Excelente reportagem do Le Monde Diplomatique sobre a ilha de Jersey.
A quantia total dos fundos depositados na ilha, até hoje vinculada à Coroa britânica, seria superior a R$ 1,7 trilhão. O montante ainda é pequeno, mas em um contexto de concorrência desenfreada entre os 70 paraísos fiscais recenseados no mundo, Jersey está consolidando sua participação no mercado
– “Eliminar os paraísos fiscais? Sim, ouvi falar a respeito na BBC. Dizem que o presidente do seu país está muito invocado. Pois então, se você encontrar uma única pessoa por aqui que leve suas ameaças a sério, faça-me a gentileza, apresente-a para mim!”
Soltando gargalhadas em ritmo irregular, o homem de colarinho branco apaga o cigarro e entra apressadamente no edifício. Sobre o mármore da entrada, cerca de 50 placas douradas identificam os ocupantes desse prédio de escritórios: firmas de contabilidade, agentes de câmbio, advogados de negócios, administradores de sociedades de fachada…
A engenharia da evasão fiscal invadiu todo o litoral de Saint Helier. A capital de Jersey é um amontoado de concreto plantado em alto-mar e protegido por falésias que desaparecem em meio à névoa. Dos 90 mil habitantes da pequena ilha anglo-normanda, mais de 12 mil trabalham no setor das finanças, ou seja, um quarto da população ativa.
(...) Situados a apenas 20 quilômetros da orla francesa, os Estados de Jersey – a denominação oficial desse território é de “formalmente independente”, ainda que vinculado à Coroa britânica – gozam de um produto nacional bruto que, quando cotejado com o número de habitantes, faz deles o terceiro país mais rico do mundo, depois do Luxemburgo e das Bermudas. Segundo o analista americano Martin Sullivan, a quantia total dos fundos depositados na ilha seria superior, em 2006, a 500 bilhões de libras (cerca de R$ 1,7 trilhão) [1].
Vale reconhecer que esse montante é um pouco magro se comparado aos US$ 11,5 trilhões (R$ 26,2 trilhões) que possuem os homens mais ricos do planeta na totalidade dos paraísos fiscais (conhecidos como centros offshore) [2]. Mas Jersey tem tudo para ver a sua parte do bolo crescer: em meio a um contexto de concorrência desenfreada entre os cerca de 70 paraísos fiscais recenseados no mundo [3], está decidida a consolidar sua participação no mercado. Até o ano passado, cobrava das companhias estrangeiras uma taxa magnânima de 10% sobre os montantes depositados ali. Mas quando a ilha de Man, uma de suas rivais mais implacáveis, deu mostras de maior ousadia, suprimindo todo imposto sobre riquezas, Jersey decidiu fazer o mesmo. Dessa forma, abriu mão de exigir impostos das multinacionais, cobrando apenas das sociedades locais de serviços financeiros os encargos de 10%.
(...)“O centro de promoção do turismo dos bilionários”, como é chamado, vangloria-se de ter registrado a fundação de 24 shell companies entre fevereiro e outubro de 2008. Por mais que o desmoronamento das bolsas tenha manchado sua reputação e alterado seus rendimentos, os hedge funds parecem gostar de operar em Jersey.
(...)Em 2002, o FMI publicou um relatório felicitando Jersey pelo seu respeito “praticamente” irrepreensível pelas “normas internacionais em matéria de regulamentação financeira e de luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo”
Geoff Cook, um antigo diretor financeiro no banco HSBC, que se tornou recentemente o diretor-geral da Jersey Finance Limited, é conhecido por não ter papas na língua. Em 16 de setembro, em entrevista ao Jersey Evening Post, ele comemorou a falência do banco norte-americano Lehmann Brothers, à qual todas as bolsas mundiais estavam reagindo, no mesmo momento, com gritos de horror: “Sob muitos aspectos, foi uma coisa boa. Os jogadores fracos demais vão ter de abandonar a mesa e é precisamente disso que o sistema precisa para se libertar”.
Libertar-se, o sistema financeiro? “Está havendo um mal-entendido”, responde Cook, o chefão das relações públicas da ilha. “Em primeiro lugar, Jersey não é um paraíso fiscal, mas sim um território fiscalmente neutro, o que é muito diferente. Nós já assinamos acordos relativos a intercâmbios de informações com os Estados Unidos, a Alemanha e a Holanda, e estamos nos preparando para fazer o mesmo com os países nórdicos e a França. Isso significa que, caso um dos nossos parceiros suspeitar de que um cidadão esteja aplicando seu dinheiro em Jersey para fraudar o fisco, ele pode nos solicitar informações a respeito daquele caso específico. É claro, o pedido deve ser justificado. Todo cidadão tem direito a ter a sua intimidade preservada, tanto os nossos clientes como os outros. Mas, se nós consideramos que o caso é sério, então cooperamos sem problema”. Afinal, conforme nos disse Neil McMurray, “em Jersey, as finanças e a política pertencem a uma mesma profissão, a uma mesma carreira”.
Aliás, a comunidade internacional já estabeleceu essa distinção. Em 2002, a OCDE (Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico) retirou Jersey – além de 26 outras virtuosas localidades de veraneio, tais como as Bahamas, as ilhas Cook, Gibraltar ou o Panamá – da sua lista de paraísos fiscais, que desde então não comporta mais do que cinco países.
No mesmo ano, o Fundo Monetário Internacional (FMI) publicou um relatório felicitando Jersey pelo seu respeito “praticamente” irrepreensível pelas “normas internacionais em matéria de regulamentação financeira e de luta contra a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo”.
“Apesar disso”, prossegue Geoff Cook, contrariado, “alguns continuam afirmando que, em nossa ilha, as finanças não estão regulamentadas. Ora, isso é absolutamente falso. Nós temos a nossa própria instância de regulamentação, a Jersey Financial Services Commission, que trabalha de maneira plenamente independente. Permitam-me ser absolutamente categórico: Jersey não encobre nem incentiva as práticas ilegais de evasão fiscal e de lavagem de dinheiro, nem nunca procedeu dessa forma”, salienta.
Com orgulho, o responsável pelo marketing de Jersey se vangloria da simplicidade do imposto sobre a renda: 20% para todo mundo, exceto para os mais ricos, que se beneficiam de descontos proporcionais à sua fortuna
Até mesmo quando os prestadores de serviços da ilha não são franceses, eles não raro cultivam relações frutuosas com Paris. Esse é o caso da Pricewaterhouse Coopers e da Deloitte, dois gigantes multinacionais da auditoria e da contabilidade. Onipresentes na ilha graças ao seu alto grau de perícia em matéria de evasão fiscal, ambas têm como cliente o Estado francês, que lhes confiou os principais mercados de auditoria da Revisão Geral das Políticas Públicas (RGPP).
Além do mais, não se deve julgar apressadamente um sistema fiscal que é de fato pitoresco, mas incentiva o voluntariado. “É verdade”, admite Geoff Cook, “em Jersey, os ricos pagam menos impostos do que os pobres. Mas essa é uma diferença de cultura. No seu país, muitos pensam que os ricos são úteis apenas por causa dos impostos que pagam. Aqui, eles dispõem de outros meios para prestar serviços à coletividade, por exemplo, contribuindo com obras de caridade”.(...)
I would like to open a savings account in Jersey. What are the requirements for me to go ahead with such desire? Thank you!
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