A revista Época Negócios traz um texto bastante longo sobre a remuneração variável (Quanto você vale, 27 set 2012). Conforme a revista, aumentou, nas empresas brasileiras nos últimos anos, o volume de remuneração variável.
Segundo uma pesquisa da consultoria de remuneração Towers Watson, adiantada com exclusividade para a NEGÓCIOS, metade das grandes companhias instaladas no Brasil já paga incentivos de longo prazo (bônus e algum tipo de programa de ações). Para os executivos-chefes de empresas nacionais que compõem esse grupo, isso representa 86% dos rendimentos anuais. Nas estrangeiras, é 54%.
Os executivos não podem reclamar da última década. Em média, seus salários subiram 15% acima da inflação, o valor dos benefícios, 25%, e os bônus, 31%, segundo a Mercer, outra consultoria do ramo. Mas o que faz a diferença, mesmo, é o incentivo de longo prazo. Em 2003, menos de 30% das empresas adotavam programas de ações. Hoje, são cerca de metade.
Há várias explicações para a escalada na compensação financeira: a escassez de talentos, a internacionalização e o crescimento da economia, a valorização do real, o fortalecimento das empresas. Em grande medida, os executivos usufruem da mesma escalada de sucesso que comandaram nas empresas – o que é muito justo.
Esta última frase é questionável: existe muita crítica com respeito ao fato de que a remuneração variável realmente é justa, inclusive para os acionistas. O aumento substancial deste tipo de pagamento tem ocorrido independente do aumento no valor das empresas. O texto reconhece isto em parte:
Em linhas gerais, há um movimento mundial, ocasionado principalmente pela crise econômica, contra os proventos dos altos executivos – tidos como exagerados se comparados ao salário médio dos profissionais ou, pior, tidos como ultrajantes quando as empresas apresentam resultados medíocres.
Com respeito a contabilidade o texto afirma:
Falar da remuneração de um alto executivo é aventurar-se em futurologia. Para efeitos contábeis, utiliza-se uma equação complicada (a Black-Scholes, a mesma que abriu as portas para a revolução dos derivativos financeiros) para trazer a valor presente um capital a que o executivo só terá direito no futuro. Mas o valor final da remuneração costuma ser bem diferente do esperado.
(...) No Brasil, os planos de longo prazo ainda são essencialmente centrados em stock options. Eles vêm se espalhando desde a virada do milênio, com a onda de abertura de capital na bolsa de valores. A tendência é seguir o dinamismo dos americanos, especialmente por questões tributárias. Nos Estados Unidos, a adoção de uma legislação mais rígida em relação às stock options fez aumentar a proporção de pagamentos em ações restritas. Aqui, a Receita Federal diz ter identificado operações em que as stock options são usadas como forma de diminuir a tributação (a empresa reduz sua contribuição previdenciária, o profissional deixa de recolher imposto na fonte).
O texto lembra os problemas da remuneração variável:
Na vida real das empresas, eis os principais problemas da compensação de executivos:
:: o fator sorte. Mendes da Silva, o CEO da Aché, tem suas reservas em relação ao modelo de stock options. “A gente pode fazer um baita resultado, mas daí vem a crise na Grécia e ninguém ganha nada”, diz ele. “Ou, então, o nosso resultado pode ser ruim, mas se o mercado americano estiver de bom humor, nossas ações sobem e todo mundo fica feliz. Ou seja, a remuneração fica à mercê do comportamento do mercado.” O sistema atual é de bônus diferido: uma parcela anual, de acordo com os resultados da empresa, e uma trianual, com metas que incluem a inovação (receitas de novos produtos). “Embora três anos seja pouco, crio um modelo rotativo. A cada ano, gera-se um resultado para o futuro”, diz. Ele já se considera, “com várias aspas”, um sócio da companhia. “Isso vai gerando um ganho de longo prazo. Se eu ficar dez anos, posso ganhar uma nota preta.”
:: o fator negociação. A maior diferença dos bônus para as ações é que eles são vinculados a uma negociação, não à percepção dos investidores no mercado financeiro. Uma negociação é sempre baseada em metas, padrões ou comparação com os pares. “Falhas no desenho de qualquer uma das três dimensões podem incentivar retenção de esforço, manipulação de receitas e fluxo de caixa, uso ineficiente do capital ou bloqueio de informação crítica para a gestão”, afirma Kevin Murphy, no artigo Executive compensation: where we are, and how we got there (“Compensação de executivos: onde estamos, e como chegamos aqui”), publicado no mês passado. Isso em geral é resultado da fórmula mais comum no pagamento de bônus: até 80% da meta, não há recompensa; entre 80% e 120%, a recompensa é crescente; a partir de 120% não há incentivo extra. Isso cria uma tentação para o executivo (ou vendedor) fazer negociações arriscadas, se estiver quase chegando aos 80% (atrasar despesas com manutenção, reduzir verba para projetos novos etc.). Ou postergar receitas para o ano que vem, se já tiver passado dos 120% (até porque, se fizer um resultado espetacular demais, sabe que suas metas do próximo ano serão mais altas ainda).
:: o fator comparação. Como reza o ditado, a grama do vizinho é sempre mais verde. No caso dos altos executivos, isso é garantido pela escolha dos vizinhos cujo jardim será inspecionado, de acordo com Bill George, um professor de governança corporativa da Universidade Harvard. “Escolher colegas mais bem pagos para comparar salários tem sido uma das principais maneiras de elevar a remuneração dos executivos”, afirmou à revista Bloomberg Businessweek, em abril. Em 1980, um CEO de uma das 500 maiores empresas dos EUA ganhava 42 vezes mais que um funcionário médio. Hoje, ganha 380 vezes mais. De acordo com a revista, o CEO da empresa de mídia CBS, Leslie Moonves, recebeu um pacote de US$ 69,9 milhões no ano passado, após uma análise do mercado de executivos. Mas as companhias pesquisadas eram, em média, duas vezes maiores que a CBS e incluíam negócios em setores muito diferentes. Na Monsanto, o desempenho da empresa é comparado com suas pares da indústria química e de produção de sementes. Mas o salário do CEO, Hugh Grant, passou a ser comparado com o de indústrias de saúde e bem-estar. Seu pacote subiu de US$ 2,7 milhões, em 2004, para US$ 11,6 milhões, no ano passado.
:: a avaliação do desafio. Muitas vezes, um executivo recebe uma missão. Pode ser revigorar uma empresa, ganhar mercado, tirar da falência, tornar-se líder, melhorar o resultado... Quase nunca se sabe de antemão qual a dificuldade dessa missão. Na AB InBev, o pacote de Brito foi influenciado pelo ambiente da crise econômica de 2008. Brito havia liderado a compra da Anheuser-Busch, por US$ 52 bilhões – mas isso deixara a AB InBev alavancada demais, com dívida de 5,5 vezes o Ebitda (lucro antes de impostos, juros, depreciação e amortização). Cinco meses depois, no auge da crise mundial, os acionistas lhe deram um pacote generoso para baixar o endividamento a 2,5 vezes o Ebitda em 2013. Brito e seus diretores adotaram um plano agressivo, com venda de ativos e corte de custos, e atingiram sua meta dois anos antes do previsto.
:: a distância do dono. A dinâmica salarial nos negócios “sem dono” é o tema da tese de mestrado de Marcos Barbosa Pinto, sócio da Gávea Investimentos, defendida na Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro. “Quando a companhia deixa de ter um acionista majoritário, o controle torna-se mais difícil e os administradores acabam, no limite, por fixar a própria remuneração”, afirma ele. Isso ajuda a explicar por que os CEOs dessas companhias embolsam mais que o quádruplo, em média, do que presidentes de empresas familiares: R$ 5,6 milhões, ante R$ 1,3 milhão. “Os conselheiros costumam possuir apenas uma fração trivial das ações da empresa e não podem ser considerados de modo nenhum agentes perfeitos para os acionistas que os elegeram”, diz Murphy. Sob condição de anonimato, um conselheiro de duas grandes empresas de capital aberto revela como funcionam as reuniões em que se decidem os salários: “Em encontros que costumam durar três horas, a gente gasta dez minutos para decidir os salários dos funcionários, 20 para a gerência e o restante para os diretores. No final das contas, como não queremos perder os executivos, nós sempre acabamos dando mais dinheiro do que seria justo”.
:: o curto longo prazo. O prazo do executivo para exercer suas opções em geral é curto demais, às vezes apenas dois ou três anos, disse Alex Edmans, professor de finanças da Escola de Negócios Wharton, em artigo no The Wall Street Journal. Quanto ele deveria ter de esperar? “Depende da companhia”, diz Edmans. “O prazo deve ser maior em negócios nos quais suas ações possam ter consequências de muito longo prazo. Pode ser de sete anos ou mais num laboratório farmacêutico. É claro que há um outro lado. Se ele esperar demais, fica exposto a riscos que não estão sob seu controle.”
:: o risco da demissão. Ações e bônus estão longe de ser o único meio de alinhar interesses do executivo com o acionista. Existem as negociações de salário e, claro, a ameaça de demissão. “Nada prescinde o dever de casa dos acionistas de fazer seu trabalho de acompanhamento do mercado, estudar relatórios, avaliar os trabalhos da área de gestão de risco”, diz Mendes da Silva, do Aché. O desempenho insuficiente tem sido punido com rigor crescente. Segundo um estudo da consultoria Booz & Company divulgado em maio, a rotatividade dos comandantes de empresas no Brasil subiu de 16% para 22,8% no ano passado – em boa parte por não atingimento de metas. É bem mais que a taxa mundial, de 14%. Ora, uma das premissas básicas da economia é que a um risco maior corresponde uma recompensa potencial maior.
:: o fator motivação. Como qualquer ser humano, os executivos preferem um ganho certo a um valor incerto. Por isso, há sempre um desconto psicológico nos incentivos de longo prazo. Um estudo da consultoria PwC feito este ano com 1,1 mil executivos mostrou que eles preferem esquemas de pagamento simples, e dão um desconto tão grande a planos de longo prazo que os montantes têm de ser imensos para afetar sua motivação. “Temos de jogar no lixo o modelo de agência usado para pagamento de executivos, baseado na noção de racionalidade econômica”, conclui o estudo. Do outro lado da mesa, ocorre o contrário: “Os planos de stock options proliferaram tanto nos anos 90 porque os conselhos erroneamente os interpretavam como livres de custos para a empresa”, afirma Murphy. Do lado do executivo, ele fica praticamente obrigado a concentrar seus investimentos na companhia que o emprega – e essa corrente contra a diversificação também tem um preço. Em suma, tanto quem paga como quem recebe em geral preza menos do que deveria o pacote que está negociando. E, entre eles, há com frequência uma empresa de contratação de executivos que ganha uma porcentagem dos proventos do executivo – e tem, portanto, incentivos para que o pacote seja alto.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário