A seguir um texto do Valor Econômico. Veja que o autor faz uma defesa apaixonada das IFRS (só apresenta o lado positivo) e defende os problemas das normas e o papel do auditor:
A figura equilibrada do balanço patrimonial, que se manifesta por meio da igualdade obrigatória entre a soma de ativos de um lado e passivos a patrimônio do outro, cria a ilusão para muitos de que a contabilidade é uma ciência exata. Mas ela nunca foi. E está ainda mais longe de vir a ser.
Agora que o Brasil adotou as normas internacionais de contabilidade, os agentes de mercado que lidam com demonstrações financeiras terão que se acostumar com o aumento da frequência de discussões sobre práticas e critérios contábeis - e também com reapresentações de balanços. "Ninguém mais tem a palavra final", afirma Sergio Romani, sócio-líder de auditoria da Ernst & Young Terco. [1]
Isso ocorre tanto porque o arcabouço regulatório [2] é uma novidade para todos, que ainda estão se adaptando aos conceitos, mas também pelo fato de o IFRS ser baseado em princípios [3], e não em regras específicas e detalhadas.
Seja pelo pouco tempo de prática, ou mesmo por questões culturais, contadores e auditores brasileiros ainda estão dando os primeiros passos na arte de fazer julgamentos sobre métodos contábeis. [4]
Essa possibilidade de interpretações e conclusões diferentes sobre eventos econômicos semelhantes torna mais difícil a vida de preparadores, auditores, investidores e reguladores.
Não por acaso, estão mais comuns os casos de reapresentação de balanços, de ajustes prospectivos relevantes por mudanças de estimativas e de reclassificação retroativa de contas, no momento em que a empresa apresenta números de um novo exercício. [5]
A lista de empresas de capital aberto que tiveram que fazer alterações nos balanços nos últimos anos é grande. Por erros em estimativas, diversas empresas do setor imobiliário tiveram que ajustar seus balanços, com destaque para Gafisa, PDG e Brookfield. Em outros tantos casos, o motivo teve relação com a interpretação e aplicação dos princípios do IFRS, como ocorreu com BrasilAgro, Energisa, Inepar, Lojas Americanas, Marfrig, Minerva, Rossi, Sabesp e Telebras, para citar alguns casos.
As reapresentações podem ocorrer tanto de forma espontânea como por determinação da Comissão de Valores Mobiliários.
As estimativas, imprecisas por natureza, sempre fizeram parte da contabilidade, como na provisão para perdas com inadimplência ou na constituição de reservas contra eventuais derrotas em processos judiciais. [6] Segundo o Aulete, uma estimativa é uma "avaliação prospectiva de algo, que se faz com base nos dados disponíveis no presente".
Assim, os dados que as empresas apresentam na demonstração de resultados não podem ser confundidos com a realidade perfeita e objetiva das coisas. Eles são apenas uma aproximação. A melhor possível [7], na visão da companhia.
Nem mesmo o auditor externo, contratado para dar um parecer sobre o balanço, assegura que as informações ali divulgadas são 100% reais e verdadeiras. Eles dizem, no máximo, que a empresa seguiu as regras contábeis e que os dados "representam adequadamente, em todos os aspectos relevantes, a situação patrimonial da empresa" naquela data. E sempre confiando na boa fé dos administradores da empresa, esses sim responsáveis pelas informações apresentadas. [8]
Investidores podem se sentir desconfortáveis com essa aparente falta de segurança. Mas é assim que as coisas funcionam hoje em todos os mercados desenvolvidos.
Numa adaptação do velho ditado, se não é perfeito com os auditores, seria muito pior sem eles. [9]
Mas se sempre houve espaço para discussões sobre práticas contábeis, é inegável que as dúvidas aumentaram desde que o Brasil adotou, em 2010, o padrão contábil IFRS, usado em mais de cem países pelo mundo, incluindo todos da União Europeia.
Alguns críticos do IFRS [10] dizem que esse é um dos pontos fracos deste padrão contábil, na medida em que ele abre espaço para que uma mesma regra seja interpretada de forma diferente em países distintos ou mesmo entre empresas do mesmo setor, no mesmo país.
Essa difusão de práticas constou como um dos alertas no extenso relatório preparado pela Securities and Exchange Commission (SEC), elaborado dentro do processo de decisão do órgão regulador americano sobre a adoção ou não do IFRS nos Estados Unidos, que ainda está pendente de uma definição. [11]
Mesmo para os defensores do IFRS, essa diversidade na aplicação das regras será resolvida apenas em parte. Algumas interpretações divergentes devem desaparecer com o tempo, conforme as empresas se acostumem com as regras e o mercado crie referências de melhores práticas para seguir.
Outro conjunto de diferenças seria permanente, e se justificaria exatamente pelas peculiaridades de uma empresa, ou da visão da administração sobre o modelo de negócios. [12]
No comentário que fez para o anuário feito pela Fipecafi e pela Ernst & Young sobre o segundo ano do IFRS no Brasil, o professor de contabilidade Eliseu Martins diz que o padrão internacional é "mais informativo", por convergir mais com o resultado econômico das empresas. Como cada companhia funciona de uma forma, ele diz que "uma das consequências desse tipo de mudança é o surgimento de diferenças entre métodos de mensuração adotados por parte das empresas".
Com base nos dados do documento, de 328 páginas analisando a aplicação de cada norma contábil, ele cita diferenças nos métodos e taxas de depreciação e também no critério para registro de ganhos e perdas atuariais.
Richard Sexton, sócio líder global de auditoria da PwC, admite que um dos grandes desafios que a contabilidade é enfrentar a obsessão do mercado por um único número, que é o lucro por ação.
Para ele, entretanto, é perfeitamente razoável que contadores cheguem diferentes pontos dentro de um intervalo aceitável. "O que não significa que um está errado e outro certo", afirma, destacando, entretanto, que é preciso que haja transparência sobre o que foi feito.
Até mesmo por considerar que existe esse intervalo, Sexton fala com cautela em relação às reapresentações de balanços. "A republicação pode ser positiva para se corrigir um erro. Mas [em número excessivo] também podem reduzir a confiança do mercado", afirma.
Ele cita os casos dos ganhos e perdas atuariais com fundos de pensão, cujos cálculos dependem de inúmeras premissas assumidas pela administração. Para Sexton, não adianta querer exagerar na precisão dos cálculos, porque isso não seria útil para ninguém.
Como já disse uma vez o professor Martins, o IFRS permite que a empresa mostre sua cara.
Segundo Ana María Elorrieta, ex-presidente do Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon) e sócia da PwC, isso exigirá também do público leitor. "O investidor tem que ser mais sofisticado para usar a informação na tomada de decisão".
Investidores terão que se acostumar com republicações - 29 de Novembro de 2012 - Valor Econômico - Fernando Torres
[1] É uma forma de dizer que ninguém é responsável pelos números da contabilidade.
[2] Arcabouço contábil seria melhor
[3] Isto é algo questionável na literatura mais crítica sobre o assunto.
[4] O julgamento contábil existe desde os primórdios da contabilidade
[5] É difícil fazer uma relação de causa e efeito entre a adoção das normas e reapresentação.
[6] Aqui é uma contradição do item [4]: a questão do julgamento sempre existiu.
[7] Ficou dúbio se "a melhor possível" refere-se a qualidade dos dados ou o fato da visão do desempenho por parte da empresa.
[8] Esta é uma boa discussão. O texto tira a responsabilidade do auditor. Mas existem pessoas que acreditam que os auditores são responsáveis (ou co-responsáveis). Outro aspecto é que o texto não considera que o contador também seja responsável: somente o administrador.
[9] O texto assume claramente uma posição. Deixa de lado inclusive propostas radicais, como esta, apresenta aqui no blog, que defende a auditoria opcional, como existia anteriormente na contabilidade.
[10] Quem?
[11] A posição contrária é apresentada de forma superficial em dois parágrafos.
[12] Isto sempre irá existir; não é exclusividade das IFRS
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