O texto a seguir é um interessante "estudo de caso" para perícia contábil:
O Banco Central perdeu a guerra da comunicação em relação ao Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer) — até hoje tido pela população como um mecanismo criado para salvar banqueiros —, mas não desistiu de lutar por um centavo que seja devido pelas instituições em liquidação extrajudicial que, no anos 1990, tomaram dinheiro emprestado do governo. Pelos cálculos da Procuradoria Geral do BC, os bancos vinham pleiteando, administrativamente e na Justiça, pagar R$ 72,9 bilhões a menos. A autoridade monetária não concordou e livrou os cofres públicos de uma sangria maior que o orçamento deste ano do Ministério da Educação (R$ 66,5 bilhões).
O procurador-geral do BC, Isaac Sidney Menezes Ferreira, explica que o objetivo dos empréstimos do Proer foi garantir os recursos dos poupadores e depositantes diante do enorme rombo no caixa de instituições falidas como Bamerindus, Banorte, Econômico, Mercantil de Pernambuco e Nacional. A parte boa deles foi assumida por outras instituições, ficando a banda “podre” sob liquidação extrajudicial. Portanto, é a massa falida desses bancos a devedora do Proer e dos saques realizados nas reservas administradas pelo BC — operações não mais permitidas.
(...) Para emprestar o dinheiro que deu equilíbrio ao mercado, o BC exigiu, porém, que os bancos liquidados lhe entregassem, em garantia, títulos federais, ações de estatais e outros ativos, numa quantia 20% maior do que o valor dos repasses. Pelo contrato, a dívida dos bancos falidos vem sendo, desde então, corrigida pelo rendimento médio das garantias vinculadas aos empréstimos, acrescidos de 2% de juros fixos ao ano.
Por conta dessa correção, o total das dívidas com o BC, que somava R$ 14 bilhões em 1995, saltou para R$ 60 bilhões em 2010, sendo R$ 45 bilhões só de Proer. Assustados com esse montanha de recursos a pagar, os bancos falidos passaram a pleitear, na Justiça, a correção dos débitos só pela Taxa Referencial de Juros (TR). A demanda chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde o BC garantiu o pagamento dos débitos pelos encargos contratuais. A diferença seria, simplesmente, de R$ 33,9 bilhões a favor dos bancos, se eles tivessem ganhado a ação. Ou seja, os ex-donos, que levaram as instituições à bancarrota, ainda sairiam com uma fortuna bilionária do processo.
O BC também bateu o pé e não aceitou papéis do Fundo de Compensação de Variações Salariais (FCVS) vinculados a financiamentos habitacionais, como moeda de pagamento. “Os créditos contra o FCVS, além de não serem líquidos e certos, não fazem parte dos instrumentos da dívida pública federal. Portanto, não podem ser aceitos pelo BC”, esclarece Ferreira. Mais R$ 32, 5 bilhões a favor do BC nessa conta.
Por último, veio a Lei 12.249, de 2010, mais conhecida como Refis das Autarquias. Os bancos puderam obter descontos nas dívidas, mas eles incidem apenas sobre os encargos contratuais e não sobre o principal. A controvérsia, nesse caso, foi sobre o critério de cálculo. Se o BC aceitasse a alegação dos ex-controladores das instituições quebradas, os livraria de pagar outros R$ 6,5 bilhões.
Hoje, a situação dos grandes bancos que pegaram dinheiro do Proer é a seguinte: o Mercantil pagou integralmente a dívida e teve a liquidação extrajudicial suspensa neste ano, e o Banorte não deve mais ao programa e está quitando, parceladamente, o débito com relação às reservas bancárias. Já o Econômico e o Nacional, que devem R$ 32,6 bilhões, ainda estão discutindo com o BC os descontos previstos na lei. O Bamerindus não deve nada ao Proer desde 2008 e parcelou a dívida em reservas bancárias no ano passado.
Banco Central evita golpe de R$ 72,9 bi - 23 de Setembro de 2012 - Correio Braziliense - VÂNIA CRISTINO - » VICTOR MARTINS
Nenhum comentário:
Postar um comentário