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22 abril 2012

Tony Judt


No meio do caminho deste livro provocador e inspirador, Tony Judt afirma que Richard Cobb, um dos mais renomados especialistas sobre a Revolução Francesa no mundo, "na verdade nunca me considerou um historiador. Para Cobb, eu era um intruso na disciplina, com todos os piores vieses de um intelectual francês: escrevendo política sob o manto de erudição histórica". Se Cobb, historiador britânico que morreu em 1996, realmente o depreciou nesses termos, podemos suspeitar que Judt tenha extraído uma satisfação maliciosa do fato. Em certos aspectos, Judt - que encerrou sua carreira como professor de estudos europeus na Universidade de Nova York -, era realmente mais um intelectual francês do que um historiador acadêmico inglês.

Aos vinte e poucos anos, confessa Judt, ele estava "maravilhosamente contente" vivendo em Paris como estudante de pós-graduação. Publicou seu primeiro livro, um estudo sobre o Partido Socialista francês na década de 1920 - em francês, e não em inglês. Como qualquer fervoroso polemista parisiense, amava os embates das discussões públicas entre os intelectuais sobre as questões do momento.

Mas Judt tinha uma aversão a extremismos ideológicos mais típica de um pensador inglês do que de um francês. A mordacidade com que tratava os estudantes na École Normale Supérieure, uma das prestigiadas "grandes écoles" francesas, é essencialmente inglesa: no início da década de 1970, diz ele, ela estava "repleta de jovens franceses absurdamente supercultos, com egos inchados e peitos encolhidos".

Além disso, em seus campos de especialização, política europeia e pensamento político do século XX, Judt aderia aos mais altos padrões de erudição histórica anglo-americana. Autodisciplinado, bem como extraordinariamente talentoso como pensador e escritor, ele acreditou até o fim que o estudo das ideias políticas deve ser solidamente fundamentado em seu contexto histórico.

O fim de Judt veio, aos 62 anos de idade, em agosto de 2010, quando sucumbiu à esclerose lateral amiotrófica, doença neurológica degenerativa. "Thinking the Twentieth Century" ("Pensando o século XX") é produto de uma série de longas conversas que manteve em 2009, em Nova York, com Timothy Snyder, amigo e historiador americano especializado em Europa Oriental. Snyder gravou e editou as conversas, e então enviou-as para serem revisadas por Judt.

Por pura coragem humana, assim como por seu brilho intelectual, o resultado é notável. Apesar de sua alarmante deterioração física, Judt produziu um derradeiro conjunto de ideias eloquentes sobre o fascismo, o stalinismo, o pensamento dissidente na Europa Oriental pós-1956, as falhas da moderna Israel, a invasão americana no Iraque em 2003 e o futuro da democracia social ocidental.

O livro cobre parte do terreno já explorado em duas outras obras. "O Mal Ronda a Terra" [Objetiva], publicado em 2010, disseca a busca desenfreada de autointeresse material que, acreditava ele, caracterizou as sociedades americana e britânica desde a década de 1980 até a crise financeira de 2008. "O Chalé da Memória", de 2011, é uma coletânea de ensaios publicada logo após sua morte [lançada agora no Brasil pela editora Objetiva]. Já "Thinking the Twentieth Century" é, em si mesmo, um feito substancial.

O livro acompanha o leitor por meio de nove dimensões da vida de Judt, cada uma precedida de seu próprio título de capítulo: Questionador Judeu, Escritor Inglês, Politicamente Marxista, Sionista de Cambridge, Intelectual Francês, Liberal do Leste Europeu, Historiador Europeu, Moralista Americano e, finalmente, Social-Democrata. Como indicam esses rótulos, Judt não residia numa torre de marfim, sendo, antes, um homem incansável que assumia riscos, tendo raramente ficado em uma mesma cidade ou cargo acadêmico por muito tempo.

Nascido em Londres, filho de pais judeus com origens no Leste Europeu, durante sua adolescência Judt desenvolveu uma posição sionista de esquerda, tendo servido como intérprete no exército israelense durante a Guerra dos Seis Dias em 1967. Até o fim de sua vida, foi um crítico severo contra Israel. Ele comenta no livro que o Estado "se destaca por sua cultura política nacional um tanto paranoica e tornou-se doentiamente dependente da muleta do Holocausto - a muleta moral e arma predileta com que Israel se defendia de todas as críticas".

Essas opiniões incisivas valeram-lhe uma condenação em círculos pró-Israel americanos, acusado de "judeu antissemita". Mas a polêmica, sob muitos aspectos, errava o alvo, pois a disputa entre Israel e os palestinos nunca esteve no centro das preocupações intelectuais de Judt.

Sua estatura como historiador repousa mais em "Pós-Guerra - Uma História da Europa desde 1945" [Objetiva], e em seus cinco livros sobre a França. Em minha opinião, os melhores são "Passado Imperfeito" [Nova Fronteira], que analisa por que tantos pensadores franceses nas décadas de 1940 e 1950 foram atraídos para o comunismo linha-dura, e "The Burden of Responsibility" [o fardo da responsabilidade], de 1988, que celebra a coragem política e intelectual de Raymond Aron, Léon Blum e Albert Camus na resistência a essa moda.

A mensagem central de "Thinking the Twentieth Century" é o que Judt denomina "pecado do intelectual do século: emitir juízo sobre o destino de outros em nome do futuro como você o vê". Se Lênin, Hitler, Stálin e Mao foram abomináveis bandidos e tiranos, os intelectuais que os defendiam também podem ser culpados por seu apoio.

"É crucialmente importante, para uma sociedade aberta, estar familiarizada com seu passado", diz Judt. "Foi uma característica comum das sociedades fechadas do Século 20, tanto de esquerda como de direita, que manipularam a história. Reescrever o passado é a mais antiga forma de controle do conhecimento."

Ele tem razão: o conhecimento da história, embora não garanta contra abusos de poder, contribui em alguma medida para sustentar a liberdade. A vida de Tony Judt foi uma homenagem corajosa e vibrante a essa verdade. (Tradução de Sérgio Blum).
Fonte: Tony Barber - Financial Times


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