Txto de Juliana Cunha, do blog Já Matei por Menos
Uma parte considerável do meu trabalho atual consiste em escrever sobre pesquisas novas que têm sido feitas nas áreas de saúde e comportamento. A maior parte dessas pesquisas vem de países de língua inglesa por motivos que eu sempre questiono, mas raramente consigo mudar.
Em geral, são os países mais ricos, com mais cultura acadêmica e que mais se empenham em divulgar as pesquisas que fazem. O meio acadêmico brasileiro é, na minha percepção, mais fechado em si mesmo, com mais desprezinho por jornalistas e menos sedução pelo mercado, o que faz com que se importe menos com a imprensa leiga (oi).
Quando me vejo diante de uma dessas pesquisas gringas, meu procedimento é quase sempre o mesmo: tento entrevistar os autores de fora e falar com pesquisadores brasileiros que possam contrapor/reiterar o estudo gringo.
Só recentemente consegui entender por que um trabalho tão simples — enviar o estudo por e-mail aos pesquisadores brasileiros, esperar eles lerem, ligar e conversar com eles — acaba sendo sempre tão complicado.
A imensa maioria dos professores e médicos que eu entrevisto me dá um fora assim que recebe o e-mail com o estudo. Não dá para dizer que é falta de tempo porque eu explico o procedimento logo na primeira conversa, antes de enviar qualquer coisa.
Começo a acreditar que o motivo seja um só: eles não falam inglês e não querem admitir isso para mim.
Para a classe média brasileira, saber inglês deixou de ser uma ferramenta ou uma habilidade. Não é sequer um “diferencial”, como os RHs gostavam de falar. Saber inglês é visto como condição fundamental para que a pessoa seja merecedora do cargo que ocupa. Não falar inglês é humilhante, algo a ser escondido.
Na prática está longe de ser assim. A maior parte das pessoas que eu conheço e que ocupa cargos legais merece estar nesses empregos mesmo tendo um domínio precário do idioma. As pessoas que eu entrevisto — ou tento entrevistar — para o jornal são todas destacadas em seus meios e, se eu estiver certa, poucas delas falam inglês com desenvoltura.
Falar um idioma é uma habilidade como outra qualquer, como cozinhar e jogar tênis, diz uma das minhas melhores professoras da Letras. É uma pena que as pessoas tenham transformado essa habilidade tão legal em um motivo de humilhação mútua e de competição.
Aqui na redação a coisa mais rara do mundo é uma pessoa ter coragem de fazer suas entrevistas em inglês na frente dos colegas. Quase todos recorrem às salinhas reservadas. E quase ninguém admite que ainda estuda o idioma — ou que gostaria de estudar — porque, afinal, são repórteres da Folha, o que vão pensar deles se souberem que não têm um bom inglês?
Fico impressionada que tanta gente no mundo seja ruim de matemática — uma habilidade muito mais básica — e assuma isso até com uma ponta de orgulho enquanto quem não sabe inglês tenha que trazer isso como um segredo sujo, uma mancha no currículo.
O certo não seria meus entrevistados me dizerem: “Oh sua fulana, você trate de traduzir isso pra mim. Meu inglês é péssimo, mas você depende de mim do mesmo jeito porque eu sou é foda naquilo que faço”?
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