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21 julho 2012

Entrevista com Edmar Bacha

Correio Braziliense
POR ROSANA HESSEL

Primeiro brasileiro a concluir o doutorado em economia na prestigiosa Universidade Yale, o economista Edmar Bacha é considerado um dos pais do Plano Real, lançado em 1994, no governo Itamar Franco. Bacha coordenou o Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio (PUC-Rio), de onde saiu a equipe que desenvolveu o programa. “Desde 1982, discutíamos alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática”, conta.

Bacha ganhou notoriedade ao escrever, nos anos 1970, a fábula da “Belíndia”, em que dizia que o regime militar estava criando um país dividido entre os que moravam em condições similares às da Bélgica e aqueles que tinham padrão de vida da Índia. Nos anos 1980, no governo José Sarney (1985-1990), participou do Plano Cruzado e presidiu o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Com Fernando Henrique Cardoso, comandou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por cerca de um ano.

Para Bacha, um dos erros na execução do Plano Real foi o país não ter dado continuidade às reformas necessárias. Entre os acertos, destaca o fato de o país ter se livrado do estigma de que nada aqui dava certo. Ele recorda a histórica frase “Le Brésil n’est pas un pays sérieux”, atribuída ao ex-presidente francês Charles de Gaulle (1959-1969): “Nenhum candidato a De Gaulle pode hoje dizer que o Brasil não é um país sério”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O Plano Real chega à maioridade. Mas, apesar dos os avanços dos últimos 18 anos, o Brasil ainda não consegue crescer de modo sustentável sem enfrentar o fantasma da inflação. Onde o país falhou?

É uma falha relativa. Comparado com nosso próprio passado, não há falha alguma. Comparado com o resto do mundo depois de 2008, também não há qualquer falha. Falhamos ao não realizar plenamente o potencial de crescimento do país. Depois do mensalão, em 2005, faltou determinação de continuar as reformas econômicas. Sem reformas, a produtividade estancou e o investimento não cresceu.

É possível pensar em um Plano Real II, agora com o intuito de fazer as reformas abandonadas e ampliar a infraestrutura? O que é preciso para obter a unidade que levou ao Real em julho de 1994?

Pensar é possível e desejável. O que falta é a decisão política. Em 1994, havia a consciência de que, ou estabilizávamos a economia ou cairíamos num buraco sem fim. Agora falta o consenso de que é preciso reformar o setor público para termos crescimento sustentável. Mas já há um começo, tanto na comissão comandada por Gerdau (Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Comitê de Gestão e Competitividade da Presidência), quanto na recente comissão parlamentar para a reforma do setor público.

A que o senhor atribui o sucesso do real? Por que o país fracassou tantas vezes até conseguir derrotar a hiperinflação?

Foi um aprendizado penoso. Os militares resolveram conviver com a inflação e aperfeiçoaram a indexação. Aí houve a crise da dívida externa. Depois os percalços da redemocratização, culminando com o trauma do Plano Collor. Naquela altura, ninguém aguentava mais a superinflação. Na PUC-Rio, vínhamos desde 1982 discutindo alternativas para a estabilização. Em 1993, estávamos prontos para colocar as ideias em prática. Então, Itamar Franco nomeou Fernando Henrique como ministro plenipotenciário e o resto foi história.

Se o Plano Real fosse elaborado hoje, o que teria de diferente? Haveria um processo total de desindexação da economia? Em vez do câmbio fixo já se adotaria logo o sistema de taxas flutuantes?

O projeto original previa a desindexação total. Mas a negociação no Congresso exigiu a manutenção de alguma indexação residual. Além disso, o ajuste fiscal foi menos forte do que o necessário, pois não foi possível aprovar as reformas constitucionais. Tudo o que se conseguiu foi o Fundo Social de Emergência (hoje chamado de Desvinculação das Receitas da União). Com isso, o câmbio teve que fazer o papel de âncora, com as altas taxas de juros. Se fôssemos começar de novo, seria preciso mudar a história, fazendo a revisão constitucional em 1995 e não em 1993. Com um reforma constitucional, seria possível adotar mais cedo o regime de câmbio flutuante e baixar as taxas de juros.

Nos últimos anos, o crescimento do Brasil foi baseado no consumo das famílias. Esse modelo está esgotado? Por que ainda resistimos tanto a adotar um choque de investimentos? As taxas de juros estão no menor patamar da história, mas as empresas se recusam a ampliar a produção.

Não sei se é inteiramente verdadeira essa afirmação. A taxa de investimento em preços constantes aumentou continuamente de 2005 até 2011 (exceto em 2009, por causa da crise externa). O Brasil ainda investe pouco, mas muito mais do que investia em 2005. Agora, há uma crise séria na economia mundial que desalenta o setor privado. Por outro lado, o investimento público está paralisado. E há uma enorme resistência no governo a fazer o óbvio: transferir para o setor privado a responsabilidade por investimentos que não consegue fazer na infraestrutura — em portos, aeroportos, estradas, energia, etc. É preciso é superar essa paralisia e oferecer alternativas de investimento para o setor privado.

O Brasil enfrentou muitas crises internacionais ao longo de quase duas décadas. Caiu de joelhos na maioria das vezes por causa da fragilidade das contas externas. Com o mundo em recessão, os preços das commodities tendem a desabar. Há riscos de uma nova tempestade no balanço de pagamentos?

O volume de reservas internacionais é suficiente para enfrentar problemas que possam se manifestar na área externa. Também não há perspectiva de o preço das commodities desabar. Afinal, a limitação dos recursos naturais é o problema central do planeta quando se olha o futuro.

Como o senhor avalia a política macroeconômica do governo Dilma? Ela está sendo bem conduzida? Quais são os principais pontos positivos e negativos?

De positivo, estar aproveitando a crise mundial para reduzir os juros. De negativo, não conseguir superar a paralisia de investimentos em infraestrutura.
O governo adotou um viés intervencionista na economia. Essa presença maior do Estado no setor produtivo pode pôr a perder conquistas do Real?

Tão ruim como o intervencionismo é o protecionismo. Com isso estão tentando evitar o processo schumpeteriano de criação destrutiva, que é a base da prosperidade no capitalismo. Com essa política absurda de conteúdo nacional, continuaremos a produzir carroças e não vamos chegar ao pré-sal.
O Brasil ganhou voz no mundo e hoje é ator influente na política global. Em que a estabilidade econômica contribuiu para isso? Essa relevância veio para ficar?

O Plano Real só tem 18 anos. Daqui a 32 anos poderemos fazer essa avaliação, se a estabilidade interna, que é a base da relevância externa, veio para ficar. Mas nenhum candidato a De Gaulle vai poder hoje dizer que o Brasil não é um país sério, como disse o general francês na década de 1960. Mérito da redemocratização, do real e da continuidade de políticas econômicas e sociais desde então.

Qual é maior legado do Plano Real e o que ainda precisa ser feito para aperfeiçoá-lo?

O maior mérito é ter mudado a cara do Brasil. Antes, éramos uma nau sem rumo, hoje somos uma economia emergente. Para aperfeiçoar, é preciso voltar às reformas.

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