesses nas sociedades de economia mista”.
Entre os pontos que devem entrar em consideração, segundo a CVM, está o artigo 238 da Lei nº 6.404/76, que expressamente autoriza o controlador a “orientar as atividades da companhia de modo a atender ao interesse público que justificou a sua criação”.
Em relação ao caso concreto da Eletrobras, a superintendência de relações com empresas da CVM seguirá analisando as circunstâncias e “de posse de mais elementos poderá formar seu juízo conclusivo quanto à matéria”.
Há pelo menos dois pontos em questão que poderiam ser analisados nessa operação específica.
Um é o plano do governo de reduzir a tarifa de energia em 20% e, como controlador da Eletrobras, votar para que a companhia aceite uma receita mais baixa por seus serviços daqui para frente.
Nesse caso, tal como faz com a Petrobras e o preço da gasolina, a União usa uma empresa de economia mista para atingir objetivos de política pública [2]. Mais especificamente, reduzir os custos de produção da indústria brasileira e manter os índices de preços em torno da meta de inflação. Do ponto de vista das empresas mistas, isso pode significar tanto uma perda efetiva como também um ganho menor do que o potencial caso a decisão fosse contrária à determinada pelo governo.
Um segundo ponto é a Eletrobras assinar um contrato com a União que lhe obrigará a registrar uma baixa contábil bilionária no valor de seus ativos — conta do balanço formada por bens e direitos [3], que foram constituídos por alguma razão e, normalmente, após um desembolso efetivo. A perda será inferior aos R$ 18 bilhões inicialmente anunciados porque o governo decidiu dar uma indenização maior para ativos de transmissão, mas não deixará de ser relevante.
Ao aceitar o valor definido pelo governo (que nem ela mesma conhece [4]), a Eletrobras abre mão de ser remunerada por esses ativos, que durante anos foram registrados na sua contabilidade e aceitos pelo governo - seja via Aneel, como reguladora, ou pela própria União, como controladora, ao aprovar as contas anuais da empresa [5].
Como na contabilidade não existe débito sem crédito [6], vale destacar que a própria União é a contraparte dessa perda bilionária. Assim, se a Eletrobras perde alguns bilhões, o governo ganha a mesma quantia do outro lado (ao reduzir um potencial desembolso) [7].
Dito de outra forma, se a União tivesse uma contabilidade baseada na competência, a indenização devida às concessionárias de energia pelos ativos não amortizados estaria há anos registrada no passivo — idealmente, pelos mesmos valores da contabilidade das empresas. Ao determinar um valor menor que o esperado pelas empresas para pagar como indenização, o governo reduz esse passivo e registra a diferença como ganho [8].
Não fica claro como essa receita contábil extraordinária do Tesouro atende o interesse público.
Se a Eletrobras resolvesse “vender” uma nota de R$ 100 para o governo por R$ 40, todo mundo ia achar estranho. Mas como não se trata de dinheiro vivo, mas de um ativo fixo, de valor mais controverso, o tratamento é outro.
A Eletrobras argumentou que os valores registrados eram estimativas, já que não se conhecia o critério que seria usado pelo governo para a indenização. A empresa também pontuou que essa perda (ou ganho do governo) será registrada com ou sem prorrogação dos contratos de forma antecipada, já que o Ministério de Minas e Energia disse que o critério para reembolso será o mesmo quando vencerem as concessões em 2015. Assim, a perda teria sido imposta à empresa pela União como governo (como ocorreria num caso hipotético de aumento de impostos) e não como acionista ao aceitar a prorrogação antecipada.
Mas a pouca disposição da Eletrobras em contestar o método de cálculo escolhido chamou a atenção [9]. Uma evidência de que havia espaço para discussão é que, após críticas e questionamentos administrativos apresentados por outras empresas (que não têm a União como controladora), o governo reviu valores e decidiu aumentar a indenização em alguns bilhões de reais - não sendo necessário nem mesmo entrar com uma ação judicial, cujo “desfecho seria desconhecido”, segundo a Eletrobras.
Conflito na Eletrobras? - 4 de Dezembro de 2012 - Valor Online
[1] A CVM é governo. Será que ela possui independência suficiente para analisar este caso?
[2] Esta é uma situação que um minoritário já sabe de antemão o risco envolvido. Investe numa empresa do governo quem deseja correr um risco.
[3] Ah, este conceito de ativo ... Nem um aluno de graduação usa mais. (Pelo menos não um aluno deste blogueiro)
[4] É interessante (?) que uma decisão deste nível não possui um valor.
[5] Não somente. Especialmente na escolha dos seus dirigentes.
[6] em igual valor.
[7] Mas perde também, já que não terá dividendos desta empresa.
[8] Novamente não é tão simples assim.
[9] É também uma empresa dominada por políticos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário