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16 julho 2012

Kama Sutra Macroeconômico

No artigo abaixo, o economista e professor Edmar Bacha reconta a trajetória econômica de décadas numa fábula erótica

Há tempos, vem a oferta (S) cruzando com a procura (D) nos compêndios de economia. No final do século XIX, o sábio AM lhes havia recomendado a posição da tesoura, com as hastes semiabertas, na busca de um equilíbrio natural entre a dor da verticalidade (P) e o prazer da horizontalidade (Q):

Nos anos 30, sofrendo de Grande Depressão, saíram a oferta e a procura em busca de posições mais estimulantes. Sugeriu-lhes, então, o doutor MK que a oferta se deitasse passivamente na horizontal, deixando à procura, revigorada por pílulas governamentais, assumir o papel ativo de estimular a atividade:

Por muitos anos viveram felizes assim, até que, nos anos 1970, padecendo com o Choque do Petróleo, a oferta se rebelou e assumiu a posição vertical. A prescrição de MK para obter maior Q-prazer através de estímulos da demanda tornou-se então fonte de pura P-dor:

Os doutores das águas salgadas seguidores de MK recomendaram então maiores controles do governo para diminuir a P-dor. Ressabiadas, a oferta e a procura saíram interior adentro, em busca de alternativas que mantivessem sua liberdade de movimentos.
Encontraram-se com o guru das águas doces, MF, que lhes deu uma receita diretamente oposta à de MK: devia a procura assumir uma posição horizontal passiva, mantendo assim a P-dor sob controle. A oferta ficaria na posição vertical, crescendo à taxa natural, sem amarras do governo:

Deu-se então a Grande Moderação, com a P-dor sob controle e o Q-prazer expandindo-se sob a égide dos cassinos financeiros desregulamentados.
Final feliz, entretanto, só nos contos de fadas. Desde o início do século XXI, a expansão da procura passou a depender cada vez mais do crédito facilitado pelos cassinos. Sobreveio a Crise Financeira em 2008. Sobrecarregada de dívidas, a procura encolheu-se, não mais conseguindo responder aos estímulos creditícios. Também endividados, os governos não conseguiram mais estimulá-la com suas pílulas. A procura verticalizou-se, encolhida como estava, deixando um vácuo entre sua posição e a da oferta:

Descasadas, a procura e a oferta padecem agora de uma Q-dor que não sentiam desde os anos 1930. Prazer com a queda de P também não têm, pois ela apenas aumenta o peso das dívidas acumuladas. Estão agora a lamentar não ter dado mais atenção a HM, o profeta esquecido, que há tempos lhes advertira sobre os perigos dos cassinos financeiros.

Como fazer para acasalar novamente procura e oferta? Velhos receituários retornam em tempos de crise. Ultra-Ks só desejam mais estímulos, acreditando que a oferta vai atrás da procura onde ela for. Ultra-Fs só querem saber de menos controles, pois acreditam, ao contrário, que a oferta gera sua própria procura.

Melhor deixar os ultras com suas manias de lado e retornar ao ponto de partida do sábio AM. Reconhecer as individualidades da oferta e da procura, sabendo que uma não vive sem a outra, e almejam cruzar-se harmonicamente como se hastes fossem de uma mesma tesoura. Posições extremas são excitantes de tempos em tempos, mas somente o Caminho do Meio unifica e transcende a dualidade.

Glossário para não iniciados

ÁGUAS DOCES: Região dos Grandes Lagos, onde estão as universidades dos EUA cujos economistas são próximos ao monetarismo.

ÁGUAS SALGADAS: Costas leste e oeste dos EUA, onde estão as universidades cujos economistas se aproximam do keynesianismo.

AM: Alfred Marshall, economista inglês, autor de “Principles of Economics” (1890), considerada a bíblia da economia até a Segunda Guerra Mundial.

D: Símbolo (de: demand) para a curva de procura por bens e serviços da economia. Ao longo da curva de demanda, quanto maior o preço (P), menor em geral a quantidade demandada (Q).

MK: John Maynard Keynes, economista inglês, autor de “Teoria Geral do Emprego, dos Juros e da Moeda” (1936), considerado o pai da macroeconomia moderna.

HM: Hyman Minsky, economista americano, autor de “John Maynard Keynes” (1975), considerado o grande teórico das crises financeiras.

MF: Milton Friedman, economista americano, co-autor de “A Monetary History of the United States, 1867-1960” (1963), considerado o pai do monetarismo.

P: Nível dos preços (ou taxa de inflação) da economia. Medido no eixo vertical das figuras no texto.

Q: PIB (ou nível de emprego) da economia. Medido no eixo horizontal das figuras no texto.

S: Símbolo (de: supply) para a curva de oferta de bens e serviços da economia. Ao longo da curva de oferta, quanto maior o preço (P), maior em geral a quantidade ofertada (Q).

Ultra-Fs: Ultra-monetaristas (ou chamados “neoliberais”).

Ultra-Ks: Ultra-keynesianos (ou também chamados “desenvolvimentistas”).

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