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21 setembro 2012

Perfil do Investidor e Risco

Já se passaram mais de 30 anos [1] desde que os primeiros trabalhos de finanças comportamentais surgiram. A cadeira cresce em aceitação e o número de publicações voltadas ao tema revela como tem obtido centralidade no debate econômico e financeiro [2]. No entanto, são raros os exemplos de aplicações práticas de tais ensinamentos no dia a dia dos investidores [3]. Veja, por exemplo, o caso do perfil de risco de investidor. Para qualquer conselheiro financeiro ou aplicador não há pergunta mais óbvia e, ao mesmo tempo, desconcertante que "Qual o nível de risco que o senhor(a) está confortável em assumir na sua carteira?". O usual constrangimento com a pergunta tem sido amenizado por meio do uso de questionários de avaliação de tolerância ao risco, que no Brasil recebem o nome de API (análise do perfil do investidor), obrigatório de ser respondido desde 2010 por quem deseja fazer investimentos em fundos que envolvam ativos de risco. Com base em suas respostas, você será colocado em um de três grupos: Conservador (basicamente 100% renda fixa), Moderado (um pouquinho de fundos multimercados e ações são adicionados à carteira) ou Agressivo (mais multimercados e ações que o anterior e menos renda fixa). E voilá! Sua carteira está pronta e balizada às suas necessidades, desejos e medos. 

Algumas perguntas podem evidenciar o absurdo da tarefa em questão. Por exemplo, é possível um ser humano ter um único nível de tolerância ao risco que pode ser mensurado como se estivéssemos na loja de calçados em busca de um sapato do tamanho certo? Além disso, caso de fato possamos determinar por meio de teste a tolerância ao risco de um indivíduo, diferentes questionários deveriam gerar consistentemente o mesmo perfil. Será que isso é verdade? Levantamos o questionário disponível na internet de três grandes bancos e pedi a 60 pessoas que respondessem aos três testes. Curiosamente, apenas 56% dos resultados coincidiram. Ou seja, para 44% das respostas um questionário resultou em Conservador enquanto os outros dois deram Moderado ou Agressivo. Em outras palavras, a probabilidade de que dois questionários gerem para uma pessoa o mesmo diagnóstico de perfil são pouco melhores que ganhar um jogo de cara ou coroa [4]. O seu suposto nível de tolerância ao risco depende menos de quem você é e mais de qual questionário você responderá. 

Vários estudos comportamentais mostram que nosso humor, inerentemente maleável e, portanto inconstante, é o principal fator por trás da capacidade de um indivíduo avaliar e tolerar riscos [5]. Se suas emoções mudam, sua propensão ao risco se altera e isso pode ocorrer com diferenças de minutos, as vezes segundos. Vejamos alguns exemplos. 


Em um estudo efetuado em Israel, alguns estudantes do sexo masculino foram expostos a fotos de várias mulheres que estavam em um site de relacionamento. Na sequência, eles podiam escolher receber diferentes pagamentos seja no dia seguinte ou em uma data mais distante. Os homens que viram fotos de pessoas mais atraentes se mostraram 70% menos propensos a esperar para receber os pagamentos.

Em outra pesquisa, estudantes foram colocados diante de uma opção segura, com 70% de chance de ganhar US$ 2,00 e outra mais arriscada, com 4% de chance de ganhar US$ 25,00. Um grupo de estudantes foi então colocado em uma sala e assistiu a um seriado de TV cômico (no caso desse estudo, o seriado Friends). O restante dos estudantes assistiu a um concerto instrumental de gaita de fole com o som levemente distorcido e a eles foi pedido que cantasse uma letra de música predefinida. Nesse segundo grupo, 87% escolheu a opção mais arriscada, como se estivessem buscando neutralizar a chateação e o constrangimento com a possibilidade de obter um ganho financeiro elevado. 


Em um experimento realizado na França, um grupo de voluntários recebeu um caneta de marca famosa e assistiu a uma cena sangrenta de assassinato de um filme de terror, enquanto um outro grupo ficou observando um aquário com peixes tropicais. Na sequência, precisavam responder por quanto venderiam a caneta que ganharam e quanto pagariam para comprar a caneta de outra pessoa. Quem assistiu a cena de crime ficou mais propenso a pagar mais para comprar a caneta de outra pessoa. Psicólogos interpretam isso como uma resposta instintiva para lidar com a tristeza. Ou seja, a tristeza está associado à perda de algo que valorizamos, e por isso ficamos mais dispostos a pagar alto para compensar ou nos recuperarmos da sensação de perda. 

Estes são apenas alguns exemplos de que alterações de humor afetam nossa postura frente ao risco. Não há evidência acadêmica, ou suporte em pesquisas aplicadas, de que seja possível definir com um mínimo de precisão a propensão ao risco de uma pessoa. Os estudos evidenciam grande maleabilidade desse comportamento e grande suscetibilidade de alteração com base em informações a que somos expostos no momento da avaliação. 

Quando responder ou aplicar um questionário de avaliação de perfil de risco, esteja ciente de suas limitações, tendo a noção de que se trata apenas de um "fotografia" do humor do investidor no momento em que foi respondido. Atribuir muito mais à capacidade de diagnóstico de tais questionários seria equivalente a desconsiderar por completo a maleabilidade do humor humano.

Tolices que não questionamos - 20 de Setembro de 2012 - Valor Econômico - Aquiles Mosca



[1] Considerando que surgiu com Kahneman e Tversky, já são 40 anos.

[2] Acho exagero considerar como tema central da economia. Alguns ainda não consideram as contribuições relevantes.

[3] Talvez o melhor seria "são raras as aplicações dos conhecimentos"

[4] A comparação é infeliz: no jogo de moedas temos dois resultados esperados e nos questionários três.


[5] Mas parece que isto não explica o resultado da pesquisa realizada, já que os questionários foram respondidos um após o outro.

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